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Regulamentações permissivas estão por trás da onda dos ‘nano flats’ em Hong Kong, afirma grupo de usuário do solo

Categorias: Leste da Ásia, Hong Kong (China), Economia e Negócios, Mídia Cidadã
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A Comunidade Científica Liber, organização local sem fins lucrativos, que investiga os aspectos relacionados ao uso do solo, publicou um relatório sobre a proliferação de flats tipo caixa de sapatos em Hong Kong na última década. Imagem do Stand News. Usada sob permissão.

Essa história foi originalmente publicada em mandarim no Stand News em 4 de janeiro de 2021. A tradução em inglês foi publicada no site da Global Voices sob um acordo de parceria de conteúdo.

De acordo com um relatório recente, as casas em Hong Kong estão ficando cada vez menores à medida que os “nano flats” proliferam no mercado imobiliário mais caro do mundo, resultando na diminuição da qualidade de vida da cidade.

O termo “nano flat” refere se a apartamentos residenciais com área, incluindo banheiro e cozinha, menor que 24 m². Alguns nano flats são tão pequenos quanto uma cama king size, e banheiro e cozinha não têm janela.

Uma recente pesquisa realizada pela Comunidade Científica Liber (LRC), organização local sem fins lucrativos, que investiga questões relacionadas à habitação e uso do solo, revelou que entre 2010 e 2019 foram construídos em Hong Kong 8.550 nano flats, desse total 12% foram lançados em 2019.

A maioria dos nano flats possui um design sem paredes dividindo os cômodos e, em muitos casos, a cozinha está localizada ao lado da cama, semelhante a um quarto de hotel padrão.

De acordo com o relatório, a proliferação dos nano flats pode ser atribuída a flexibilização, por parte do governo, das diretrizes de segurança contra incêndio em 2011, bem como das diretrizes de planejamento para construção em 2012. Essas flexibilizações permitiram a construção de cozinhas sem portas ou janelas de ventilação. Na época, o governo justificou as mudanças como uma forma de aumentar a oferta de apartamentos de pequeno e médio porte.

A LRC destacou que, em 2010 foram vendidos apenas 21 nano flats recém- construídos o que representou apenas 0,2% do total da oferta de imóveis lançados naquele ano. Em 2019, 1.805 nano flats foram postos a venda (um de cada oito apartamentos lançados naquele ano). Na última década, um total de 8.550 nano flats foram construídos, com a maioria das unidades localizada na Península de Kowloon.

O grupo de pesquisa mostrou como a área habitacional dos nano flats é inadequada, ao examinar uma unidade de aproximadamente 12 m² no T-plus, um famoso edifício de nano flats. A unidade é menor que o espaço de uma vaga de estacionamento padrão.

Os flats do T-plus são comumente conhecidos como unidades estilo “cama king size” porque quando o construtor apresentou os apartamentos ao público pela primeira vez, um representante disse ironicamente que  “por maior que fosse  a Cidade Proibida, o imperador só precisava de uma cama para dormir”.

O relatório mencionou que em dezembro de 2020, as unidades do T-plus foram vendidas pelo valor de HKD 19.104 (dólar de Hong Kong) cerca de US$ 2.464 por m². Portanto, uma unidade de  12 m² teria custado, HKD 2.445.312 (US$ 315.404).

Um usuário do Twitter @Paige79761013 compartilhou uma foto de um flat desse tamanho:

O problema habitacional em Hong Kong é realmente sério. Os preços dos imóveis são tão altos que as pessoas não conseguem ter a casa própria. Para tornar a compra de imóvel acessível, os novos apartamentos ficaram muito pequenos. Nos últimos dez anos, os empreendedores construíram 8.550 nano flats, todos com menos de 24 m². Desse total 2.000 medem menos de 19 m². O menor tem cerca de 11 m². A ascensão do fenômeno dos nano flats é resultado de um mercado imobiliário equivocado.

Em torno de 85% dos nano flats analisados pela LRC possuem design aberto, ou seja, não contam com quarto e cozinha separados, e cerca de 70% têm banheiros sem janela.

Por exemplo, um outro prédio de nano flats chamado Aquila Square Mile possui uma unidade de 18 m² onde a mesa da cozinha fica a apenas 78 cm de distância da cama.

Um membro da equipe de pesquisa descreveu o cenário em uma entrevista coletiva: “Você pode fritar um peixe sentado na cama e o quarto ficará com cheiro de peixe por um longo tempo”.

A área do chuveiro no banheiro sem janela tem cerca de 0,4 m².

A média de área habitável per capta no sistema público de habitação em Hong Kong é de 13,4 m² (dados de 2020). Isso é significativamente mais alto do que o espaço disponível para muitos residentes de nano flats. Vale mencionar que famílias de 2 a 3 pessoas também moram nesse espaço.

A LRC ressalta que o tamanho da área habitável, os banheiros sem janela e o design das cozinhas dos nano flats são inaceitáveis, e exortou o governo a impor restrições aos regulamentos de desenvolvimento imobiliário. A LRC também defende a criação de normas que estabeleçam uma área útil mínima per capta em edifícios residenciais.

Contudo, o Departamento de Desenvolvimento, disse ao Stand News que não tem tal plano. Dada a escassez na oferta de terrenos em Hong Kong, a prioridade do Departamento é aumentar a oferta de unidades residenciais.

A Henderson Land Development, a maior construtora de nano flats de Hong Kong (nos últimos dez anos construiu 2.858 nano unidades) afirma que seus projetos atendem à demanda de pequenas famílias e jovens compradores, e que seus prédios de nano flats estão equipados com área de lazer e academias para atender às necessidades de seus moradores.

No entanto, a LRC destaca que os nano flats atendem ao mercado investidor e não às necessidades habitacionais, já que muitos de seus compradores são investidores. Dos nano flats vendidos em primeira mão entre 2010 e 2015, 26,5% foram revendidos. O grupo de pesquisa analisou 722 nano flats revendidos e descobriu que, os compradores só mantiveram os apartamentos por uma média de 3,48 anos, poucos meses após o término da restrição de três anos do Imposto do Selo Especial [4] sobre a alienação de propriedades.

O imposto do selo especial foi introduzido em novembro de 2010 para restringir as atividades de investimento a curto prazo, exigindo o pagamento de imposto extra caso a propriedade seja vendida dentro de 36 meses a partir da data de sua aquisição inicial.

Além disso, de acordo com [5] dados fornecidos pelo Departamento de Classificação e Avaliação do governo, o índice de preços imobiliários de apartamentos residenciais privados menores que 431 m² aumentou de 242,2 em 2013 para 383 em 2019. Isso é maior do que o aumento do índice quando se considera todos os tipos de propriedade residencial (242,2 a 383 no mesmo período).

A LRC conclui que, o aumento da oferta dos nano flats, não atendeu às necessidades habitacionais de famílias pequenas, mas que impulsionou o mercado imobiliário já em ebulição.

Coincidentemente, os espaços habitacionais dos moradores de Hong Kong diminuem e assim também a qualidade de vida, já que, a área média comercializável de todas as unidades residenciais privadas caiu de 54 m² em 2013 para 35 m² em 2019 .