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Ajuda humanitária na Síria: hora de mudar da assistência para programas sustentáveis de longo prazo

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Síria, Esforços Humanitários, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Refugiados, The Bridge

Doações humanitárias da organização Islamic Relief entregues a refugiados sírios. Imagem publicada com permissão.

O autor desse artigo é o fundador da organização Islamic Relief, do The Humanitarian Forum e do Fórum de Caridade Muçulmana, além de membro do conselho diretor do Centro para Ação Inter-Religiosa sobre a Pobreza Global.

O dia 15 de março de 2021 é um marco sombrio — o 10º aniversário [1] do início do levante popular que levou à guerra civil ainda em andamento na Síria. Enquanto todos nós lutamos com a crise morta da pandemia de COVID-19, que concentrou a atenção mundial desde ano passado, não podemos esquecer que a morte e a destruição que dilaceraram a Síria continuam a assombrar o país.

Inserida em toda a turbulência que persiste na Síria há uma década, está a pandemia internacional [2], que impactou severamente a Síria, piorando a grave situação e dificultando os esforços para aliviar a desorganização da moradia, educação e saúde no país.

Estatísticas podem ser devastadoras às vezes, mas alguns números do fim de 2020, na Síria, precisam ser enfatizados: mais de 11 milhões de pessoas, incluindo 4,8 milhões de crianças [3], ainda precisam de assistência humanitária, e 6,1 milhões [3] de pessoas continuam desalojadas no país.

A esses números devem-se adicionar as mais de 2,4 milhões de crianças que estão fora das escolas, cerca de 40% delas meninas [4], estatísticas que não levam em conta outras dificuldades educacionais causadas pela COVID-19. Além disso, uma em cada três escolas na Síria não pode ser utilizada porque foi destruída, danificada ou ocupada pelos militares. Mesmo nas escolas que ainda funcionam, salas de aula estão lotadas, em construções com instalações insuficientes de água, saneamento, eletricidade, aquecimento ou ventilação, problemas que também são enfrentados diariamente pela população do país. O ano de 2020 foi especialmente brutal para as crianças da Síria [5], como pode ser visto pela quantidade de mortos e feridos.

Sobre as residências na Síria, muitos desalojados internos ainda permanecem em campos como em Al-Hol, território curdo ao norte do país, onde vivem mais de 70.000 [3] de cidadãos sírios e estrangeiros, sendo mais de 90% mulheres e crianças. Muitos sírios têm tentado retornar aos seus lares, mas apenas para viver em terríveis condições de moradia.

Apesar de um grande acordo mundial de ajuda humanitária ter sido organizado e implementado na Síria durante a guerra civil, isso nunca foi suficiente e nem sempre se conseguiu atendeu os mais necessitados.

Surgiu um novo consenso com a finalidade de repensar o planejamento e financiamento da ajuda para os próximos cinco anos, não apenas na Síria, mas em todos os lugares em que populações enfrentam crises humanitárias crônicas. Recentemente, foi proposto um Nexo Humanitário de Desenvolvimento e Paz (Humanitarian-Development-Peace Nexus [6]) para a Síria e outros países em crise. Como argumenta um artigo de debate da Oxfam, de junho de 2019, um nexo como esse “foca no trabalho necessário para atuar de modo coerente sobre a vulnerabilidade das pessoas antes, durante e depois de uma crise. É um desafio para o status quo do sistema de ajuda humanitária, que está sobrecarregado e opera com pouca coordenação entre desenvolvimento de projetos e intervenções humanitárias, o que impede o atendimento eficaz dos mais vulneráveis”.

Para a Síria, existem cinco aspectos principais para esta nova maneira de pensar: um foco revigorado em programas sustentáveis de longo prazo, que empoderem e incentivem os beneficiários para que sejam autossuficientes e obtenham maior impacto e melhor uso dos financiamentos levantados; um aumento do financiamento da educação formal e informal; novas formas de abordar a grave escassez habitacional, para reduzir e, por fim, acabar com a dependência de campos de refugiados e a necessidade de estratégias arbitrárias de habitação de curto prazo; um fortalecimento de respostas locais por meio do financiamento de iniciativas locais e investimento em construções significativas e programas de desenvolvimento; e um acesso maior a esforços humanitários em todas as partes do país, em linhas de conflito e fronteiras.

Têm ocorrido algumas tentativas de organizações não governamentais (ONGs) para construir soluções de longo prazo, como novos programas de habitação na Síria [7]. Um exemplo interessante é o que as ONGs da Turquia estão fazendo, principalmente porque o país, que já recebeu mais de 3,6 milhões de refugiados sírios [8], recusa-se a permitir que mais refugiados cruzem suas fronteiras. É necessário muito mais desse tipo de ajuda, vinculada de modo mais integral à população necessitada.

Porém, um obstáculo substancial é a recusa dos Estados Unidos e aliados em se empenhar na reconstrução [9], pois o investimento acabará nas mãos do governo sírio de Bashar al-Assad [10]. Essa inatividade estende-se às Nações Unidas, que não encontrou nenhum empecilho para reconstruir mais de 25.000 moradias no Iraque [11] destruídas na guerra contra o ISIS, ou para o Banco Mundial, que está financiando grandes projetos de infraestrutura [12] no Iraque. Assim como os Estados Unidos, nenhuma dessas organizações fez nada parecido com isso na Síria. O presidente Biden deveria modificar a política americana para garantir que apoio humanitário seja dado a todos os sírios em necessidade, independentemente de onde se refugiam ou vivem.

As projeções para o ano de 2021 na Síria, divulgadas pelo Relatório Humanitário Global da ONU,  indicam que o número de pessoas em necessidade seria de 13 milhões em uma população total de 17 milhões [13]. Ao mesmo tempo, o apelo para financiamento aumentará de 3,3 bilhões de dólares em 2020 para 4,2 bilhões em 2021 [13]. A única forma de o financiamento internacional, que diminuiu dramaticamente em 2020, principalmente devido às consequências econômicas da COVID-19, consiga atender a crescente necessidade na síria é se começarmos a olhar para o Nexo Humanitário de Desenvolvimento e Paz, negociando com todas as partes para construir soluções de longo prazo para a Síria.