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A nepalesa Sapana Roka Magar, que oferece ritos funerários hindus para corpos não identificados, entra para a lista das 100 Mulheres de 2020 da BBC

Categorias: Sul da Ásia, Nepal, Desenvolvimento, Direitos Humanos, Esforços Humanitários, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Saúde, COVID-19
Sapana Rokka Magar being interviewed by astrologer Harihar Adhikari. Screenshot from YouTube video by Marga Darshan [1]

Sapana Rokka Magar sendo entrevistada pelo astrólogo Harihar Adhikari. Captura de tela de um vídeo do Youtube [1] por Marga Darshan.

A BBC incluiu Sapana Roka Magar, de 18 anos, funcionária nepalesa responsável por cremações, na 100 Women of 2020 [2], a lista anual de mulheres inspiradoras e influentes do mundo inteiro.

Sapana trabalha no Centro de Gestão e Reabilitação de Moradores de Rua, uma ONG do Nepal que oferece assistência a pessoas sem teto. Nos últimos três anos, Sapana e sua equipe fizeram ritos funerários hindus tradicionais para corpos abandonados e não identificados.

Com a COVID-19 afetando moradores de rua de forma desproporcional nas cidades nepalesas, seu trabalho tornou-se vital para essa população vulnerável, que com frequência é privada de funerais dignos.

Após identificar e recolher [3] os corpos das ruas ou necrotérios, Sapana e sua equipe os encaminha a um exame post morten em hospitais. Se o corpo continua sem identificação por 35 dias, a organização o encaminha a um crematório e realiza o Dagbatti, rito final na religião hindu.

Em geral, os rituais Dagbatti são conduzidos pelos homens da família do morto. Ainda assim, Sapana os realizou para centenas [4] de corpos não identificados no crematório Pashupati Aryghart [5], às margens do rio Bagmati, em Katmandu, no Nepal.

Sapana [6] nasceu em uma família de classe média em uma pequena aldeia em Myagdi, um distrito do Nepal pertencente à província de Gandaki. Era considerada uma aluna brilhante durante sua infância e pré-adolescência. Aos 14 anos, mudou-se para Beni, a maior cidade de Myagdi, para estudar, período em que sua vida deu uma guinada para pior.

Casou-se com um jovem adolescente contra a vontade dos pais. A relação acabou em poucos meses e Sapana se viu rejeitada por sua aldeia, distanciou-se de sua família e acabou sem-teto.

Enquanto morava nas ruas, conheceu o Centro de Gestão e Reabilitação de Moradores de Rua e começou a trabalhar com eles. Sapana agora chama o presidente da organização, Dinesh Jung Basnet [7], de padrinho.

Questionando estereótipos de gênero

Os papéis de gênero permanecem restritos no Nepal [8]. Espera-se que as mulheres administrem a casa e cuidem da família. A pandemia agravou ainda mais a desigualdade de gênero [9] no país no que tange a educação, emprego e renda.

Na religião Hindu, não são permitidas [10] mulheres nos crematórios; nas aldeias, apenas os homens da família têm permissão para participar de ritos funerários.

Entretanto, ao oferecer ritos finais a pessoas cujos corpos foram abandonados, Sapana realiza uma função que a maioria dos homens não aceitaria realizar.

Nas redes sociais, os nepaleses demonstraram alegria ao ver Sapana incluída na lista da BBC e compartilharam mensagens de felicitações.

O escritor autônomo Dil Nisani Magar tuitou:

Você deve ter passado por muita dor, estresse e problemas ao desempenhar seu trabalho, mas essa notícia, definitivamente, deixou todos os nepaleses felizes. Parabéns, Supana Baini. Você é uma fonte de inspiração para a juventude.

O educador Santosh Upadhyaya tuitou:

Estou muito feliz em ver o nome de pelo menos uma nepalesa na lista das 100 Mulheres, publicada pela BBC de 2020. Parabéns, Sapana Roka Magar. Temos orgulho de você.

A ativista pela juventude Nikita Bhusal postou:

Após ficar sem-teto por três meses, Sapana viajou para Katmandu onde tornou-se parte de uma organização que realiza cremação de corpos não identificados. Mais poder a você, Sapana Roka Magar por ser uma das 100 mulheres mais influentes do ano da BBC.

O ex-assistente das Nações Unidas, secretário geral e vice-diretor executivo da UNICEF tuitou:

Sapana Roka Magar, que Deus a abençoe por seus nobres esforços. Que guinada incrível na vida!

O empresário Kushal Sundar Shrestha criticou o fato de o Nepal ter reconhecido Sapana somente após ela ter recebido a honraria da BBC:

Na realidade, como país, não sei onde falhamos em reconhecer esses heróis e suas ações, mas, no dia seguinte em que viram notícia na @BBC [22] nós então começamos a reconhecê-los e parabenizá-los. Tiro o chapéu para Sapana Magar e para todas as mulheres que fizeram a diferença em sua sociedade e país.

Em 2019 [24], Bonita Sharma, uma empreendedora social do Nepal, também entrou para a lista das 100 Mulheres da BBC, na categoria conhecimento.