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Com medo da lei de segurança nacional, cidadãos de Hong Kong dizem adeus à cidade natal

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Europa Ocidental, Leste da Ásia, Hong Kong (China), Reino Unido, Taiwan (RC), Direitos Humanos, Educação, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Política, Protesto

O artigo a seguir foi originalmente publicado [1] no Stand News, em chinês. Foi traduzido para o inglês pela Global Voices e publicado aqui, sob autorização em cinco partes. Leia a primeira parte [2] da série.

Entre 29 de agosto e 1º de setembro, o Stand News perguntou aos seus leitores em Hong Kong, por meio de uma série de pesquisas on-line [1], como a lei de segurança nacional [3] afetou a vida deles.

Mais de 2.580 pessoas responderam— e cerca de 37% revelaram que, mesmo antes de o Comitê Permanente Chinês do Congresso Nacional do Povo anunciar a decisão [4] de implementar a lei de segurança nacional em 21 de maio, eles haviam considerado deixar Hong Kong. Desde a promulgação da lei, 76% dos entrevistados disseram que seu desejo de emigrar havia se intensificado.

O destino mais popular para emigração é Taiwan (32,3%) seguido pelo Reino Unido (23%).

[1]

Pesquisa de leitores do Stand News sobre a atitude de emigração.

Em 22 de julho, o governo britânico introduziu uma política [5] que facilita a emigração de residentes de sua ex-colônia [6], permitindo que detentores dos passaportes elegíveis de Hong Kong (no exterior) e seus familiares, instalem-se no Reino Unido para trabalhar e estudar. Após cinco anos de residência sob o acordo British National (Overseas), BNO [7], eles podem solicitar a cidadania plena.

O novo regime de imigração começará a aceitar pedidos em janeiro de 2021. Porém, por enquanto, os cidadãos elegíveis de Hong Kong podem solicitar a entrada no Reino Unido com base nas diretrizes de Leave Outside the Rules” [8] (LOTR) — que permitem que a Imigração do Reino Unido exerça o arbítrio com base em motivos compassivos convincentes.

YM [pseudônimo] e sua família decidiram usar essa opção. Eles deixaram Hong Kong e após a chegada ao Reino Unido em 6 de agosto, solicitaram a entrada com base na “Leave Outside the Rules”. Juntamente com cerca de dez outros cidadãos de Hong Kong que estavam na fila para a entrevista, eles foram questionados sobre sua ocupação, condições financeiras e religião, bem como sobre seus parentes e conhecidos no Reino Unido.

Nascida na década de 1980, YM trabalhava como gerente em uma empresa de relações públicas em Hong Kong, mas decidiu deixar a cidade com sua família em agosto de 2019 após o ataque na estação de metrô Prince Edward [9], no qual a polícia de choque agrediu indiscriminadamente passageiros na tentativa de prender manifestantes.

Eles venderam seu apartamento por HK$ 6 milhões  (aproximadamente US$ 781.000) e moraram em um hotel por seis meses. No início, eles planejavam mudar para o Chipre investindo € 200.000 no país, mas esse plano foi suspenso devido ao surto da COVID-19 [10]. Quando o Reino Unido introduziu o novo acordo BNO, eles decidiram se estabelecer lá.

Como dezenas de milhares de outros habitantes de Hong Kong, YM foi ativista durante o longo ano de protestos contra extradição para China. Ela se juntou a vários grupos do Telegram e fez doações para outros manifestantes que precisavam de equipamentos de proteção. Três dos grupos do Telegram a que ela pertencia foram excluídos depois que seus administradores foram presos.

Em uma foto da manifestação, que foi amplamente divulgada on-line, o rosto de YM estava reconhecível; além de sua preocupação em ser pega pelas autoridades, ela disse ao Stand News que também estava preocupada com a educação de sua filha de sete anos:

The patriotic education would turn her into ‘little pink’. What you learn in the textbooks would no longer be the truth. How could a government treat its young generation like this? In Hong Kong, it is a crime to be young. My daughter is now seven, after a few years, she will be in high school, what would become of her? I don’t want to see her getting arrested.

A educação patriótica a transformaria em “little pink“. O que se aprende nos livros não seria mais a verdade. Como um governo poderia tratar sua nova geração assim? Em Hong Kong, é um crime ser jovem. Minha filha agora tem sete anos, daqui a alguns anos, ela estará no ensino médio, o que será dela? Não quero vê-la ser presa.

“Little pink” [11] é um termo usado para descrever jovens nacionalistas chineses na internet.

Agora que YM e sua família entraram no Reino Unido sob o “Leave Outside the Rules“, criaram uma página no Facebook com o objetivo de fornecer a outros cidadãos de Hong Kong, informações sobre imigração para o Reino Unido. Em uma semana, a página recebeu mais de sessenta consultas.

YM e sua família decidiram comprar um imóvel no Reino Unido, e não têm planos de visitar Hong Kong tão cedo.

[1]

Pesquisa de leitores do Stand News sobre a atitude da emigração.

Peter [pseudônimo], um funcionário público que planeja se mudar para Taiwan com sua esposa, se inscreveu para um esquema de migração em que ele investirá um mínimo de HK$ 530.000 em uma start-up com sede em Taiwan. Após cinco anos, ele poderá se candidatar à residência permanente.

Ele escolheu Taiwan porque acredita que o destino de Taiwan e Hong Kong está entrelaçado: “Ambas as regiões chinesas estão sujeitas à tirania de “Uma China”, disse ele:

Taiwan is near to Hong Kong; I can travel back to Hong Kong as frequently as possible. I can also join solidarity rallies in Taiwan and give support to the exile protesters there. In Hong Kong, the space for voicing out has shrunk.

Taiwan está perto de Hong Kong; posso viajar de volta para Hong Kong com maior frequência. Também posso participar de comícios solidários em Taiwan e dar apoio aos manifestantes exilados lá. Em Hong Kong, o espaço para opinião encolheu.

De acordo com as autoridades de imigração de Taiwan, a ilha concedeu [12] 3.161 autorizações de residência aos habitantes de Hong Kong no primeiro semestre de 2020. O número reflete um aumento de 116% em relação a 2019.

Muitos dos que não planejam emigrar — ou querem, mas ainda não saíram — transferiram suas economias para contas bancárias no exterior, já que a lei de segurança nacional dá à polícia o poder de congelar os ativos de qualquer pessoa que esteja sendo investigada. Na pesquisa de leitores do Stand News, 55,8% dos entrevistados admitiram que consideraram transferir suas economias para o exterior, com cerca de 27,8% já tendo transferido.

O sr. Lam [pseudônimo], um engenheiro de projetos ambientais, tomou a decisão de transferir suas economias para uma conta no exterior em maio, logo depois que Pequim anunciou a implementação da lei de segurança nacional. Ele temia que, como a China continental, Hong Kong restringisse o câmbio de moedas estrangeiras, ou que a indexação do dólar Hong Kong/EUA [13] fosse minada como resultado das sanções dos EUA. Então, ele converteu suas economias de HK$10 milhões, em dólares americanos e transferiu o dinheiro para contas bancárias em Cingapura.

Como o sr. Lam já está na casa dos 50 anos, ele considera emigrar de Hong Kong quando se aposentar. Como portador do passaporte BNO, uma de suas opções é se estabelecer no Reino Unido, mas também considera solicitar um visto de aposentadoria para a Tailândia, já que o país exige apenas uma conta poupança no valor de HK$ 200.000 para solicitar a residência.