Comentários misóginos de chefe do comitê olímpico destacam persistente machismo no Japão

Nojo Momoko of No Youth No Japan

Legenda: Nojo Momoko (22) de No Youth No Japan. Em uma entrevista televisiva nacional, Nojo perguntou: “O presidente do Comitê Olímpico do Japão, Mori, realmente entende qual é o problema?”. Captura de tela do canal oficial da ANN News no YouTube.

Comentários machistas feitos por um ex-primeiro-ministro e atual presidente do Comitê Organizador Olímpico do Japão (JOC) provocaram forte repercussão no país e em todo o mundo.

A controvérsia não apenas ameaçou acabar, de uma vez por todas, com os jogos olímpicos malfadados de Tóquio, como também enfatizou a discriminação que as mulheres ainda sofrem no país.

Durante uma coletiva de imprensa no dia 3 de fevereiro, o presidente do Comitê Olímpico, Mori Yoshiro (83), comentou que as mulheres “falam demais“:

女性がたくさん入っている理事会の会議は時間がかかります女性っていうのは競争意識が強い。誰か1人が手をあげていうと、自分もいわなきゃいけないと思うんでしょうね。それでみんな発言されるんです

As reuniões dos conselhos administrativos com muitas mulheres demoram demais. […] as mulheres têm muita rivalidade. Se um membro (feminino) levanta a mão para falar, todas as outras sentem a necessidade de falar também.

Os comentários intempestivos provocaram uma avalanche: as hashtags #DontBeSilent, #GenderEquality e #男女平等 (também “igualdade de gênero”) foram destaques no Twitter, com muitas pessoas compartilhando a indignação diante dos comentários do presidente do Comitê.

Várias embaixadas europeias no Japão incluíram as hashtags em tuítes de fotos de funcionários erguendo as mãos em protesto contra os comentários de Mori.

Nojo Momoko, de 22 anos, representante do No Youth, No Japan, um grupo dedicado a incentivar jovens a se tornarem mais ativos na política, lançou uma petição on-line assinada por mais de 140 mil pessoas até agora em apenas uma semana.

Por favor, assine nossa petição!

Solicitamos que o recente comportamento do presidente Mori de Tóquio 2020 seja devidamente abordado, e que medidas sejam tomadas para garantir que comportamentos semelhantes não sejam tolerados no futuro.

Diante das críticas imediatas, primeiro, Mori defendeu seus comentários dizendo que “não fala muito com mulheres”. Ele fez uma retratação completa, mas pareceu resistir a renunciar ao cargo de presidente do Comitê Olímpico.

Essas não foram as primeiras declarações públicas do presidente que humilharam as mulheres. Após a recente polêmica, a ex-chefe da União de Rúgbi do Japão revelou que Mori havia feito comentários machistas a ela em 2013.

Em 2014, como recém-nomeado chefe do JOC, ele criticou Asada Mao, uma superestrela da patinação artística no Japão, por não ter concluído um salto triple axel nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, na Rússia.

Durante seu curto mandato como primeiro-ministro em 2000, Mori cometeu tantas gafes – algumas delas sugestivas da retórica ultranacionalista do tempo de guerra – que há uma seção de sua página na Wikipédia dedicada exclusivamente a elas.

A gestão de Mori durou apenas um ano antes de sua renúncia com um índice de aprovação pública de 8%. Depois de se aposentar em 2012, acabaria sendo nomeado “conselheiro supremo” da Associação de Esportes do Japão. Ex-jogador de rúgbi, foi então escolhido para liderar o JOC em 2014.

Sob sua liderança, o Comitê Olímpico parece não correr o risco de ser “forçado” a ouvir vozes femininas: dos 25 integrantes do conselho do JOC, apenas cinco são mulheres. Isso ocorre apesar de uma meta política do Comitê, baseada em um código de governança para organizações esportivas, que determina que pelo menos 40% de seus diretores sejam mulheres.

Na verdade, Mori parece não saber quantas mulheres realmente fazem parte do conselho do JOC:

Os comentários machistas do presidente do JOC ficam ainda piores.
Asahi: ele também disse que “as atuais 7 integrantes do JOC sabem qual é o seu lugar.” (São apenas 5; ele nem consegue contar as mulheres corretamente). Os outros integrantes do JOC riram junto com ele. É esse o tipo de Olimpíada que queremos, @iocmedia?

Embora seus comentários tenham sido classificados como um “estilo de liderança patriarcal e obsoleto”, o apoio a Mori por homens em posições de liderança sugere que atitudes machistas e contra mulheres são, de fato, bastante comuns, e a principal razão pela qual o Japão é tão comumente considerado um “país subdesenvolvido para mulheres“.

Homens poderosos uniram forças para proteger o atual presidente das críticas. Por exemplo, o primeiro-ministro Suga Yoshihide (72) inicialmente se recusou a comentar, alegando não estar familiarizado com os comentários de Mori. Mas, como a reação pública continuou a crescer, ele admitiu que os comentários “não eram desejáveis para os interesses nacionais”, ao mesmo tempo em que não pediu ao presidente do JOC que renunciasse.

Mori também recebeu o apoio de muitos outros japoneses famosos, incluindo o político influente Nikai Toshihiro (81) e Nakanishi Hiroaki (74), que atua como presidente do conglomerado Hitachi e do grupo de lobby da indústria Japan Business Federation (Keidenran).

Nakanishi deu a entender que a reação às observações de Mori é um exemplo da “cultura de cancelamento”:

Keidanren Nakanishi: “Honestamente, eu sinto que, na sociedade japonesa, muitas pessoas entendem perfeitamente as observações de Mori.

Se você for honesto o suficiente para colocar isso em palavras, será perseguido na Internet. Estou um pouco assustado. “

Observadores apontaram que Mori fez comentários misóginos na presença de altos funcionários do Comitê Olímpico do Japão, que riram em resposta.

Do The New York Times

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Mas o problema é que ninguém o impediu. A grande notícia é que ele disse isso no local oficial de reunião do JOC, no qual repórteres estavam presentes e ninguém impediu a discriminação.

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É assim (tuíte acima) que o Times deveria ter relatado a história.

Foi revelado que Mori colocou seu cargo à disposição devido a seus comentários, mas o JOC o isolou de críticas, temendo que sua renúncia colocasse os Jogos em risco. Inicialmente, a Comissão Olímpica Internacional (COI) também se recusou a criticar o presidente por seus comentários.

À medida que quase 400 voluntários olímpicos e dois portadores da tocha desistiram em protesto, uma ex-atleta olímpica enfatizou que os comentários de Mori podem ter violado o código de ética do COI:

A ex-judoca olímpica japonesa, Noriko Mizoguchi, medalhista de prata, destaca a cláusula do código de ética do COI, que protege os direitos humanos e rejeita qualquer forma de discriminação

O presidente Mori parece não ter lido, ou entendido, esta cláusula …

É hora de o COI intervir.

Os comentários também expuseram a impopularidade dos Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio, que já haviam sido adiados de 2020 para 2021. Uma pesquisa realizada em 6 de fevereiro, três dias após as declarações de Mori, revelou que apenas 14,5% dos japoneses acham que os Jogos deveriam ser realizados como planejado.

A contínua pandemia da COVID-19 e a lenta vacinação no Japão representam desafios para a realização dos jogos remarcados para este ano.

Esta faixa em Tóquio pede que o chefe olímpico Mori renuncie. Nela também está escrito: “Cancelem os Jogos de Verão e concentrem-se na prevenção do coronavírus”. Eu não poderia concordar mais.

Enquanto o governo japonês gasta 15 bilhões de dólares nos jogos que ainda não têm estratégias claras de mitigação da COVID-19, uma classe cada vez mais empobrecida de trabalhadores temporários ou freelancers luta para sobreviver. Os cortes de empregos no país durante a pandemia também afetaram as mulheres de forma desproporcional.

Mesmo as mulheres que têm carreiras de prestígio e estão aparentemente em posições de poder podem estar em desvantagem no Japão.

Mari Miura, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Sophia, especializada em ciências políticas e de gênero, observa que as mulheres que Mori desacreditou por “falarem demais” são provavelmente excluídas propositalmente dos processos de tomadas de decisão:

森さんは、場をわきまえた男性理事は会議で発言しないのに、女性は比較的、積極的に多様な発言をしている、[…] 本音の話し合いは会食などの裏の会合で行い、公式の場では決まったことに皆が従う、という流れで物事が動いてきました。

Mori acha que, em comparação com os homens, que sabem quando não falar, as mulheres são mais propensas a se envolver em discussões em reuniões formais. […] Porém, as verdadeiras discussões acontecem em reuniões [entre os homens] nos bastidores, como em jantares. [Em reuniões formais], os homens, então, concordam [sem discussão] o que já foi oficialmente decidido.

O machismo enraizado também desencoraja as mulheres mais jovens a se manifestarem. Aradhna Krishna, uma conhecida inovadora de marketing, professora da Ross School of Business, lamenta que as observações de Mori e a aceitação tácita de outros homens no poder sejam um exemplo do por que as vozes femininas estarem frequentemente ausente:

Como professores, tentamos fazer com que as mulheres falem mais nas aulas. Por que tantas ficam tão caladas? Os comentários do chefe das Olimpíadas de Tóquio oferecem uma explicação. Ele declarou que as mulheres falam demais e que seu tempo de conversação deveria ser limitado. Eu acho que ELE precisa de uma mordaça.

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