- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Autora guianense-americana celebra a identidade caribenha em novo livro alfabético

Categorias: Caribe, Guiana, Arte e Cultura, Educação, Etnia e Raça, Juventude, Literatura, Mídia Cidadã

Páginas do primeiro livro de Stephanie L. Blair, Alfabeto caribenho de Sadie; imagem cortesia da autora, usada sob permissão.

Três meses depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou [1] a Covid-19 uma pandemia, Stephanie L. Blair, uma guianense [2]-americana de primeira geração, traçou o conceito do Alfabeto caribenho de Sadie [3], um livro para crianças que não costumam ver imagens de si mesmas na literatura convencional.

Enquanto se recuperava de uma cirurgia, Blair, que é assistente administrativa em um escritório de advocacia da cidade de Nova York e também bacharel em Linguística, teve tempo suficiente para começar a colocar sua ideia em prática. Depois de se convencer de que tinha potencial, juntou forças com o desenhista Hernan Collymore, nascido em Santa Lúcia, para dar vida ao livro de ilustrações.

Conversei com Blair, que conheci superficialmente quando éramos crianças e fazíamos parte da mesma comunidade caribenho-americana, para discutirmos seu novo papel como autora. Ela me disse que durante anos sonhou em escrever uma peça ou um romance. Ela escrevia rascunhos e os enviava para sua melhor amiga, que havia lhe dado um livro sobre dramaturgia no seu aniversário alguns anos atrás, apenas para saber sua opinião. No entanto, nada do que escrevia parecia certo para ela. Ou parecia forçado, ou não fazia sentido.

Ela começou a perceber que, sempre que saía para comprar livros para as crianças de sua vida, não havia histórias que parecessem se relacionar com a experiência caribenha-americana. Em junho de 2020, disse a sua melhor amiga: “Acho que vou escrever um livro infantil”. Ela desenvolveu o conceito e o resto, como dizem, é história.

Autora guianense-americana Stephanie L. Blair. Foto cortesia da autora, usada sob permissão.

Atiba Rogers (AR): Você anunciou o lançamento do livro em uma postagem no Facebook [4], explicando: “Quando comecei a trabalhar nisso, eu sabia que o livro [precisava] retratar uma parte do que sempre quis ver quando criança. Não havia livros infantis que se parecessem comigo, compartilhassem minha pele cor de chocolate e minha cultura”. Sendo uma jovem de ascendência afro-caribenha, como você lidou com isso?

 

Stephanie Blair (SB): Growing up in Brooklyn, you don't cope with pressure—you desensitize yourself and learn to do what you have to do. In America, immigrants don't have time to deal with their feelings because of the predominant stereotypes they face every day.

Some people think foreigners are poor, lack education, or pose a certain kind of threat. As a Guyanese-American, I'm judged because I'm American, I'm judged because I'm Guyanese, and I'm judged because I'm black. It's threefold for me.

[The alienation] was from different angles. I didn't see shows that represented Caribbean and/or Caribbean-American children and families. Back then, people weren't as well-versed in [the culture of] Caribbean families as they are now.

Stephanie Blair (SB): Crescendo no Brooklyn, você não lida com a pressão, você se torna insensível e aprende a fazer o que tem que ser feito. Na América, os imigrantes não têm tempo de lidar com seus sentimentos por causa dos grandes estereótipos que enfrentam todos os dias. Algumas pessoas pensam que os estrangeiros são pobres, não têm educação ou apresentam algum tipo de ameaça. Como guianense-americana, sou julgada porque sou americana, sou julgada porque sou guianense e sou julgada porque sou negra. É triplicado para mim. [A alienação] era de diferentes perspectivas. Não vi programas que representassem crianças e famílias caribenhas e/ou caribenha-americanas. Naquela época, as pessoas não tinham um grande conhecimento [da cultura] das famílias caribenhas como agora.

AR: Como foi crescer em sua casa? Como membros da diáspora caribenha, sua família teve que se adaptar à sociedade americana? Você sofre por causa dos caribenhos que veem você de uma ótica americanizada?

SB: It was instilled in me to know what my roots are. My family has assimilated to American society in certain ways. I don't struggle with it at all. Caribbean people are constantly pushing forward to build a better life for themselves and their families. They've built a very tough exterior and desensitized themselves from worrying about small talk [and] what people think about them.

Em mim, foi incutido conhecer as minhas raízes. Minha família, de certo modo, adaptou-se à sociedade americana. Eu não sofro com isso. Os caribenhos estão constantemente empenhados em construir uma vida melhor para si e suas famílias. Eles criaram um exterior muito rígido e se tornaram insensíveis às preocupações com conversa fiada [e] com o que as pessoas pensam sobre eles.

AR: Você sentiu que precisava competir entre ser afro-americana e caribenha? Em caso afirmativo, o que fez você decidir entre escrever para jovens caribenhos e jovens afro-americanos?

SB: What made me [choose to] write for Caribbean youth is my own personal experiences. I was looking for literature for my little cousins, goddaughter, and godson. I noticed how scarce and inaccessible Black children's literature was, compared to other fictional children's books.

It’s hard for me to put a label on myself. Americans view American-born children from Caribbean parents as Caribbean children, and Caribbean people view children who are born in the United States as Americans, [yet] they constantly say to them, ‘You are Caribbean.’ This is my first book and there is more to come’ [perhaps categorised] under Caribbean and African-American writing.

O que me fez [escolher] escrever para jovens caribenhos foram as minhas próprias experiências pessoais. Eu procurava literatura para minhas priminhas, afilhada e afilhado. Percebi como a literatura infantil negra era escassa e inacessível, em comparação com outros livros de ficção infantis. É difícil para mim colocar um rótulo em mim mesma. Os americanos veem as crianças de pais caribenhos nascidas nos Estados Unidos como crianças do Caribe, e os caribenhos veem as crianças nascidas nos Estados Unidos como americanas, e [ainda] dizem a elas, constantemente: “Vocês são caribenhos”. Este é meu primeiro livro e há mais por vir [talvez categorizado] em escrita caribenha e afro-americana.

A capa do Alfabeto caribenho de Sadie, escrito para crianças de até seis anos de idade. Imagem cortesia de Stephanie L. Blair, usada sob permissão.

AR: Como o Alfabeto caribenho de Sadie retrata o que é ser caribenho?

SB: The book [captures] what it means to be a Caribbean-American [with] strong connections to your Caribbean roots and Caribbean family living abroad. This alphabet shares its Caribbean food, sports, spices, music, and landmarks with the world.

​O livro [retrata] o que é ser um caribenho-americano [com] fortes conexões com suas raízes caribenhas e sua família caribenha que vive no exterior. Esse alfabeto compartilha comida, esportes, especiarias, música e marcos históricos do Caribe com o mundo.

AR: Você concorda que destacar os caribenhos pode resultar em divisões para os africanos e afro-americanos?

SB: How people from different cultures view my work has crossed my mind, and I hope the response is positive. I didn't think [my approach] divisive. Some people will view it as that, but I can't live to please everybody and I don't think that I can truly write about African culture—I have an understanding of it, but I haven't lived in it. If I were to write an African-American story, someone will say, ‘Oh, she's from a Guyanese background, how can she write about the African-American [experience]?’ People will always have something to say.

Some Caribbean people can be very judgmental and there's always a back and forth about, well … Guyanese are not Caribbean, they're South American.

Como as pessoas de diferentes culturas veem meu trabalho passou pela minha cabeça, e espero que a resposta seja positiva. Eu não acho que [minha abordagem] cause divisão. Algumas pessoas verão isso desse jeito, mas não posso viver para agradar a todos e não acho que posso realmente escrever sobre a cultura africana; tenho uma compreensão dela, mas não vivi nela. Se eu fosse escrever uma história afro-americana, alguém diria: “Olha, ela é de origem guianense, como ela pode escrever sobre a [experiência] afro-americana?”. As pessoas sempre terão algo a dizer. Alguns caribenhos podem ser muito críticos e sempre há uma discussão sobre, bem… guianenses não são caribenhos, são sul-americanos.

GV: Você se classificaria como uma escritora negra?

SB: Honestly, it's hard for me to put a label on myself because I've never done that. I'm just Stephanie. But if I had to, I'd say I'm a Black Guyanese-American author.

Honestamente, é difícil para mim colocar um rótulo em mim mesma, porque nunca fiz isso. Sou apenas Stephanie. Mas, se fosse preciso, diria que sou uma autora negra guianense-americana.

AR: O que você tem a dizer às crianças que possam ser vistas como diferentes?

SB: You are beautifully crafted by a higher power to stand out. Don't be afraid of who you are. Your uniqueness is your superpower.

Producing Caribbean literature is one of my goals because I attended schools throughout my youth where children and families differed from me culturally, linguistically, and physically. Even though the United States of America is a melting pot, if you don’t live in a state that has a large population of people from a country you or your family are from … chances are you won’t be too open about your culture.

Você foi lindamente criada por um poder superior para se destacar. Não tenha medo de quem você é. Sua singularidade é seu superpoder. Produzir literatura caribenha é um de meus objetivos, porque durante minha juventude frequentei escolas nas quais crianças e famílias eram diferentes de mim cultural, linguística e fisicamente. Mesmo que os Estados Unidos da América sejam um caldeirão cultural, se você não mora em um estado que tenha uma grande população do país que você ou sua família têm origem… é provável que você não seja muito aberto à cultura desse país.

AR: Como tem sido a resposta ao livro e o que você espera que ele alcance?

SB: [I want to] connect with Caribbean families all across the world through literature. While having a successful career is nice, producing relatable Caribbean literature is my goal.

I've received a lot of positive feedback from educators, friends, family and of course, all the kiddies. One parent asked me if I would be turning this book into a series and it has definitely crossed my mind. We shall see what happens in the future.

[Eu quero] me conectar com famílias caribenhas em todo o mundo por meio da literatura. Embora seja bom ter uma carreira de sucesso, meu objetivo é produzir uma literatura caribenha que possa ser entendida. Recebi muitos comentários positivos de educadores, amigos, família e, claro, de todas as crianças. Um pai me perguntou se eu estaria transformando este livro em uma série, e isso definitivamente passou pela minha cabeça. Veremos o que acontecerá no futuro.

O livro de Blair é publicado por conta própria [5].