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Revolta em Angola após assassinato de protestantes na Lunda Norte

Categorias: Angola, Governança, Guerra & Conflito, Política, Protesto

Vídeo dos manifestantes assassinados | Record TV África (captura de ecrã [1] 1 de Fevereiro)

Até 16 pessoas podem ter morrido [2] durante manifestação duramente reprimida pela polícia na vila mineira de Canfunfo no dia 30 de Janeiro, em um episódio que activistas e líderes religiosos têm chamado de massacre.

A manifestação, que contou com a presença de cerca de duzentas pessoas, havia sido convocada pelo Movimento Protetorado da Lunda Tchokwe [3] (MPPLT), organização fundada em 2006 que reinvindica a autonomia da metade leste do território de Angola, que é rica em diamantes.

Para justificar tal reivindicação [4], a organização refere a um tratado de protetorado [5] assinado entre os chefes locais e Portugal em 1885 que garantiu soberania ao território. Segundo o movimento, o tratado teria sido ignorado na ocasião da negociação da independência de Angola em 1975.

A manifestação do dia 30 seria em comemoração aos 127 anos do “reconhecimento internacional do direito do reino Lunda Tchowke,” de acordo com comunicado [6] divulgado pelo movimento em sua página do Facebook.

As autoridades despacharam grande contigente de militares e polícia para a vila no dia da manifestação que, segundo testemunhas disseram à imprensa, teve “clima de guerra [7].” Os vídeos abaixo contém algumas imagens:

MORTES EM CAFUNFODeclarações exclusivas sobre os acontecimentos na Lunda Norte.O que vocês tem a dizer sobre isso❓

Posted by Record TV Africa [8] on Monday, February 1, 2021

REPORTAGEM DA AGÊNCIA LUSA NO CAFUNFO, LUNDA NORTE, SOBRE OS INCIDENTES DO DIA 31 DE JANEIRO DE 2021

Posted by UNITA Bruxelas [9] on Friday, February 5, 2021

Em conversa com o Global Voices por telefone, o Presidente do MPPLT, José Mateus Zecamutchima, negou a versão da polícia [10] de que os manifestantes teriam tentado invadir uma esquadra policial na vila. Segundo ele, a polícia atirou indiscriminadamente em direcção ao protesto.

Ele também nega que os manifestantes estivessem armados, e diz que dias antes a polícia havia realizado detenções “com o objetivo de travar a manifestação,” afirmou.

Zecamutchima foi preso [11] no dia 9 de Fevereiro, alguns dias após a conversa com o Global Voices.

No dia 3, o comandante da polícia, Paulo Gaspar de Almeida, afirmou [12] à imprensa que “não existe nenhum território sob alçada de outro país” e que o movimento praticou um “acto de banditismo.”

O MPPLT possui uma página no Facebook [13] e um blogue [14] nos quais há postagens em que rejeita qualquer recurso às armas ou violência.

O movimento tem sido alvo das autoridades há tempos. Em 2017 [15], Zecamutchima e cerca de 80 pessoas foram detidos em outra manifestação.

Outra postagem do MPPLT alega que mais de 300 dos seus ativistas estão presos, “uns julgados e condenados outros nem por isso”, de acordo com trecho reproduzido pelo portal [4] Renascença.

Reações

Segundo o Público [16], o partido de oposição CASA-CE manifestou preocupação diante dos vídeos da manifestação mostrando actos de violência por parte da polícia.

O Bloco Democrático, também da oposição, classifica a repressão policial como “acto que choca a consciência nacional.”

Junto com a UNITA, a oposição exigiu formalmente [17] a realização de um inquérito parlamentar sobre os incidentes.

A Igreja Católica também condenou o episódio. Dom Belmiro Chissenguete, bispo da Diocesse de Cabinda, outra região com movimentos separatistas, disse [18] que os acontecimentos de Canfunf0 tiveram lugar por falta de diálogo, e apelou pela realização de um inquérito independente para se apurar os factos:

Lançamos um apelo a todos que têm responsabilidade no País, que tenham coragem em fazer uma investigação independente, não só aquela que a nossa polícia vai fazer, o próprio parlamento tem que se mexer, organizações não-governamentais e outras instituições. Pelas imagens que recebemos aquilo parecia ser um campo de batalha.

Com a hashtag #LundaNorte, alguns angolanos exigiram [19] justiça a partir do exterior:

?? ?? #LundaNorte #Angola #Assassinos FRANÇA!!✊?A partir da França,manifestação a solo,do nosso mano…

Posted by Gisela Silva [20] on Sunday, January 31, 2021 [21]

Acusações contra o partido no poder multiplicam-se nas redes sociais. O cidadão de nome Hamilton [22] publcicou em seu Facebook:

É uma grande vergonha em Angola ainda existir jovens que lutam em prol de um partido político que muito nos causou malefícios.
Pelo que houve lá nas terras da #LUNDANORTE [23] é um acto que os tais que dizem a vida humana importa tinham de intervir nessa pobre governação falhada que nada faz em prol do próprio cidadão.

O jornalista Nok Nogueira pede a demissão [24] do comandante geral da policia:

Demita-se, senhor comandante-geral da Polícia Nacional. O senhor mente com todos os dentes. Não vi nada do que o senhor afirmou nesta conferência de imprensa nos vídeos que chegaram.

E a única pessoa que está a politizar este episódio é o semhor, quando diz que eles quiseram atacar o poder instituído.

No dia 3 de Fevereiro, foi o próprio Ministro da Justiça a vir admitir [25] a violação de direitos humanos durante o episódio.