À medida que apoiadores armados do presidente Donald Trump forçavam a entrada no Capitólio dos Estados Unidos, no dia 6 de janeiro, o dia da contagem eleitoral final, a ironia de tais cenas acontecendo no berço da democracia não passou despercebida para os internautas caribenhos, em especial no Haiti, no norte do arquipélago, que foi um dos países aos quais o presidente Donald Trump se referiu como “lugar de merda” em 2018.
No entanto, a invasão que, segundo o líder da minoria do Senado, Chuck Schumer, foi realizada por “terroristas domésticos”, não atingiu seu objetivo. Assim que o caos foi contido, a sessão do congresso foi retomada e Joe Biden foi confirmado como o próximo presidente dos Estados Unidos — mas discussões sobre o estado da democracia dos EUA continuaram.
O movimento Black Lives Matter continua a ter grande repercussão na região. Entretanto, a disparidade sobre a maneira pela qual os apoiadores brancos de Trump e os negros norte-americanos são, em geral, tratados pela polícia ficou bastante clara.
Renee Cummings, de Trinidade e Tobago, que vive nos Estados Unidos, disse no Facebook:
Were these protesters Black we would be discussing dead bodies at the U.S. Capitol and not a breach of security.
Se esses manifestantes fossem negros, estaríamos discutindo sobre quantos morreram no Capitólio dos EUA e não uma falha de segurança.
Kathryn Sollmeyer-Wight expressou o sentimento de “país de merda” de Trump e as relações raciais nos EUA em um só golpe:
This is the USA, not a 3rd world country?
If these were folks who looked like George Floyd it would have been another story.
Isto é a América, não um país de 3º mundo?
Se fossem pessoas parecidas com George Floyd a história teria sido bem diferente.
Compartilhando uma imagem de um tuíte do rapper 50 Cent, que mostra a Guarda Nacional parada em frente ao Lincoln Memorial durante os protestos contra o assassinato de George Floyd no dia 2 de junho de 2020, Dionne Ligoure zombou:
Leaving this right here because I am SURE Facebook will suspend my account if I say anything further ….
Vou deixar isso aqui porque tenho CERTEZA que o Facebook vai suspender minha conta se eu falar mais alguma coisa ….
A usuária do Twitter de Trinidade e Tobago, Sophie Wight, comentou, compartilhando uma foto de um manifestante carregando o pódio da Câmera:
I’m not sure I have ever seen such delusion, privilege and idiocy in one image.
And how much ya wanna bet he will just get to laugh about this with friends for the rest of his life? He’s unlikely to be shot and killed, and he knows it. It’s all over his face. https://t.co/F7mM5ypJRe
— Sophie Wight (@SophieKMW) January 6, 2021
Acho que jamais tenha visto tamanho delírio, privilégio e idiotice em uma imagem.
E quanto você quer apostar que ele vai rir disso com os amigos pelo resto da vida? É difícil que ele seja morto, e ele sabe disso. Está estampado na cara dele.
Para o músico de Trinidade e Tobago, Omari Ashby, que classificou o evento de uma “tentativa de golpe”, a situação estava clara:
America turns its ass to the world and spreads its racist plumage like some kind of nazi-esque peacock. #shitholecountry
Os EUA mostram o traseiro para o mundo e abrem sua plumagem real de pavão racista e nazista.
Fazendo comparações
Enquanto isso, usuários jamaicanos das redes sociais, que são bastante sensíveis às recomendações de viagem que alertam sobre crimes e violência na ilha, não resistiram e debocharam:
Travel Advisory #1
Jamaicans should avoid the Washington D.C area in light of the recent flare up in violence and what can be described as terrorist activities. If you have to traverse the area, please do so with the most extreme caution. pic.twitter.com/HYmdb0EJfV— ST. ANN 360 (@stann360) January 7, 2021
Recomendação de viagem nº 1
Jamaicanos devem evitar a região de Washington capital devido ao recente aumento da violência e o que podem ser descritas como atividades terroristas. Se você tiver que atravessar a área, por favor, seja bastante cauteloso.
A secretária de imprensa do primeiro-ministro Andrew Holness também deu sua opinião:
Jamaica. We're doing well. Lots to improve but we're doing well. The fallacy we believe is the grass is greener on the other side. Truth is, despite our problems and hardships, the grass is green right here. Water it. Let's all work to build Jamaica #Democracy #StrongerTogether
— Naomi Francis?? (@PressSecOPMJa) January 6, 2021
Jamaica. Estamos indo bem. Muito a ser melhorado, mas estamos indo bem. Nosso erro é acreditar que a grama é mais verde no vizinho. A verdade é que, independentemente de nossos problemas e dificuldades, a grama é mais verde aqui. Regue-a. Vamos todos trabalhar para construir a Jamaica. Democracia. Juntos mais fortes.
Contudo, nem todo mundo concordou com as comparações:
I wish we could separate issues. When we say we are proud of Jamaica in comparison to what has been happening in the US, we are speaking of the usually smooth transfer of power. We are not saying Jamaica as a whole is some utopia, yes we have many other issues.
— Sir Gregory (@gregzry) January 7, 2021
Gostaria que separássemos os problemas. Quando dizemos que estamos orgulhosos da Jamaica em comparação ao que está acontecendo nos EUA, estamos falando da transferência de poder geralmente tranquila. Não estamos dizendo que a Jamaica como um todo é uma utopia, sim nós temos muitos outros problemas.
A usuária do Twitter Kerry-Ann Morgan ficou chocada que o presidente Trump não tenha aceitado sua derrota:
Jamaicans where you all at?
Very proud to be a Jamaican?
We lose elections and we bawl and cuss how them tief yes but you would never see us behaving this way.
We rather say we sick and can't attend the swearing-in?
— Kerry-Ann Morgan (@patrioticjam) January 6, 2021
Jamaicanos, onde estão vocês?
Muito orgulhosa de ser jamaicana?Nós perdemos eleições, berramos e amaldiçoamos como eles roubam sim, mas vocês nunca veriam a gente se comportando assim.
Preferimos dizer que estamos doentes e que não podemos assistir ao juramento ?
Até líderes jamaicanos que vivem no exterior classificaram a invasão do Capitólio de “não americana”.
Líderes regionais comentam
A ministra de Relações Exteriores da Jamaica, senadora Kamina Johnson-Smith, enfrentou críticas depois de postar, o que um programa de rádio descreveu como um tuíte “insípido”:
We note with deep concern today's developments in Washington D.C. We continue to follow the events and trust that there will be a prompt return to normalcy in this important neighbour and #democracy in the Western Hemisphere.
— Hon. Kamina J Smith (@kaminajsmith) January 6, 2021
Com grande preocupação recebemos as notícias de hoje de Washington. Acompanhamos os acontecimentos e confiamos que logo tudo voltará a normalidade neste importante país vizinho e na democracia do Hemisfério Ocidental.
_________________Totalmente vazio. Você minimizou a gravidade. Você deveria condenar o ato e avisar aos jamaicanos na região de Washington sobre os recursos disponíveis a eles por meio do consulado na capital do país. Um alerta de viagem é arriscado, mas não deveria ser descartado.
No entanto, o presidente da Comunidade Caribenha (CARICOM) e primeiro-ministro de Trinidade e Tobago, Keith Rowley, emitiu um parecer mais enfático em nome dos estados membros:
The Caribbean Community (CARICOM) is deeply saddened and concerned at the unprecedented scenes that unfolded at the Capitol Building in Washington DC, USA, during the certification of the votes of the presidential elections by the US Congress.
The storming of the US Congress was a gross affront to democracy and the rule of law in a country which has been viewed as a leading light of representative governance the world over.
CARICOM looks forward to the restoration of order and the continuation of the process of transfer of power in a peaceful manner.
A Comunidade Caribenha (CARICOM) está profundamente consternada e preocupada com as cenas inéditas vistas no prédio do Capitólio em Washington, nos EUA, durante a certificação dos votos da eleição presidencial pelo Congresso dos EUA.
O ataque ao Congresso dos EUA foi uma grave afronta à democracia e à aplicação da lei em um país que é considerado um modelo de governança representativa no mundo.
A CARICOM aguarda a restauração da ordem e a continuação do processo de transferência de poder de maneira pacífica.
Lá vem os memes
Como esperado, grande parte da blogosfera caribenha reagiu com humor, apesar de o tom ter sido claramente de satisfação ao ver a grande queda.
Um usuário do Facebook, de Trinidade e Tobago, postou uma imagem de um dos insurgentes e adicionou um texto que fez seu traje parecer uma propaganda de fantasia de carnaval popular:
Os memes temáticos de carnaval continuaram com uma abordagem inteligente no hit do gênero musical soca, “Stage Gone Bad”. A imagem mostra os astros do soca Kes e Iwer George cantando a música em frente ao Capitólio enquanto apoiadores de Trump escalam as paredes:
Enquanto isso, o jornalista de Trinidade e Tobago, Kejan Haynes, tuitou:
Trump trying to stop the protests pic.twitter.com/UjkSvGQKXM
— Kejan Haynes (@KejanHaynes) January 6, 2021
Trump tentando parar os protestos…
O usuário do Facebook Philip Greene optou por um poema humorístico:
A mob of the MAGA persuasion
Conducted a statehouse invasion.
Though heavily armed,
They parted unharmed,
And that’s how you know they‘re Caucasian.
Um bando com MAGA persuasão
Conduziu ao parlamento uma invasão
Embora fortemente armados,
Partiram sem sofrer danos
E é assim que sabemos que são caucasianos.
No WhatsApp, enquanto isso, uma imagem bastante compartilhada da bandeira dos EUA — com uma banana no lugar das estrelas — disse tudo:
No entanto, deixando as piadas de lado, internautas locais estavam muito conscientes da gravidade da situação e de como essa escalada de violência foi permitida, sem controle. Em resposta às notícias que canais como Twitter e Facebook — que continuaram a permitir que Trump pudesse se expressar durante toda a sua presidência, independentemente da checagem de fatos — agora o tinham bloqueado e muitos usuários das redes sociais consideraram a medida tomada como muito pouco e muito tarde.