Mesmo durante uma pandemia global, as comunidades indígenas em todo o mundo estão criando maneiras engenhosas de manter suas línguas vivas. Considere o povo gitxsan da Colúmbia Britânica, no Canadá: neste mês de abril, as ativistas linguísticas Cheyenne Raven e Jessica Starlund criaram um grupo no Facebook que promove a língua gitxsan e incentiva a participação da comunidade na forma de um show de talentos on-line, apropriadamente chamado Gitxsan Got Talent.
O grupo tem mais de 600 membros, que publicam regularmente suas interpretações de canções populares, poemas e dublagens neste idioma das Primeiras Nações, Gitxsanimaax / Gitxsanimx. Os membros são convidados a comentar sobre as apresentações, que são julgadas por anciãos tribais, com prêmios oferecidos aos vencedores.
De acordo com o Relatório sobre a Situação das Línguas das Primeiras Nações da Colúmbia Britânica de 2018, o idioma gitxsan (também traduzido como gitksan em algumas fontes) tem cerca de 523 falantes fluentes, com um adicional de 983 que falam, entendem ou estão aprendendo nas seis comunidades gitxsan na Colúmbia Britânica. Classificado pela UNESCO como “gravemente ameaçado de extinção”, o idioma é falado principalmente por idosos e não está sendo transmitido às gerações mais jovens.
Segundo a acadêmica Dra. M. Jane Smith, o gitxsan originou-se em T’lemlaxamit. Sua terra natal ancestral é o vale Skeena superior, no noroeste da Colúmbia Central Britânica, uma área na qual eles ainda residem.
A cultura gitxsan tem uma rica história oral, contada por meio da língua e oferecendo uma perspectiva completamente diferente da visão dominante do mundo ocidental. É uma visão que, por séculos, contribuiu à destruição das culturas indígenas por meio de empreendimentos coloniais europeus e medidas restritivas impostas por sucessivos governos. Em contraste, a cultura gitxsan prioriza a comunidade e a harmonia com a terra sobre as noções ocidentais de riqueza material e individualismo.
Ao contrário de algumas outras comunidades indígenas na Colúmbia Britânica, os gitxsan nunca assinaram quaisquer tratados com o governo canadense e suas terras nunca foram compradas deles, o que não quer dizer que eles não tenham sido afetados por medidas governamentais destinadas a reprimir sua cultura e sua língua.
Escolas residenciais — essencialmente internatos projetados para ‘Mate o índio, salve o homem’, — afetaram adversamente não apenas aqueles que foram forçados a frequentá-las, mas também as gerações subsequentes do povo gitxsan. Essas escolas romperam a tradição de transmitir a língua gitxsan às gerações mais jovens; os membros da tribo que lá foram nunca aprenderam a língua ou foram punidos tão severamente por falá-la, que pensaram que seria um obstáculo para seus próprios filhos aprendê-la.
O legado das escolas residenciais não é o único desafio que as iniciativas de idiomas como Gitxsan Got Talent enfrentam. A crescente importância do inglês como língua global, a necessidade de falá-lo para obter o que é entendido como trabalho decente e o aumento do conteúdo da mídia em inglês, contribuíram para a perda da língua indígena.
Esses mesmos fatores, no entanto, tornam o grupo Gitxsan Got Talent no Facebook ainda mais impressionante: ao aproveitar a mesma tecnologia, que antes ameaçava apagá-lo, o grupo está renovando o interesse pela linguagem. Comunidades gitxsan também têm um aplicativo móvel, disponível na Google Play Store e na Apple App Store, que utilizam como recurso para aprender o idioma ouvindo histórias e palavras faladas.
Uma entrevista por e-mail foi conduzida com uma das organizadoras do concurso do Facebook, Jessica Starlund. De acordo com Jessica, o concurso foi um grande sucesso até agora, “alcançando muito mais pessoas do que o planejado”. Palestrantes, alunos e oradores silenciosos de territórios gitxsan participaram, e membros da comunidade que vivem em áreas urbanas também participaram. O objetivo do concurso inclui ampliar o uso da linguagem gitxsan para domínios mais convencionais, fazendo narrações em gitxsan para coisas como vídeos de segurança de aviões, episódios de programas populares como “Grey's Anatomy” ou “Sesame Street“, e cantar canções populares no idioma.
O concurso sem dúvida inspirou criatividade. Uma participante, Skyla Olivia, que utiliza como nome de usuário do YouTube “gitxsanbushgirl”, criou este vídeo em stop-motion para sua participação:
Ela destaca que o concurso virtual teve uma importância especial durante a COVID-19, pois é uma forma de “divulgar o idioma de uma distância virtual segura” e ajudar a “animar” as comunidades gitxsan. O grupo do Facebook é público por este motivo: para interagir com o maior número de gitxsan possível e promover o idioma, mesmo durante uma pandemia global. Membros do grupo descreveram a sensação de ouvir as apresentações do concurso como “Muito revigorante”, e consideram as postagens do grupo “ótimas para aprender”.
Starlund afirma que a comunidade recentemente buscou financiamento para estabelecer um ninho de linguagem para crianças, semelhantes aos em operação em Havaí ou na Nova Zelândia, entre os Maori, para que fiquem imersas na língua gitxsan e cresçam bilíngues em gitxsan e inglês. A comunidade também se candidatou a financiamento para implementar campos de cultura linguística em seus territórios.
Outra iniciativa que está ajudando a salvar a língua é a implementação de programas de mestres-aprendizes, semelhantes aos administrados na Califórnia e em outros estados dos Estados Unidos, em que um idoso é pareado com um membro mais jovem da comunidade e eles se comunicam exclusivamente na língua indígena. O próprio grupo do Facebook conseguiu apoio financeiro na forma de prêmios doados ou financiados por organizações locais e honorários para os jurados, que falam fluentemente gitxsan. Prêmios monetários são oferecidos aos vencedores, e há prêmios de participação para aqueles que enviarem materiais particularmente bons.
Mais do que um lugar para a comunidade gitxsan se expressar e se divertir em seu idioma, o Gitxsan Got Talent tornou-se um testemunho da adaptabilidade e resiliência contínuas da comunidade gitxsan. Os gitxsan que moram em qualquer lugar do mundo podem se juntar e contribuir com o grupo, o que servirá não apenas para fortalecer os laços entre o povo gitxsan, mas também entre o povo gitxsan e o seu idioma.