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Quem é Beatriz Gomes Dias, a professora que pode se tornar a primeira mulher negra a presidir Lisboa

Categorias: Portugal, Etnia e Raça, Mulheres e Gênero, Política

Beatriz Gomes Dias discursa no Parlamento português. Captura de tela do YouTube/bloconoparlamento [1]

A professora do ensino básico Beatriz Gomes Dias pode se tornar a primeira mulher negra e afrodescentende [2] a presidir o município de Lisboa, caso a sua coligação obtenha maioria na câmara municipal nas eleições autárquicas em setembro e outubro.

Dias foi eleita deputada no Parlamento português pelo Bloco de Esquerda em 2019 — ela é uma das três mulheres negras [3] da legislatura atual. Também é deputada municipal de Lisboa desde 2018. Em março deste ano, aceitou o convite para ser cabeça de lista do Bloco de Esquerda como candidata à Câmara Municipal nas eleições autárquicas.

Dias nasceu [4] em Dakar, Senegal, em 1971, tem ascendência guineense e vive em Lisboa desde os 4 anos. Licenciou-se em Biologia pela Universidade de Coimbra e é mestranda de Comunicação de Ciência na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Atua como professora do ensino secundário e como ativista antirracista.

A deputada [5] é membro da organização SOS Racismo e é fundadora da Djass — Associação de Afrodescendentes, a qual liderou, em 2017, a proposta de construção do Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas [6], em Lisboa.

Dias afirmou [7] na ocasião do anúncio da sua candidatura:

Acredito que é possível construir uma outra Lisboa. Uma cidade mais habitável, mais inclusiva, mais solidária, menos desigual e com mais memória. Uma Lisboa com coragem e determinação para enfrentar a crise social que vivemos, a emergência climática, o racismo e todas as discriminações. Uma cidade que não esteja ao serviço dos interesses de alguns, mas que seja verdadeiramente a cidade de todos e todas.

Muitos internautas declararam [8] apoio à Dias, entre eles Marlene dos Santos:

Os jovens ficariam sem dúvida muito bem representados caso fosse eleita. A grave crise climática, o racismo e xenofobia são, sem sombra de dúvidas, problemas sérios num futuro próximo (infelizmente), os quais os jovens terão de enfrentar.

A mesma opinião teve Génio Eugénio, que comentou em uma das publicações [9] da candidata:

Beatriz, quando eu olho pra ti com bastante orgulho, faz me dizer a todas as crianças que “não importa de onde vens, acredita que os teus sonhos sempre serão validos” .
Obrigado por nos fazer sentir representados.
Já Ricardo Santos diz que Portugal ainda não esqueceu o seu passado [10] histórico de racismo:
Portugal ainda não se reconciliou verdadeiramente com a sua própria história. Este episódio e tantos outros demonstram até à exaustão quem enquanto o país não for capaz de abordar simultaneamente a grande epopeia dos descobrimentos e os horrores associados da colonização e da escravatura será difícil senão impossível evitar estes racismos primários.

Ataques racistas

Dias tem sido alvo de ataques racistas, incluindo ameaças de morte [11], desde que foi eleita deputada em 2019.

Em agosto de 2020, um e-mail anónimo foi enviado [12] a ela e às deputadas Mariana Mortágua e Joacine Katar Moreira dando “um prazo de 48 horas” para “rescindirem das suas funções políticas e deixarem o território português,” e fazendo ameaças aos seus familiares caso não o fizessem “para garantir a segurança do povo português.”

O e-mail [13] também foi enviado indíviduos ligados a movimentos sociais e de esquerda, entre eles Mamadou Ba, dirigente da Associação SOS Racismo, Vasco Santos, do Movimento Alternativa Socialista (MAS), Jonathan Costa e Rita Osório, da Frente Unitária Antifascista, Danilo Moreira, sindicalista, e Melissa Rodrigues, do Núcleo Anti-Racista do Porto.

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa repudiou [14] as ameaças dirigidas às três deputadas e aos ativistas: 

É tão condenável uma atuação racista que tenha contornos criminosos contra deputados como contra qualquer cidadão português.

Na altura, o Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, também [14] manifestou-se sobre o caso à Agência Lusa, afirmando a gravidade da tentativa de intimidação contra as deputadas e os ativistas:

A tentativa de intimidar deputados e ativistas políticos reveste-se de gravidade suficiente para que, enquanto Presidente da Assembleia da República, não possa (nem queira) deixar de a condenar, manifestando também todo o meu apoio aos visados. 

Dias falou sobre as mensagens de ódio que recebe nas redes sociais desde que foi eleita deputada em um podcast [5] disponível no jornal Expresso a 26 de março. Ela disse: 

Combato o discurso de ódio que me é dirigido através da apresentação de políticas públicas contra a exclusão e a discriminação das pessoas negras. Nós somos as herdeiras das combatentes pela libertação, em prol de uma causa coletiva.

Além de Dias, as outras únicas deputadas negras do Parlamento português são Joacine Katar Moreira, luso-guineense, e Romualda Fernandes, nascida na Guiné-Bissau.

Na altura das eleições, em outubro de 2019, Moreira afirmou [15] que a eleição das deputadas “não deve ser olhada apenas como uma conquista, mas como um instrumento fundamental” na contribuição “para o reforço da democracia e dos ideais republicanos de liberdade, igualdade e fraternidade.”