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Turquia sai da Convenção de Istambul, citando “normalização da homossexualidade”

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Turquia, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Política

Imagem feita pelo Parlamento Europeu, CC BY-NC-ND 2.0 [1]

Em 20 de março, a Turquia anunciou que vai se retirar da Convenção de Istambul em razão do que chamou de “normalização da homossexualidade” presente no tratado.

A Convenção de Istambul [2] é um tratado vinculante de direitos humanos do Conselho da Europa que gera o compromisso de prevenir, processar e eliminar violência doméstica e promover igualdade de gênero. Foi aberto para assinaturas [3] em 2011 e foi assinado por 45 Estados.

Erdogan já tinha expressado interesse em deixar a convenção em 2020. A decisão final veio depois que o presidente revelou [4] um plano de direitos humanos que ele disse que iria “melhorar direitos e liberdades na Turquia e ajudar o país a atingir os padrões da UE.”

Ankara disse em um comunicado [5]:

The Istanbul Convention, originally intended to promote women’s rights, was hijacked by a group of people attempting to normalize homosexuality – which is incompatible with Türkiye’s social and family values. Hence the decision to withdraw.

A Convenção de Istambul, originalmente designada a promover os direitos das mulheres, foi desviada por um grupo de pessoas tentando normalizar a homossexualidade – o que é incompatível com os valores sociais e familiares da Turquia. Logo, houve a decisão de retirada.

E acrescentou:

The decision to withdraw from the Istanbul Convention by no means denotes that Turkey “compromises the protection of women.” The Turkish State has continuously stressed that the country will not give up on its fight against domestic violence by quitting the Convention.

A decisão de nos retirarmos da Convenção de Istambul de forma alguma significa que a Turquia ‘compromete a proteção das mulheres’. O Estado Turco tem, continuamente, afirmado que o país não desistirá de sua luta contra a violência doméstica ao desistir da Convenção.

Em outro comunicado [6], o chefe de comunicações da presidência, Fahrettin Altun, reforçou que a legislação turca existente é suficiente para prevenir violência contra as mulheres.

With these regulations that we made in our domestic law, we strengthened our legal infrastructure in terms of ‘combating violence against women’. From now on, we will implement new regulations to consolidate further the rights that our women have gained with a much more dynamic perspective. Our government will work with all its strength to end violence against women and to further empower women's place in social life.

Com as regulamentações que fizemos em nossa lei nacional, fortalecemos nossa infraestrutura legal em termos de ‘combate à violência contra as mulheres’. De agora em diante, implementaremos novas regulamentações para consolidar ainda mais os direitos que as mulheres conquistaram com uma perspectiva muito mais dinâmica. Nosso governo vai trabalhar com todas as suas forças para acabar com a violência contra as mulheres e empoderar ainda mais as mulheres na vida social.

Mas isso é realmente suficiente?

Só no último ano, em torno de 300 feminicídios foram reportados [7]na Turquia. Considerando que a violência doméstica, com frequência, não é reportada, os números [8] são provavelmente maiores.

De acordo com o grupo de campanhas local Nós Vamos Parar o Feminicídio, ao menos 28 mulheres foram mortas [9] na Turquia em fevereiro de 2021.

No dia em que a Turquia se retirou da convenção, seis mulheres foram mortas no período de apenas 12 horas, de acordo [10] com o coletivo Igualdade de Gênero Social.

Em julho de 2020, protestos tomaram várias cidades turcas após o assassinato [11] de Pınar Gültekin pelo seu parceiro Cemal Metin Avci.

A Convenção de Istambul vincula [12] os estados membro a garantir que vítimas de violência tenham acesso a abrigos, linhas de ajuda 24 horas, 7 dias por semana, e outros serviços de apoio. Atualmente, a Turquia tem apenas uma linha telefônica de ajuda [13] (Alo 183) para mulheres vítimas de violência. Até 2020, havia apenas [14] 145 abrigos para mulheres vítimas de violência em todo o país, com uma capacidade para abrigar 3.482 mulheres.

Reações

Em 20 de março, mulheres em toda a Turquia foram às ruas em protesto contra a retirada:

A Convenção de Istambul protege mulheres, crianças e minorias da violência. Em um país onde 3 mulheres são mortas todos os dias, era nossa única esperança. Agora, ao sair da Convenção, o governo turco desafia a lei, os direitos humanos, a igualdade de gênero e declara guerra contra as mulheres.

Um dia depois, o povo foi convocado a bater panelas às 21h no horário de Istambul.

O maior protesto virtual já feito pelos direitos das mulheres na Turquia em 21 de março. Milhares vão participar desse protesto único. Junte-se a nós.

Faça barulho pela Convenção de Istambul – Espere o barulho de panelas hoje à noite às 19h quando grupos de mulheres exigem ação continuada de suas sacadas e janelas para protestar contra a retirada da Turquia do acordo internacional para evitar a violência contra as mulheres.

A decisão da Turquia de sair também gerou críticas de líderes e instituições internacionais:

A Convenção de Istambul objetiva assegurar proteção legal essencial a mulheres e meninas em todo o mundo. Não podemos deixar de lamentar profundamente e expressar nossa incompreensão sobre a decisão do governo turco de sair dessa convenção. Nós pedimos à Turquia que reverta essa decisão.

Estou surpreso de que a Turquia tenha saído da Convenção de Istambul de combate à violência contra as mulheres. Não podemos enfraquecer os esforços para proteger a segurança das mulheres e meninas na Turquia. Espero que nosso governo peça à Turquia que reconsidere.

A decisão da Turquia de sair da Convenção de Istambul é alarmante e profundamente lamentável. É outro exemplo de retrocesso nos direitos humanos e liberdades fundamentais na Turquia, dessa vez para mulheres e meninas.

Líderes do Conselho da Europa reagem à saída da Turquia da Convenção de Istambul. A Alemanha preside o Comitê de Ministros do Conselho da Europa até 21 de maio de 2021

Pedimos às autoridades turcas que não enfraqueçam o sistema internacional para proteger mulheres contra a violência estabelecido pela Convenção de Istambul.