Blogueiros, jornalistas e artistas na mira de Belarus

Jornalistas de Belarus sob pressão (da esquerda para a direita): Katsiaryna Andreyeva, Darya Chultsova e Katsiaryna Barysevich. Imagem cedida pelo Centro de Direitos Humanos “Viasna”.

As autoridades de Belarus voltaram sua atenção para blogueiros, jornalistas e artistas em meio à constante repressão dos protestos de 2020 contra o presidente Alexander Lukashenko, no poder desde 1994.

Desde agosto do ano passado, milhares de manifestantes foram detidos, muitos dos quais receberam multas e condenações criminais por “perturbação da ordem pública”. Entre eles, estão os que foram alvo de punições severas pela cobertura de protestos e publicações na internet.

A onda de descontentamento da população com Lukashenko explodiu em agosto, depois que o presidente tentou garantir seu sexto mandato consecutivo, e desde então vem seguindo com variada intensidade. A candidata da oposição e exilada, Sviatlana Tsikhanouskaya, continua exigindo a renúncia de Lukashenko e a realização de novas eleições, pois acredita-se que ela foi a vencedora. Entretanto, o próprio Lukashenko não mudou sua opinião. Ao invés disso, está oferecendo reformas constitucionais e outras medidas paliativas.

Enquanto isso, o Estado continua reprimindo manifestações de rua e criminalizando expressões de afrontas públicas. Em 18 de fevereiro, vários canais do Telegram vazaram um suposto projeto de lei que propõe a ampliação da definição legal de “extremismo”, segundo reportagem da Rádio Europa Livre.

Conforme as mudanças propostas, os serviços de segurança de Belarus manteriam uma lista de indivíduos e organizações considerados “extremistas”. Aqueles que dela constassem poderiam ser impedidos de manter seus empregos, realizar transações financeiras de grande vulto sem a aprovação do governo, ou de se envolver em atividades médicas, educacionais ou editoriais.

Quatro anos e meio de prisão por publicar vlog

Em 5 de fevereiro, um tribunal de Minsk, capital de Belarus, condenou Pavel Spirin, blogueiro local, a quatro anos e meio de prisão por produzir dois vlogs criticando o regime de Lukashenko. Um dos vídeos tratava do tráfico de drogas em Belarus e o outro comentava sobre os protestos de agosto de 2020 e a brutalidade policial contra seus participantes.

O promotor acusou o blogueiro de 36 anos de “ações intencionais com o objetivo de incitar o ódio racial, nacional e outras formas de ódio social” (parágrafo primeiro, Artigo 130 do Código Penal da República de Belarus).

O blogueiro, há mais de cinco meses em prisão preventiva desde setembro de 2020, foi proibido de receber visitas da família e diz ter sido submetido à “extrema humilhação”. Em declaração feita no tribunal em 5 de fevereiro, Spirin alegou que seus vlogs foram “meras críticas, por mais duras que tenham sido”:

Например, газета администрации Александра Лукашенко тиражом 300 тысяч экземпляров критикует гораздо более жестко, чем я, призывая отбирать детей у протестующих, сравнивая их с фашистами. И никто не обвиняет этих журналистов и редакторов в разжигании ненависти, это просто резкая критика.

Por exemplo, o jornal (de propriedade do Estado) da administração de Alexander Lukashenko publica 300.000 cópias e faz críticas mais duras do que eu ao pedir o afastamento dos filhos dos manifestantes e compará-los a fascistas, e ninguém acusa esses jornalistas e editores de incitar o ódio. São apenas críticas severas.

Condenadas à prisão por noticiar protestos

Em 18 de fevereiro, um tribunal de Minsk condenou as jornalistas Daria Chultsova e Katsiaryna Andreyeva a passar dois anos em uma colônia penal. As mulheres foram detidas enquanto transmitiam ao vivo uma dispersão violenta durante a manifestação ocorrida em 15 de novembro de 2020. Chultsova e Andreyeva, ambas funcionárias do canal de televisão independente Belsat, foram acusadas de “organizar ações que perturbam a ordem pública e participar ativamente em tais ações”, segundo o parágrafo primeiro do Artigo 341 do Código Penal da República de Belarus.

A  jornalista Hanna Liubakova também declarou tuitou que esperava ainda mais repressões contra membros da imprensa.

Daria Chultsova e Katsiaryna Andreeva, duas brilhantes profissionais e jornalistas talentosas de #Belarus foram condenadas a 2 anos de prisão. Em novembro, foram detidas por transmitirem ao vivo uma manifestação em #Minsk. Se o ocidente não der uma resposta, vão ocorrer mais prisões. pic.twitter.com/dFtH4ugAYt                                                                                                                                                                                                                                        — Hanna Chultsova Liubakova (@HannaLiubakova) 18 de fevereiro de 2021

Christian Mihr, diretora da sucursal de Berlim da organização Repórteres sem Fronteiras, que luta pela liberdade de imprensa, considerou a condenação monstruosa e declarou ao canal Deutsche Welle que isso significa uma “nova fase de crescentes repressões”:

В прошедшие недели и месяцы с начала протестов после президентских выборов в августе мы наблюдали многочисленные аресты журналистов, однако во всех случаях речь шла о кратковременном заключении под стражу, например, на 14 дней. Сегодня же, впервые с момента августовских выборов, речь идет о приговоре, срок которого исчисляется годами.

Durante as semanas e meses que se passaram desde o início dos protestos, após as eleições presidenciais de agosto, vimos vários jornalistas presos, mas, em todos os casos, houve detenções curtas de, no máximo, 14 dias, por exemplo. Contudo, hoje, pela primeira vez desde agosto, estamos tratando de uma sentença cuja duração é medida em anos.

A Associação de Jornalistas de Belarus (AJB), organização local que monitora violações à liberdade de imprensa no país, declarou que, atualmente, um total de 10 funcionários de imprensa estão detidos, aguardando julgamento ou cumprindo pena por seus trabalhos. Dentre eles, Katsiaryna Barysevich, jornalista do site independente Tut.by, cujo julgamento teve início em 19 de fevereiro e ainda não foi concluído. Barysevich e o médico Artyom Sorokin são acusados de “revelar segredo médico” (parágrafo terceiro, Artigo 178 do Código Penal da República de Belarus) e enfrentam uma possível condenação de até três anos de prisão.

Segundo a promotoria, Sorokin prestava assistência médica ao manifestante Raman Bandarenka, que morreu sob custódia policial durante os protestos. De início, os agentes alegaram que Bandarenka estava alcoolizado, porém, ao noticiar sua morte, Barysevich apresentou registros médicos (supostamente fornecidos por Sorokin) que comprovaram ausência de álcool no sangue de Bandarenka no momento do óbito, o que os ativistas de direitos humanos suspeitam ter sido resultado de intensa violência por parte dos policiais que tentavam conter os protestos.

Repressão da expressão criativa

Ao lado de jornalistas e influenciadores digitais que enfrentam uma crescente pressão das autoridades, artistas e outros profissionais do mundo das artes que apoiaram os manifestantes também estão em situação desconfortável, segundo um novo relatório da Anistia Internacional.

Alguns deles, como Pavel Latushka, ex-diretor do Teatro Acadêmico Nacional Yanka Kupala, sofreram rescisões de contrato. Outros enfrentaram situações ainda piores. A cantora e dançarina de folk Mahilyov Vola Semchanka declarou à Anistia Internacional que enfrentou inúmeras prisões e multas desde outubro de 2020 por participar de encontros “não autorizados” e continua sofrendo assédio no local de trabalho. Na primeiro incidente, Semchanka foi detida quando andava de bicicleta e passou sete dias na prisão. No segundo, ficou presa por três dias e foi acusada de “protestar por meio de uma música” enquanto entoava uma canção folclórica de Belarus durante um protesto pacífico.

“Tive medo de voltar para casa após a primeira prisão. Na maioria das noites, dormia na casa de amigos. Agora, estou habituada a viver com essa constante sensação de perigo. Todos estamos prestes a nos tornar vítimas de perseguição do Estado a qualquer momento,” declarou Senchaka à Anistia Internacional.

Segundo Aisha Jung, principal ativista da Anistia Internacional em Belarus, as autoridades estão “destruindo de forma metódica a animada vida cultural de Belarus e os seus membros mais criativos, em um esforço para reprimir todos os vestígios de livre expressão e discordância.

Apesar da pressão contínua do Estado, que multa, prende e exila diversos profissionais do mundo das artes; jornalistas, artistas, músicos e influenciadores digitais continuam a apoiar o protesto e o movimento de oposição que desafia Lukashenko.

Leia a cobertura especial da Global Voices sobre os protestos em Belarus.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.