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Ali Banisadr e a arte do ‘pensamento visual’

Categorias: Estados Unidos, Irã, Arte e Cultura, Mídia Cidadã
Red, 2020, Oil on Linen, 48x60 inches (Courtesy of the Artist and Kasmin Gallery)

“Vermelho”, 2020, óleo sobre tela, 1,21m x 1,52m (Cortesia do artista e da Galeria Kasmin)

A exposição MATRIX 185 de Ali Banisadr [1] no museu de arte Wadsworth Atheneum [2] é a primeira exposição solo do artista irano-americano nos Estados Unidos. A exposição estreou em 22 de outubro de 2020 e ficará em cartaz até 14 de fevereiro de 2021.

Dez pinturas e duas gravuras impressas de autoria de Banisadr compõem uma seleção de trabalhos da coleção Wadsworth [2] escolhidos pelo artista, além de uma montagem de vídeo que Banisadr criou para expor outras obras da coleção do museu. O conteúdo narrativo e visual de sua obra foi moldado pela exposição do artista à guerra, à cultura pop, ao cinema, às histórias em quadrinho e pinturas europeias. Ele contou ao Met [3] que pinta os sons e visões da guerra.

Banisadr [1] nasceu no Teerã em 1976 e mudou-se para os Estados Unidos aos doze anos de idade durante a guerra entre Irã e Iraque (1980-1988). Em 2000, mudou-se para Nova York, onde se formou bacharel em Belas Artes pela Escola de Artes Visuais e, mais tarde, concluiu seu mestrado na Academia de Artes de Nova York. 

Aos 44 anos, ele é um dos artistas mais promissores e bem-sucedidos dos Estados Unidos. Suas pinturas fazem parte das coleções dos mais importantes museus do mundo, incluindo o Museu Metropolitano de Arte de Nova York, o Museu de Artes Contemporâneas de Los Angeles, o Pompidou em Paris e o Museu Britânico em Londres.

The Caravan, 2020, Oil on Linen, 66x88 inches (Courtesy of the Artist and Kasmin Gallery)

“A caravana”, 2020, óleo sobre tela, 1,67m X 2,23m (Cortesia do artista e da Galeria Kasmin)

As pinturas de Banisadr são belas quanto à estética e conceitualmente hipnotizantes e multifacetadas. Convidam o observador a visitar um mundo imaginário com elementos familiares e desconhecidos que criam um labirinto de significados, formas e cores. Seus quadros podem bem ser reminiscentes de gigantes como Francisco Goya, Pieter Bruegel e Hieronymus Bosch. Por outro lado, em muitos aspectos, sua energia, linguagem simbólica, ambientes e personagens, assim como o mundo enigmático e codificado que ele cria, o tornam único. O artista produz uma combinação mágica de harmonia e caos que mantém o observador do lado de fora e o convida a uma interpretação pessoal e única.

A seguir, trechos da entrevista:

Omid Memarian: Você faz uma pintura de cada vez. Qual o motivo e como funciona?

Ali Banisadr: When I begin a new painting, it becomes a very involved process. Once I start a painting, we open up a dialogue that leads to a lot of research, reading, looking at art works in relation to the painting in progress, etc. My mind becomes very much occupied by the painting and if I opened another dialogue with another painting, it would just become overwhelming.

Ali Banisadr: Quando começo uma nova pintura, ela se torna um processo bastante envolvente. Uma vez iniciado um quadro, abrimos um diálogo que leva a muita pesquisa, leitura, observação de obras de arte em relação à pintura que está em progresso, etc. Minha mente fica muito ocupada pela obra e se eu abrisse um novo diálogo com outra, seria insustentável.

OM: Você passou a infância no Irã e mudou-se para San Diego aos 12 anos. De que modo sua vivência no Irã afetou o que você fez mais tarde, principalmente no que diz respeito à busca por arte, pintura e uma vida nos Estados Unidos?

AB: It's hard to say. Of course, everything you experience in some way affects your work. One thing I can say is that it is helpful to be able to think about things through the lenses of two different cultures at once. Instead of having just one point of view, you can listen to different voices which may sometimes be in opposition. I feel it's a healthy way to understand the world and I've always liked the idea of multiple points of view. There is never just one way or a single answer.

AB: É difícil dizer. Claro que tudo o que se vive, de algum modo, afeta o seu trabalho. O que posso dizer é que poder pensar nas coisas sob as lentes de duas culturas diferentes de uma só vez ajuda. Em vez de ter um único ponto de vista, dá para ouvir vozes diferentes que, por vezes, podem ser opostas. Sinto que é uma maneira saudável de entender o mundo e sempre gostei da ideia de ter múltiplos pontos de vista. Nunca há apenas um caminho ou uma única resposta.

The Prophet, 2020, Oil on Linen, 66x88 inches

“O profeta”, 2020, óleo sobre tela, 1,67m X 2,23m

OM: Em 2000, você se mudou para Nova York para estudar na Escola de Artes Visuais, e, mais tarde, fez mestrado em Belas Artes na Academia de Arte de Nova York. Como a escola mudou ou moldou sua percepção e contribuiu com sua criatividade e obra?

AB: When I went to school I was ready to learn as much as I could. I was thirsty for it because I had spent a lot of time experimenting on my own to get an understanding of what lies inside of myself and what it wants. Then I just had to learn some structure to be able to unveil it.

AB: Quando entrei na escola, estava disposto a aprender o máximo possível. Tinha sede disso, pois passara muito tempo experimentando sozinho para compreender o que habita o meu íntimo e o que isso quer de mim, então só precisei aprender algumas estruturas para obter essa revelação.

OM: Você é um dos artistas mais talentosos e bem-sucedidos da atualidade nos Estados Unidos. Suas obras são exibidas e colecionadas pelos principais museus e colecionadores. Como esse nível de sucesso afetou seu trabalho?

AB: When I am painting, my goal is to turn off my rational thinking—”the voices of others,” as Guston has said—and to think in a different way—visual thinking. So I don't think these external forces factor into my practice of painting.

AB: Quando estou pintando, meu objetivo é desligar meu pensamento racional (“as vozes dos outros”, como Guston colocou) e pensar de um jeito diferente, um pensamento visual. Assim, não creio que tais forças externas interfiram em minha prática.

OM: Qual é a sua definição de sucesso para a arte e os artistas?

AB: Each work should be better than the last one; each work should teach me new things.

AB: Cada obra deve ser melhor do que a última; cada trabalho deve me ensinar algo novo.

Only Breath, 2020, Oil on Linen, 16x20 inches (Courtesy of the Artist and Kasmin Gallery)

“Único respiro”, 2020, óleo sobre tela, 40cm X 50cm (Cortesia do artista e da Galeria Kasmin)

OM: Como descreve sua técnica e seu estilo que parecem contar uma história na tela em relação a outros artistas que você deve ter estudado ou que tenham influenciado o seu trabalho? 

AB: In this case, I would just refer to the paintings themselves. It is a hard thing for me to try to break down words; one has to simply look at the paintings, and all those traces of past, present and future can reveal themselves, but they come and go like dreams, not easy to grasp and pin down.

AB: Nesse caso, atenho-me às pinturas em si. Para mim, é difícil tentar explicar em palavras. O expectador deve simplesmente olhar para a tela e todos aqueles rastros do passado, presente e futuro podem se revelar, mas eles vêm e vão como os sonhos, não é fácil de entender ou descrever.

OM: E em relação à tradição iraniana do século 19, conhecida como arte da cafeteria? Você conhecia na juventude e nos anos seguintes? Fazia parte da sua imaginação visual de alguma forma? 

AB: It is a very interesting way to be able to tell a story; what I like about it is that they are worlds within worlds. You can have the same person shown in the story when they are young and then when they are old. It's a bit like a time machine, which I appreciate and think about within my own work.

AB: Era um modo muito interessante de contar histórias. O que gosto nessa tradição é que as pinturas são mundos dentro de mundos. É possível que a mesma pessoa apareça na história na juventude e depois na velhice. É como uma máquina do tempo que aprecio e sobre a qual reflito dentro da minha própria obra.

OM: Boa música e romances são duas das suas fontes de inspiração. Como conseguiram se incorporar a suas pinturas? 

AB: Music goes inside of my body and it turns into visual worlds. Novels and poetry can also provoke powerful imagery but also create a musical orchestra. Films can have a combination of sounds and imagery, but also movement. They are all a point of reference that comes and goes as I am painting. Since I don't use any references, they sort of become a part of my visual vocabulary to refer to when I am working.

AB: A música entra no meu corpo e se transforma em mundos visuais. Romances e poesias também podem invocar imagens poderosas e criar uma orquestra musical. Os filmes podem ter uma combinação de sons e imagens, mas também movimento. Todos esses são pontos de referência que vêm e vão no momento da pintura. Como não uso referências, de alguma forma, esses elementos acabam se tornando parte do meu vocabulário visual ao qual recorro quando estou trabalhando.

OM: Qual é seu processo intelectual e criativo na definição da cena que faz com que todas as pinturas tenham características em comum e, em particular, o mais alto grau de simbolismo?

AB: Each time I start working, it's like a dive into the abyss and the unknown. When I am not painting, I am doing a lot of research based on the content I am interested in at the time—this can be triggered by a current event topic, but I am not just satisfied with that immediate topic. I like to research its history, see echoes of it in the past, in books written about the subject, art which was made about the subject, so, in a way, I fall into a rabbit hole of research with each painting and these contents may or may not work their way into the painting.

AB: Cada vez que começo a trabalhar, é como um mergulho no abismo e no desconhecido. Quando não estou pintando, faço muitas pesquisas baseadas nos assuntos pelos quais estou interessado no momento, o que pode ser desencadeado por um evento atual, mas não me contento com aquele assunto imediato. Gosto de pesquisar sua história, investigar seus ecos no passado, em livros sobre o tema, em arte feita sobre o assunto. De certa forma, caio em um buraco de coelho de pesquisa com cada pintura e esses conteúdos podem ou não ir parar no quadro.

OM: Em entrevista, você disse recentemente: “Desejo que minhas pinturas tenham aquela sensação de metamorfose, em que se olha para uma coisa que se transforma em outra, pois esse é o mais verdadeiro espelho da imaginação, da memória e dos sonhos. As coisas estão sempre mudando.” Como essa filosofia cresceu em você e que elementos a ajudaram a tomar forma?

AB: I was always interested in how imagination, memory, dreams and hallucinations work. All these elements have shaped our world and connect us with things that go beyond our rational thinking. This fascinates me.

AB: Sempre me interessou como a imaginação, a memória, os sonhos e as alucinações funcionam. Todos esses elementos moldam nosso mundo e nos conectam com coisas que transcendem o pensamento racional. Isso me fascina.

OM: A que se refere o título da pintura “Polícia do pensamento” de 2019?

AB: The title refers to George Orwell's 1984 novel which I have been thinking alot about lately, such a prophetic novel, especially for our time!

AB: O título se refere ao livre “1984” de George Orwell sobre o qual tenho refletido bastante ultimamente. É um romance profético, ainda mais no nosso tempo!

Ali Banisadr também foi curador de parte da coleção do museu de arte Wadsworth Athenium (a qual inclui Goya, William Blake, Hiroshige, Max Ernst, etc). O artista terá uma exposição individual no museu Benaki em Atenas, na Grécia, de 3 de novembro a 30 de janeiro de 2021, além do lançamento de uma monografia pela editora Rizzoli na próxima primavera nos EUA, que coincidirá com uma exposição na Galeria Kasmin em Nova York.

Crédito das fotos: Jeffrey Sturges e Adam Reich