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Polícia angolana reprime manifestação no Dia da Independência

Categorias: Angola, Ativismo Digital, Juventude, Política, Protesto

Jovens Angolanos em protesto na capital Luanda – reportagem Euro News YouTube [1] (captura de ecrã)

Manifestação de jovens angolanos em diversas cidades do país aniversário de 45 anos da independência [2] de Angola, dia 11 de Novembro, foram marcada por actos de violência policial [3].

Os protestos tiveram lugar nas províncias de Luanda, Benguela, Huíla, Huambo, Kwanza Norte, Kwanza Sul, Moxico, Cabinda, Uíge, e Huíla, para além de várias réplicas na diáspora angolana como Brasil, Reino Unido e Portugal.

As marchas em Angola foram fortemente reprimidas. Há relatos de detidos [4] e feridos e, em Luanda, ao menos um manifestante faleceu. Inocêncio Matos, de 26 anos, foi ferido na cabeça com um objecto contundente, declarou o médico Augusto Manuel, do Hospital Américo Boavida onde o jovem foi atendido, à Deutsche Welle África [5].

Inicialmente, pensava-se que o jovem houvesse sido baleado por arma de fogo. Manuel descartou a possibilidade de tiro. Um vídeo [6] amplamente circulado nas redes sociais mostra Matos ferido e inconsciente na via pública. O comandante provincial da Polícia Nacional, Eduardo Cerqueira, declarou à imprensa [7] que o manifestante “caiu quando fugia da acção policial no sentido de dispersar as pessoas.”

As marchas haviam sido proibida [8] pelas autoridades sob justificativa do estado de calamidade pública, decretado em decorrência da pandemia de COVID-19, que proíbe reunião de mais de cinco pessoas em via pública. Os organizadores já haviam rechaçado a proibição, alegando que as medidas restritivas não poderiam ferir o exercício de direitos fundamentais.

Em Luanda, houve presença policial em diversos pontos da cidade, fazendo revistas a cidadãos a pé e impedindo circulação de viaturas. Houve dispersão dos manifestantes ainda durante a concentração pela manhã num parque de estacionamento do Cemitério da Santa Ana, como mostra o vídeo abaixo:

Jovens Angolanos em protesto na capital Luanda. Reportagem Euro News, YouTube [1] (captura de ecrã).

Como nos protestos [9] do dia 24 de Outubro, provocados pelo adiamento das eleições autárquicas, a manifestação do dia 11 foi convocada pela sociedade civil e contou com a participação dos partidos de oposição União pela Independência Total de Angola (UNITA) e Bloco de Democrático.

Além da realização de eleições autárquicas, os manifestantes reivindicaram os 500,000 postos de empregos prometidos pelo Presidente João Lourenço durante sua campanha eleitoral em 2017.

Também foram presenciados pedidos de exoneração de Edeltrudes Costa, chefe do gabinete do Presidente, denunciado [10] recentemente pela televisão portuguesa TVI por corrupção, numa altura que a bandeira de governação do presidente Lourenço é o combate a essas práticas.

Jovens Angolanos em protesto na capital Luanda. Reportagem Euro News YouTube [1] (captura de ecrã)

Várias foram as vozes que manifestaram o seu desagrado com a repressão. Por exemplo, o jornalista Sousa Jamba, que encontra-se na região sul de Angola, escreveu no seu perfil do Facebook [11]:

As imagens que circulam pelo o mundo, para marcar o onze de Novembro, dia da indecência de Angola, são dos confrontos entre a polícia e os jovens manifestantes nas ruas de Luanda. O problema com isto é que inibe o investidor sério.

O problema de Angola é que tem-se a grande ilusão de que o mesmo pessoal, com mesma cultura organizacional e métodos de trabalho, poderá um dia ser capaz de resolver os mesmos problemas que eles pensam não existir!.

De igual forma, o jornalista Víctor Hugo Mendes, que reside em Portugal, fez uma transmissão [12] em directo na sua página do Facebook, dirigida ao chefe de Estado João Lourenço, instando que o presidente abra um diálogo com a sociedade sobre as preocupações manifestadas pelos jovens.

O deputado da bancada parlamentar da UNITA, Paulo Lukamba também recorreu ao seu perfil [13] no Facebook para chamar atenção à urgência do diálogo:

É muito importante e urgente encontrar-se um mecanismo com vista ao DIÁLOGO com os jovens que vão para a rua como forma de reivindicação dos seus direitos consagrados na Constituição da República de Angola.

Para estes jovens, Angola é um País Independente, em paz e democracia. Um País com um potencial económico extraordinário. Eles querem apenas usufruir de tudo isso. Eles na sua maioria nasceram no princípio da década de 90. Há por isso muitos antecedentes políticos que não são do seu interesse.

Eles ganharam consciência cidadã já na era da proclamação de Angola como um Estado democrático e de Direito. Não há como parar a irreverência que é uma característica intrinsecamente ligada àquela faixa etária.

Eles querem ver as coisas acontecerem, estão cheios de energia para além das suas grandes
expectativas em matéria de projectos pessoais.

O activista Hitler Samussuku disse [14] que as manifestações são uma demonstração do fim do reinado do partido no poder:

O MPLA E O FIM DA FESTA
A vaga de manifestações que acontece em Angola, surge na sequência do discurso à nação na qual o Presidente da República apresentou uma situação política , económica e social que não conjuga com a realidade vivida pelos angolanos, a razão de ser pelo fim do elevado custo de vida e pelo facto das autarquias serem adiadas sine die e de forma arrogante o que pareceu não haver compromisso para melhorar o desenvolvimento comunitário.
O povo angolano está a provar ao MPLA desde o dia 24 de Outubro que estamos numa nova era e que isto implica respeito pela voz do povo.
O MPLA de forma arrogante faz finca-pé as reivindicações do povo, acusando de serem arruaças e que propagação a transmissão do Covid 19, mas um povo sofredor como nós não está preocupado com o vírus porque com ou sem corona, morremos de febre amarela, morremos com malária e até morremos de fome.

Pelo Twitter, sucederam mensagens de denúncia da atitude da polícia, bem como mensagens de solidariedade aos manifestantes:

Como resposta à morte do jovem Inocêncio, estudantes da Universidade Agostinho Neto decidiram vestir-se de preto em sua homenagem em um acto que foi proibido pelas autoridades universitárias, segundo uma página [27] criada em seu nome:

A reitoria da Universidade Agostinho Neto fez sair um comunicado no qual PROÍBE o uso de ROUPAS PRETAS nas unidades orgânicas excepto a de Ciência onde Inocêncio de Matos era estudante.
PROIBIU, igualmente, o minuto de silêncio que estava previsto em memória do assassinado. É óbvio que eu não vou cumprir com uma coisa tão ridícula como esta.
Sim, irei de PRETO.

O acto de homenagem na universidade foi antecedido por uma vigília [28] religiosa. Um grupo de rappers lançou uma música [29] intitulada ”Homenagem ao Inocêncio.”

A página [30] de um dos maiores colectivos da sociedade civil, Central Angola 7311, mudou a sua foto de perfil em tributo ao jovem.

Um ano depois, a Central Angola 7311 volta a trocar a foto de perfil, substituindo o nosso herói Carbono Casimiro pelo mártir de 11 de Novembro Inocêncio Matos.

Morto pela Policia Nacional quando protestava pela Cidadania, pelo fim do elevado custo de vidas e por autarquias em 2012 sem rodeios, morreu ajoelhado, gritando “violência não”.