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Pequim reescreveu leis eleitorais de Hong Kong. O que muda?

Categorias: Leste da Ásia, China, Hong Kong (China), Direitos Humanos, Eleições, Lei, Mídia Cidadã, Política

Comitê para Salvaguarda da Segurança Nacional de Hong Kong. Foto do Governo de Hong Kong via HKFP.

A Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo da China (CNP) publicou, em 30 de março, os detalhes sobre as novas leis eleitorais de Hong Kong. Segundo consta, elas irão garantir que somente os leais a Pequim ocupem cargos públicos na cidade.

O CNP anunciou as regras eleitorais para Hong Kong no começo de março [1]. Elas se materializariam por meio de emendas aos Anexos I e II da Lei Fundamental, da miniconstituição de Hong Kong. Esses anexos definem os processos para a escolha do chefe do executivo, o cargo mais alto da cidade, e do Conselho Legislativo.

Uma das mudanças mais importantes introduzida pelo novo conjunto de regras é o requisito de que todos os candidatos em potencial para cadeiras no Conselho Legislativo e para chefe do executivo sejam avaliados pelas autoridades de segurança nacional de Hong Kong [2].

Além disso, a reestruturação do Conselho Legislativo irá reduzir o número de cargos com eleição direta de 57% para 22%.

A Comissão Eleitoral do chefe do executivo, o colégio eleitoral que escolhe o chefe do executivo, também será reestruturada para garantir que um número significativo de cargos seja ocupado por candidatos pró-Pequim. O órgão político, então, terá o poder de escolher 40 de seus membros para o Conselho Legislativo e de nomear candidatos para concorrer a posições políticas decisivas.

Abaixo, uma explicação sobre essas três mudanças impostas pelas novas leis.

Avaliação pela polícia

De acordo com a atualização dos Anexos I e II da Lei Fundamental de Hong Kong, a unidade de segurança nacional da polícia de Hong Kong irá conduzir uma avaliação inicial dos potenciais candidatos [3] que querem concorrer nas eleições da cidade para os cargos públicos mais altos: o chefe do executivo, o chefe da Comissão Eleitoral e o Conselho Legislativo.

O relatório da polícia será entregue ao Comitê de Salvaguarda da Segurança Nacional de Hong Kong, que irá, então, emitir um parecer para o Comitê de Revisão de Elegibilidade de Candidatos da Região Administrativa Especial de Hong Kong,  um órgão de avaliação também estabelecido pelas novas normas eleitorais.

O Comitê de Revisão irá garantir que todos os candidatos a cargos públicos sejam “patriotas”; a decisão do órgão sobre a elegibilidade de candidatos não pode sofrer apelação por meio do sistema jurídico da cidade.

O Comitê de Salvaguarda da Segurança Nacional de Hong Kong, que conta com 11 membros, é liderado pelo chefe do executivo da cidade, com o diretor do gabinete de ligação do Governo Central da China como conselheiro. Cinco membros do Comitê são chefes das forças de segurança da cidade.

Últimas notícias: os candidatos serão os primeiros avaliados pelo escritório de segurança nacional da Polícia e a comissão de segurança nacional, presidida pelo chefe executivo com o escritório de ligação, e então examinados pelo comitê de elegibilidade de candidatos, segundo o delegado do Comitê Permanente do Congresso Popular Nacional, Tam Yiu-Chung.

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A polícia de segurança nacional será efetivamente um dos órgãos mais altos na decisão de quem pode receber votos do povo. É o novo normal na nova #HongKong quando todas as regras são reescritas em nome da segurança nacional.  

Cargos de eleição direta reduzidos

O Conselho Legislativo é composto por 70 cadeiras. Metade delas é ocupada por meio de eleição direta pelo público segundo circunscrições geográficas; as outras 35, são circunscrições funcionais, 30 são ocupadas por representantes de grupos de interesses e 5, eleitas diretamente pelo povo de cinco grandes regiões geográficas.

Em vez disso, a nova legislação [1] será constituída por 90 cadeiras, com 30 cargos provenientes de circunscrições funcionais e 20 de geográficas. As 40 vagas restantes serão agora ocupadas por representantes autoeleitos do Comitê Eleitoral do chefe do executivo. As cinco vagas das grandes regiões geográficas foram cortadas.

A proporção de cargos de eleição direta no Conselho Legislativo será reduzida de 57% para 22% com as novas regras.

Além disso, como a regra de votação nas circunscrições geográficas foi alterada, passando de um sistema eleitoral de representação proporcional de listas de partidos para um sistema de maioria simples dos dois candidatos mais votados em dez distritos, o grupo pró-democracia poderia ganhar, no máximo, dez cargos no sistema de eleição direta.

A regra de votação para as circunscrições funcionais também foi alterada, com o voto individual sendo substituído pelo voto corporativo em nove setores, o que significa que, sem apoio institucional, os candidatos teriam chance de ganhar nesses setores.

O número de legisladores que os eleitores comuns de #HongKong poderão escolher está sendo destruído, e quase metade do Conselho Legislativo será escolhido a dedo por um comitê, mas o gabinete de ligação de Pequim diz que o sistema eleitoral da região administrativa especial será agora mais democrático e equilibrado.

Mais poder para o Comitê Eleitoral

Anteriormente, o poder do Comitê Eleitoral do chefe do executivo era restrito à eleição do principal líder da cidade, e os membros do Comitê Eleitoral eram eleitos ou selecionados dentre quatro diferentes setores [10] da sociedade de Hong Kong. Desde 2017, o Comitê Eleitoral conta com 1.200 integrantes.

Com as novas emendas, serão adicionados ao Comitê 300 representantes eleitos pelos membros de órgãos nacionais chineses, como o Congresso Nacional Popular, a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e a Federação das Mulheres da China, entre outros. Ou seja, esse setor estará diretamente sob o controle de Pequim.

Além disso, 18 subsetores, que anteriormente permitiam votos individuais irão agora permitir apenas votos corporativos. As 117 cadeiras reservadas para membros do conselho distrital foram cortadas e substituídas por membros de comitês locais de segurança contra incêndio e prevenção de crimes, designados pelo governo.

Em 2017, os pró-democracia controlavam mais de 300 votos no Comitê Eleitoral graças ao mecanismo de voto individual de grupos profissionais. A formação poderia ter controlado a maioria após sua vitória arrasadora nas eleições dos conselhos distritais de 2019. Com a nova estrutura e método eleitoral, Pequim e os partidários do sistema irão dominar o Comitê Eleitoral.

As novas regras também dificultam a candidatura de quem quer concorrer a chefe do executivo, já que terá que obter um mínimo de 188 indicações no total, com um mínimo de 15 indicações de cada um dos cinco setores do comitê. Anteriormente, os candidatos só precisavam de um mínimo de 150 indicações.

O Comitê Eleitoral recém-reestruturado terá o poder de autoeleger 40 representantes para o Conselho Legislativo. Os candidatos concorrendo às cadeiras do legislativo abertas ao público também terão que obter um mínimo de dez indicações do Comitê Eleitoral, com um mínimo de dois de cada um dos cinco setores.

Como descreveu a jornalista independente, Mary Hui, no início de março, a reescritura do sistema eleitoral serve para estabelecer um “clientelismo competitivo” para garantir que apenas quem é leal permaneça no poder:

Eleições autoritárias, que Pequim em breve irá impor em HK, ajudam autoritários a consolidar seu poder. Um dos meios é o “clientelismo competitivo”, em que os candidatos lutam para demonstrar lealdade aos líderes. E parece que as elites pró-governo de Hong Kong logo serão varridas.