- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Protestos dos balúchis no Irã ressaltam repressão contra a minoria étnica

Categorias: Irã, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Protesto

Manifestantes balúchis na cidade iraniana de Saravan protestam em frente a um prédio do governo. Fonte: Conselho Nacional de Resistência do Irã. Utilizada com autorização.

No início deste mês, protestos contra o governo eclodiram na província do Sistão-Baluchistão no sudeste do Irã, após pelo menos dez [1] comerciantes de combustível balúchis serem mortos a tiros pelo regime iraniano em fevereiro, e alimentado por décadas de repressão e negligência contra o povo balúchi.

O Iran Human Rights Monitor, um grupo local de ativistas que documenta a violação de direitos na República Islâmica, tuitou:

Forças do Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica (também conhecido como Guarda Revolucionária Iraniana) entraram em confronto com moradores balúchis na região fronteiriça do Sistão-Baluchistão no sudeste do Irã.
Fontes locais dizem que pelo menos 8 pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas.
As forças do Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica têm um histórico de atirar em cidadãos balúchis vulneráveis que são forçados a transportar combustível para sobreviver.

A província do Sistão-Baluchistão é a mais pobre do Irã, com aproximadamente metade da população de 1.346 milhão de pessoas, vivendo abaixo da linha de pobreza. [5] Também, é a única província em que a população rural é maior [6] do que a população que vive em comunidades urbanas, além de, historicamente, ter poucos recursos.

O incidente do tiroteio é o mais recente de uma longa história de discriminação enfrentada pela população balúchi no Irã. Imprensada entre as fronteiras do Irã, Afeganistão e Paquistão, a população balúchi é uma minoria historicamente desprivilegiada que é relegada à periferia da sociedade, com pouca ou nenhuma oportunidade econômica e, de modo sistemático, alvo da violência do Estado.

Em uma declaração [7] da Anistia Internacional sobre o tiroteio, no dia 2 de março, foi dito:

Testimony from eyewitnesses and victims’ families, coupled with video footage geolocated and verified by the organization’s Crisis Evidence Lab, confirms that on that day [February 22], Revolutionary Guards, stationed at Shamsar military base, used live ammunition against a group of unarmed fuel porters from Iran’s impoverished Baluchi minority causing several deaths and injuries… At least 10 people, including a 17-year-old boy, were killed on 22 February, according to Baluchi human rights activists who interviewed primary sources.

Depoimentos de testemunhas oculares e famílias das vítimas, juntamente com imagens geolocalizadas de vídeo e verificadas pelo Laboratório de Evidências de Crise da organização, confirmam que naquele dia [22 de fevereiro], Guardas Revolucionários, estacionados na base militar de Shamsar, usaram munição real contra um grupo de carregadores de combustível desarmados da vulnerável minoria balúchi do Irã causando várias mortes e ferimentos… Pelo menos 10 pessoas, incluindo um menino de 17 anos, foram mortas em 22 de fevereiro, de acordo com ativistas de direitos humanos balúchis que entrevistaram fontes primárias.

Após esses assassinatos, manifestações eclodiram [8] na província de Sistão-Baluchistão, com manifestantes ateando fogo a um carro da polícia e ocupando prédios do governo. Os confrontos com as autoridades supostamente deixaram pelo menos um policial morto [9]. As autoridades cortaram as conexões de internet [10] na região, enquanto grupos de direitos humanos relataram várias prisões [11].

Os protestos refletem o descontentamento enraizado ao longo de décadas de negligência do governo. De acordo com um relatório publicado em junho de 2016 pelo Iran Human Rights Review [12], o orçamento de desenvolvimento do Baluchistão é inferior a 0,001% do orçamento nacional total. O relatório disse:

More than half of the development budget is spent on security and policing in the province. While hundreds of billions of tumans (a unit of 10 rials) are spent to establish security and police stations and Revolutionary Guard Centres, many students continue to occupy sheds as classrooms.

Mais da metade do orçamento de desenvolvimento é gasto em segurança e policiamento na província. Enquanto centenas de bilhões de tomans (unidade de 10 riais) são gastos para estabelecer estações de segurança, delegacias de polícia e Centros da Guarda Revolucionária, muitos alunos continuam utilizando galpões como salas de aula.

A falta de recursos econômicos está associada a políticas e práticas que discriminam os balúchis sunitas, tanto cultural quanto religiosamente. A pressão para marginalizar a identidade balúchi é ainda mais intensificada pelo fato de que muitas crianças balúchis vivem sem documentos no Irã [13]. Assim, são negados não apenas a educação em suas línguas nativas, mas em alguns casos, a cidadania.

A repressão sancionada pelo Estado não para por aí: por décadas, os balúchis foram alvo de incontáveis campanhas de prisão e execução no Irã. Em 2016, a vice-presidente iraniana ganhou as manchetes [14] ao fazer referência a um vilarejo no Baluchistão no qual todos os homens foram executados, observando que os sobreviventes do vilarejo recorreram ao contrabando para sobreviver.

A discussão sobre o povo balúchi há muito tempo se concentra em seu engajamento no que é frequentemente referido como “comércio transfronteiriço ilegal” [15], uma estrutura problemática por si só, uma vez que impõe restrições relacionadas ao comércio e movimento nessas comunidades. O Baluchistão histórico [16] estende-se pela fronteira de três Estados-nação, e os balúchis que realizam comércio nesta região são classificados como “contrabandistas”.

Essa classificação também têm sido usada há anos para justificar a repressão e os assassinatos [17] de balúchis no Paquistão pelo Estado.

Fotos de uma série de cidadãos balúchis que foram mortos durante o tiroteio de hoje pelas forças do Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica na Província do Sistão-Baluchistão, no sudeste do Irã.

Durante décadas, milhares de balúchis foram criminalizados, presos e executados como contrabandistas e bandidos, uma acusação que historicamente foi feita contra outras comunidades fronteiriças no Irã.

No início deste mês, em um comunicado condenando a execução [21] de um prisioneiro balúchi, a organização das Nações Unidas disse que pelo menos 21 prisioneiros balúchis foram executados nas prisões de Zaedã, Mexede e Isfahã desde meados de dezembro de 2020. O comunicado acrescentou que muitos dos executados “tinham sido condenados por delitos relacionados a drogas ou acusações de segurança nacional, seguindo processos legais falhos”.