- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Usando tablets, ativista consegue levar educação a 900 meninas e mulheres na zona rural do Afeganistão

Categorias: Afeganistão, Educação, Juventude, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Tecnologia

 

Foto cedida como cortesia de Pashtana Zalmai Khan Durrani.

A taxa de alfabetização das mulheres no Afeganistão está entre as mais baixas [1] do mundo. Um grande número de meninas permanece [2] fora da escola ou abandona os estudos devido ao “aumento da insegurança, discriminação, corrupção e pouca renda”. A situação é ainda pior nas áreas [2] rurais.

No entanto, pessoas como Pashtana Zalmai Khan Durrani estão lutando para educar meninas e mulheres da zona rural afegã, que ela diz serem “o futuro do Afeganistão”. Originária da província rural de Candaar, no sul do país, ela desenvolveu uma plataforma on-line que ajuda 900 meninas e mulheres a estudar em seu idioma quando não podem ir à escola por falta de recursos ou possíveis ataques às suas escolas. Ela é uma Campeã da Educação da Fundação Malala [3] e  jovem embaixadora da Anistia Internacional [4].

Entrevistei Pashtana Zalmai Khan Durrani para saber mais sobre seu trabalho. A entrevista foi condensada por questões de duração e clareza.

Samea Shanori (SS): Gostaria de começar falando sobre sua organização. Você poderia nos contar mais sobre a LEARN [5]?

Pashtana Zalmai Khan Durrani (PZKD): LEARN, a non-profit organization, focuses on three key areas: education, maternal healthcare, and women empowerment. We work with the government and community-based schools, community members and tribal elders. We also partnered with Rumie [6], a Canadian non-profit organization. Through their online and offline platforms, we provide educational materials and resources not only to schoolgirls, but also women in Kandahar. These materials cover various topics including financial literacy, business entrepreneurship and combating domestic and gender based violence.

Rumie’s offline application plays a crucial role with our students. Once the application is downloaded, LEARN’s entire library will be set up on the device in local languages, Dari and Pashto. We provide the tablets with good battery life. This is the perfect solution that works for us because people in Kandahar, like the majority of Afghanistan, don’t have access to proper electricity and internet.

The goal is that if we have 10 or 20 girls enrolled, five of them will go to high school, and then at least one of them will, for example, go to a midwifery school and become a midwife for that village. We have been having a great success with this model in Kandahar. We hope to expand to other major cities starting with Panjshir and Bamyan, then move to Herat and Mazar.

Pashtana Zalmai Khan Durrani (PZKD): A LEARN é uma organização sem fins lucrativos e se concentra em três áreas principais: educação, saúde materna e empoderamento feminino. Trabalhamos com o governo e escolas comunitárias, membros da comunidade e anciãos tribais. Também fizemos parceria com a Rumie [6], uma organização canadense sem fins lucrativos. Por meio de suas plataformas on-line e off-line, fornecemos materiais e recursos educacionais não apenas para meninas em idade escolar, mas também para mulheres em Candaar. Esses materiais cobrem vários tópicos, incluindo educação financeira, empreendedorismo comercial e combate à violência doméstica e de gênero.

O aplicativo off-line da Rumie desempenha um papel fundamental com nossos alunos. Assim que o aplicativo for baixado, toda a biblioteca do LEARN será configurada no dispositivo nos idiomas locais, dari (persa afegão) e pachto (afegão). Fornecemos os tablets com baterias em ótimas condições. Esta é a solução perfeita que funciona para nós porque as pessoas em Candaar, como a maioria do Afeganistão, não têm acesso à eletricidade e internet adequadas.

O objetivo é que, se tivermos 10 ou 20 meninas matriculadas, cinco delas irão para o ensino médio, e então pelo menos uma irá, por exemplo, para uma escola de obstetrícia e será parteira daquela aldeia. Temos tido um grande sucesso com este modelo em Candaar. Esperamos expandir para outras cidades importantes, começando com Panjshir e Bamiyan, e depois passar para Herate e Mazar.

Foto cedida como cortesia por Pashtana Zalmai Khan Durrani.

SS: Por que você começou a LEARN?

PZKD: When I returned to Kandahar from Pakistan (where I was a refugee with my family during Afghanistan's civil war) to go to university, I learned about the rate of literacy among rural girls and women. A cousin told me they don't go to school; that was in 2016.  Many schools don't have the educational materials and the teachers. Some schools are attacked and burned. I knew I had to do something.

In our communities, it is a taboo for women to get out of their homes. There are women in my family who haven't been out of the house for years because it's not [seen as] normal. Changing an old man’s way of thinking is difficult and will take time. The better solution is to have an alternative for girls and women to get educated. As I did my research and met with my cousins and relatives, I noticed that my cousins had learned Hindi by watching television.

In 2018, I co-founded LEARN in our house with a table and a tablet. The only people who first believed in my dream of educating rural girls of Afghanistan were my parents. Today, we have more than 900 students enrolled in our programs. We have been able to reach those girls who could never get out of their homes, who didn’t have access to education materials and whose schools were burned down.

I cannot ask a father to send his daughters to a school which was burned right in front of his eyes. But I can provide the safer alternative—his daughter can stay at home and still get an education.

PZKD: Quando voltei do Paquistão para Candaar (onde fui refugiada com minha família durante a guerra civil do Afeganistão) para ir para a universidade, soube sobre a taxa de alfabetização entre meninas e mulheres da zona rural. Um primo me disse que elas não vão à escola, isso foi em 2016. Muitas escolas não têm material didático, nem  professores. Algumas escolas são atacadas e queimadas. Eu sabia que precisava fazer algo.

Em nossas comunidades, é um tabu para as mulheres sair de casa. Há mulheres na minha família que não saem de casa há anos porque isso não é [visto como] normal. Mudar a maneira de pensar de um idoso é difícil e levará tempo. A melhor solução é ter uma alternativa para que meninas e mulheres sejam educadas. Ao fazer minha pesquisa e me encontrar com meus primos e parentes, percebi que meus primos aprenderam hindi assistindo televisão.

Em 2018, eu fui uma das fundadoras da LEARN na nossa casa, usando uma mesa e um tablet. As únicas pessoas que acreditaram no meu sonho de educar meninas da zona rural do Afeganistão foram meus pais. Hoje, temos mais de 900 alunas matriculadas nos nossos programas. Conseguimos alcançar aquelas meninas que não conseguiam sair de casa, que não tinham acesso a materiais educacionais e cujas escolas foram incendiadas.

Não posso pedir a um pai que mande suas filhas para uma escola que foi queimada bem diante de seus olhos. Mas posso oferecer a alternativa mais segura: a filha dele pode ficar em casa e ainda assim receber sua educação

SS: Quem tem sido seu maior apoiador?

PZKD: There is always that one person in your life that makes you the person that you become. For me, that was my father. As an elder of our tribe, people always reminded him that his first born was a daughter and not a son. He kept telling them that I was that son. He believed in me from the moment I was born. He made sure I never saw my gender as a barrier to what I wanted to achieve in life. He always treated me better than the male members of the family. That is why I am confident in what I am doing.

When we were living in Quetta, in Pakistan, as refugees, my father started a school for Afghan girls so that his sister who was just divorced could learn to read and write. He also wanted to make sure that other women in his community were not left out. Both my parents started teaching subjects like English and math there. That was in the 1997 or 1998. That is why my father has always been my inspiration.

PZKD: Sempre existe aquela pessoa em sua vida que faz de você a pessoa que você se tornou. Para mim, esse foi meu pai. Como um ancião da nossa tribo, as pessoas sempre lembravam a ele de que seu primogênito era uma filha e não um filho. Ele sempre dizia que eu era aquele filho. Ele acreditou em mim desde o momento em que nasci. Ele garantiu que eu nunca visse meu gênero como uma barreira para o que eu queria alcançar na vida. Ele sempre me tratou melhor do que os membros masculinos da família. É por isso que tenho confiança no que estou fazendo.

Quando morávamos em Quetta, no Paquistão, como refugiados, meu pai abriu uma escola para meninas afegãs para que sua irmã recém-divorciada pudesse aprender a ler e escrever. Ele também queria ter certeza de que outras mulheres de sua comunidade não fossem deixadas de fora. Meus pais começaram a ensinar disciplinas como inglês e matemática lá. Isso foi em 1997 ou 1998. É por isso que meu pai sempre foi minha inspiração.

SS: Quais são alguns dos desafios que você tem enfrentado?

PZKD: I have been fortunate because my father was a tribal leader. People respect, support and listen to me because of the position my father held in our tribe. Despite that, sometimes, my male cousins think that my appearances on television and talking about taboo issues in Afghanistan bring shame to the family.

Pashtun women are among the most oppressed in our patriarchal society, which makes my work difficult, but also very important.

Outside of the family, there are many other challenges that a tribal Pashtun woman from rural Afghanistan like me faces. I have been told many times to shut up when I used to work with the Afghan government just because I am young and a woman. Additionally, in Kabul, people are not open to the idea of rural women advocating for their rights because we look, talk and dress different.

I am also concerned that the international community isn’t as supportive of the rural women of Afghanistan—the women outside of Kabul. Development of rural Afghanistan and Afghan women plays a critical role in advancement of Afghanistan.

PZKD: Tive sorte porque meu pai era um líder tribal. As pessoas me respeitam, apoiam e me ouvem por conta da posição que meu pai ocupou em nossa tribo. Apesar disso, às vezes, meus primos pensam que minhas aparições na televisão e conversas sobre questões consideradas tabu no Afeganistão envergonham a família.

As mulheres pachtun estão entre as mais oprimidas na nossa sociedade patriarcal, o que torna meu trabalho difícil, mas também muito importante.

Fora da família, há muitos outros desafios que uma mulher tribal pachtun da zona rural do Afeganistão como eu enfrenta. Muitas vezes me disseram para calar a boca quando eu trabalhava para o governo afegão só porque sou jovem e mulher. Além disso, em Cabul, as pessoas não são abertas à ideia de mulheres rurais defendendo seus direitos porque nós parecemos, falamos e nos vestimos de maneira diferente.

Também me preocupa o fato de a comunidade internacional não apoiar tanto as mulheres que habitam a zona rural do Afeganistão, as mulheres fora de Cabul. O desenvolvimento do Afeganistão rural e das mulheres afegãs desempenha um papel crítico no avanço do Afeganistão.

Foto cedida como cortesia por Pashtana Zalmai Khan Durrani.

SS: Se você pudesse dar um conselho a outras mulheres, qual seria?

PZKD: I would say read the history of Afghan women, especially women like Gawharshad Begum [7]Zarghuna Ana [8], Nazo Ana, Malalai Maiwand, the fifth-century female Afghan poet Rabia Balkhi [7] and Queen Soraya [7]. When I was growing up, my father didn’t read Snow White or Cinderella to me. He read the stories of these strong Afghan women who were pioneers and had changed the history of Afghanistan. I look up to them.

Also, my advice to the young girls is that when you have an idea, start discussing it with people you trust. Do your research and find those people who have done what you want to do, see how their models have affected their communities and then come up with a model of your own. Most importantly, make sure what you want to do is sustainable with a long-term impact on your community and people you want to serve.

When I started LEARN, I followed the steps of Fereshteh Forough, the founder [9] of Code to Inspire, and Shabana Basij Rasikh, the co-founder [10] of School of Leadership Afghanistan (SOLA) which is an all-girls boarding school. Both Fereshteh and Shabana have created organizations that are changing the lives of so many Afghans, especially Afghan women who are the future of this war-torn country.

In Afghanistan, many projects are not sustainable because the community members aren't part of the solution. Through LEARN, I want to change that. I tell the residents of the villages I work with that I will not be there forever to send a doctor to check on the women. You need one of your daughters to become a midwife so that she can take care of the entire village. That is why you need to send your daughter to school now.

PZKD: Eu diria que leiam a história das mulheres afegãs, especialmente mulheres como Gawharshad Begum [7], Zarghuna Ana [8], Nazo Ana, Malalai Maiwand, a poetisa afegã do século 5, Rabia Balkhi [7] e a rainha Soraya [7]. Quando eu estava crescendo, meu pai não lia Branca de Neve ou Cinderela para mim. Ele lia as histórias dessas fortes mulheres afegãs que foram pioneiras e mudaram a história do Afeganistão. Eu as admiro.

Além disso, meu conselho para as meninas é que, quando você tiver uma ideia, comece a discuti-la com pessoas em quem você confia. Faça sua pesquisa e encontre as pessoas que fizeram o que você quer fazer, veja como tais modelos afetaram as comunidades e, depois, crie um modelo seu. Mais importante, certifique-se de que o que você deseja fazer é sustentável, com um impacto de longo prazo na sua comunidade e nas pessoas que deseja atender.

Quando comecei a LEARN, segui os passos de Fereshteh Forough, a fundadora [9] do Code to Inspire, e de Shabana Basij Rasikh, a cofundadora [10] da School of Leadership Afghanistan (SOLA), que é um internato só para meninas. Tanto Fereshteh quanto Shabana criaram organizações que estão mudando a vida de muitos afegãos, especialmente as mulheres afegãs que são o futuro deste país devastado pela guerra.

No Afeganistão, muitos projetos não são sustentáveis ​​porque os membros da comunidade não fazem parte da solução. Através da LEARN, quero mudar isso. Digo aos moradores das aldeias com quem trabalho que não estarei aqui para sempre para enviar um médico para examinar as mulheres. É preciso que uma de suas filhas se torne parteira para poder cuidar de toda a aldeia. É por isso que você precisa mandar sua filha para a escola agora.