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Em Mianmar, direito de votar é negado ao povo rohingya mais uma vez

Categorias: Leste da Ásia, Mianmar (Birmânia), Direitos Humanos, Eleições, Governança, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Política, Myanmar Election 2020
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Rohingyas internamente deslocados em Mianmar. Foto de Evangelos Petratos, Rakhine, Mianmar, junho de 2014. Da conta do Flickr da UE de Proteção Civil e Ajuda Humanitária. (CC BY-NC-ND 2.0) [2]

Apesar do apelo de grupos dos direitos humanos por eleições [3] mais inclusivas, confiáveis, livres e justas em 8 de novembro, Mianmar continua a negar cidadania e direito de voto ao povo rohingya. O país tem mais de 130 grupos étnicos, mas recusa-se a reconhecer os rohingyas.

Durante muitas décadas, Mianmar esteve sob uma ditadura militar, até a transição para governo civil com as eleições de 2010. Nesse período, os rohingyas tiveram permissão para votar, três candidatos do grupo étnico foram eleitos e tornaram-se membros do parlamento.

No entanto, o governo, apoiado por militares, usou a Lei da Cidadania de 1982 para excluir [4] os rohingyas das eleições de 2015. A lei é descrita como discriminatória, uma vez que exige dos indivíduos a apresentação de “evidências conclusivas” de que eles ou seus pais entraram no país antes de 1948.

A eleição de 2015 viu a esmagadora vitória [5] histórica do partido da oposição, a Liga Nacional pela Democracia (NLD, na sigla em inglês). Mas, em vez de reverter as políticas discriminatórias do regime militar anterior, o governo, liderado pelo partido NLD, continuou a isolar o povo rohingya e ainda foi acusado [6] de ser cúmplice nas atrocidades cometidas por ultranacionalistas contra o grupo étnico perseguido.

Conforme o país aproxima-se de outra eleição nacional em novembro, a “privação política” [7] dos rohingyas permanece. Ao menos, seis candidatos do grupo étnico foram impedidos [8], pela Comissão Eleitoral da União (UEC, na sigla em inglês), de participarem das eleições devido a questões de cidadania. A UEC mencionou uma lei eleitoral que exige provas da cidadania dos pais dos candidatos como base para desqualificar o povo rohingya.

Cerca de 1,7 milhão de pessoas do grupo rohingya não poderão votar. Incluindo um milhão de rohingyas que foram forçados a fugir [9] de Mianmar devido às operações militares em 2017, e que, no momento atual, residem em campos de refugiados no vizinho Bangladesh.

Diversos grupos rohingyas em Bangladesh escreveram [10] uma carta instando à UEC a apoiar seu direito ao voto por meio do mecanismo de votação no exterior.

As citizens of Myanmar, we hold the right to vote. We had the right to vote until 2015 when we were blocked. The Myanmar government has stripped us of our citizenship and ability to participate in political life.

Como cidadãos de Mianmar, temos o direito de votar. Tivemos o direito ao voto até 2015, e depois, fomos bloqueados. O governo de Mianmar nos privou da nossa cidadania e da nossa capacidade de participar da vida política.

Tun Khin, membro da Organização Rohingya Birmanesa no Reino Unido, apontou [11] que o povo rohingya votara antes em Mianmar.

My grandfather was a parliamentary secretary in Myanmar. We have voted in this country, our home, for decades before the government decided to exclude us in 2015. Many Rohingya supported Aung San Suu Kyi in the last election, but discrimination and genocidal policies have only worsened since the National League for Democracy took office.

Meu avô foi secretário parlamentar em Mianmar. Nós votamos nesse país, nosso lar, por décadas antes de o governo decidir nos excluir em 2015. Muitos rohingyas apoiaram Aung San Suu Kyi na última eleição, mas a discriminação e as políticas genocidas só pioraram desde que a Liga Nacional pela Democracia tomou posse.

Laureada com o Nobel da paz e líder da Liga Nacional pela Democracia, Aung San Suu Kyi lutou contra a ditadura militar e foi um ícone do movimento pró-democracia.

Saed Makhlaswi, residente no estado de Rakhine, contou [12] ao jornal Nikkei Asia sobre a exclusão dos rohingyas das atividades de campanha eleitoral:

We are not considered as citizens. Even though some of us have eligible documents to have the chance to vote, there is no preparation of the ballots nor voter registration in our area. It is like the election is not going to happen in our area.

Não somos considerados cidadãos. Embora alguns de nós tenhamos documentos elegíveis para ter a oportunidade de votar, não há preparação de cédulas nem registro de eleitor na nossa área. É como se as eleições não fossem ocorrer na nossa região.

Aplicativo de educação eleitoral lista povo rohingya como bengali

O mVoter 2020, um aplicativo de educação eleitoral, financiado pela União Europeia e desenvolvido em parceria com a UEC e o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International IDEA) no âmbito do programa STEP Democracy, foi criticado [13] por ativistas por destacar a raça e a religião dos candidatos e de seus pais no banco de dados eleitoral. Um candidato rohingya foi listado no aplicativo como bengali, um termo depreciativo usado pelas autoridades para identificar integrantes do grupo étnico.

Candidato Aye Win: “Não há nada que eu possa fazer… Eles vão me descrever como quiserem. Mas é claro que eu sou um #Rohingya.” Ele é descrito como “Bengali Bamar” no aplicativo mVoter, projetado pela @Int_IDEA @Asia_Foundation, UEC e UE. Isso viola os direitos humanos.

O Justice For Myanmar, site bloqueado [20] em Mianmar por seus relatos críticos contra os militares, disse que o aplicativo “direciona, de forma explícita, eleitores a considerarem raça e religião, quando eles deveriam considerar candidatos com base em seus méritos e plataformas políticas, e não pela origem cultural ou pela crença religiosa”, e acrescentou [21]:

Instead of providing access to much-needed, accurate information for voters, the mVoter 2020 app risks inflaming ethnic and religious nationalism during the election. The publicising of candidate race and religion would be unacceptable to voters in donor countries, and is unacceptable in Myanmar.

Em vez de fornecer acesso a informações precisas e necessárias aos eleitores, o aplicativo mVoter 2020 corre o risco de inflamar o nacionalismo étnico e religioso durante as eleições. A divulgação da raça e da religião do candidato seria inaceitável para os eleitores em países doadores, e é inaceitável em Mianmar.

O International IDEA, baseado em Estocolmo, um dos grupos que lançou o aplicativo, decidiu retirar [22] sua associação ao mVoter2020.

Conflitos étnicos geraram confrontos nos últimos anos. O povo rohingya era alvo [23], de forma frequente, de budistas ultranacionalistas que espalharam o discurso de ódio ao atacar a minoria étnica. Yee Mon Htun, um membro da equipe de pesquisa que divulgou um relatório sobre a necessidade de conter o discurso de ódio antes das eleições, destacou [24] a gravidade do problema:

Hate speech in Myanmar has been designed to provoke, incite violence, discrimination and hatred that has in turn fueled violations of its ethnic and religious minority communities’ human rights and in the case of the Rohingya, it has enabled genocidal violence and atrocities.

O discurso de ódio em Mianmar foi projetado para provocar, para incitar a violência, a discriminação e o ódio que, por sua vez, alimentou as violações dos direitos humanos das comunidades de minorias étnicas e religiosas e, no caso dos rohingyas, permitiu a violência genocida e as atrocidades.

Privando comunidades étnicas

Não é apenas o povo rohingya que não poderá votar em 8 de novembro. A UEC cancelou a votação em 56 distritos alegando riscos à segurança. Essa decisão, a qual irá privar [25] pelo menos 1,4 milhão de eleitores, foi criticada como arbitrária e sem transparência.

Ravina Shamdasani, porta-voz do alto comissariado da ONU para os direitos humanos, atacou [26] as restrições impostas aos grupos minoritários:

We have serious concerns about the human rights situation in Myanmar ahead of its general elections on 8 November. These include violations of the right to political participation, particularly of minority groups — including, disproportionately, the Rohingya Muslim and ethnic Rakhine population in Rakhine State.

Temos sérias preocupações em relação à situação dos direitos humanos em Mianmar, antes das eleições gerais em 8 de novembro. As violações do direito à participação política é uma delas, sobretudo, dos grupos minoritários, incluindo, de forma desproporcional, a população muçulmana rohingya e a população étnica de Rakhine, no estado de Rakhine.

A Human Rights Watch alertou [27] que excluir os rohingyas tornará a eleição menos crível:

It’s appalling that Aung San Suu Kyi is determined to hold an election that excludes Rohingya voters and candidates. She knows that real democracy cannot flourish in an apartheid regime imposed on the Rohingya.

É espantoso que Aung San Suu Kyi está determinada a realizar uma eleição que exclui os eleitores e candidatos rohingyas. Ela sabe que a verdadeira democracia não pode prosperar em um regime de segregação imposto aos rohingyas.

Por fim, o grupo de pesquisa e defesa Progressive Voice culpou [28] os militares por criarem instabilidade nas comunidades étnicas:

While the situation of armed conflict is certainly serious in Rakhine State and other ethnic states in Myanmar, what the UEC does not mention is that it is the military offensives and militarization of the Myanmar military that creates this insecurity cited

That many people living in Rakhine, Shan and Kachin States are not able to vote is added to by the blatant disenfranchisement of the Rohingya, who, despite being able to vote in 2010, have been barred from voting in 2015 and this upcoming election.

Embora a situação dos conflitos armados seja, sem dúvida, grave no estado de Rakhine, e em outros estados étnicos de Mianmar, o que a UEC não menciona é que são as ofensivas militares e a militarização dos militares de Mianmar que geram a insegurança apontada.

O fato de muitas pessoas que vivem nos estados de Rhakine, Shan e Kachin não poderem votar soma-se à gritante privação de direitos dos rohingyas que, apesar de terem votado em 2010, foram impedidos em 2015 e serão impedidos nas próximas eleições.