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Relato de uma repórter de Hong Kong sobre censura à imprensa após adoção da lei de segurança nacional

Categorias: Leste da Ásia, China, Hong Kong (China), Censorship, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política, Protesto, GV Advocacy
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Leung Ka Lai. Imagem: Stand News. Usada sob permissão.

Esta é a última parte de um artigo publicado originalmente [1] em chinês, no The Stand News. Ele foi traduzido para o inglês pela Global Voices e está publicado aqui em cinco partes sob autorização. Leia as partes um [2], dois [3], três [4] e quatro [5].

A liberdade de expressão está sob cerco na cidade de Hong Kong após a promulgação da lei de segurança nacional.

Muitos jornalistas estrangeiros supostamente não conseguiram renovar [6] seus vistos de trabalho. O jornal pró-democracia Apple Daily foi invadido e seu fundador, Jimmy Lai, foi preso, acusado [7] de conluio com forças estrangeiras.

O drama mais recente diz respeito à prisão de Choy Yuk-ling [8], uma repórter que trabalhava para a emissora pública da cidade, a Radio Television Hong Kong. Em 2 de novembro, a polícia prendeu Choy como parte de uma investigação sobre o incidente do ataque em Yuen Long [9]. O incidente ocorreu em 21 de julho de 2019, quando uma multidão pró-Pequim atacou os manifestantes que voltavam para casa dentro da estação de metrô Yuen Long. A polícia alegou que a repórter violou a Portaria de Estradas e Trânsito por fazer uma declaração falsa durante pesquisa sobre os detalhes de um veículo envolvido no ataque.

Todos os sinais até agora sugerem que trabalhar com jornalismo se tornou uma empreitada perigosa.

Pequim anunciou seu plano de promulgar a draconiana lei de segurança nacional em Hong Kong em maio de 2019. Como o termo “segurança nacional” é definido de forma vaga, o discurso crítico pode ser interpretado como incitação de ódio contra as autoridades. Isso levou a um efeito silenciador que varreu a cidade.

Muitos colunistas proeminentes, incluindo os especialistas financeiros Simon Lee e Michael Suen no Apple Daily News encerraram suas colunas nos jornais [10], várias páginas públicas influentes do Facebook foram excluídas por seus administradores – incluindo uma administrada [11] pelo ex-secretário do Serviço Civil Joseph Wong – diversos sites desapareceram e muitos usuários de redes sociais excluíram suas contas. [12]

O risco de alguém falar usando o nome verdadeiro está cada vez mais alto.

Leung Ka Lai, jornalista que trabalha no Apple Daily, entrevistou manifestantes e escreveu artigos sobre os protestos contra extradição para China.

Em 10 de agosto, dia em que Jimmy Lai foi preso e o escritório do Apple Daily foi invadido por cerca de 200 policiais, ela ficou chocada. No entanto, de alguma forma ela antecipou isso, removendo todos os detalhes e anotações dos entrevistados do escritório e excluindo todos os registros de bate-papo de seu telefone celular em julho.

Ela também excluiu uma página pública do Facebook, que foi criada em 31 de agosto de 2019, após um grande protesto contra extradição para China por toda a cidade. Ela usou a página para compartilhar vídeos que fez e algumas de suas anotações jornalísticas. Um de seus vídeos, mostrando policiais batendo em jovens manifestantes dentro de uma igreja [13] em Sai Wan Ho, em 11 de novembro de 2019, atraiu 2 milhões de visualizações. Por meio da página, ela também recebeu muitos conselhos. Ao mesmo tempo, ela foi agredida e assediada on-line.

Sua principal preocupação é evitar o vazamento de informações sobre sua fonte:

I don’t worry about myself. The safety of my interviewees is more important than mine and I don’t want to risk the exposure of their details.

Eu não estou preocupada comigo. A segurança dos meus entrevistados é mais importante do que a minha e não quero arriscar a exposição de seus dados.

Ela vivia com o medo de ser presa por ser jornalista. Este ano, enquanto fazia uma reportagem sobre o aniversário dos protestos, em 12 de junho, foi presa em uma tática policial [14]. A polícia de choque puxou sua mochila e agarrou seu telefone enquanto ela estava transmitindo ao vivo. Ela foi revistada e detida por 45 minutos.

O Apple Daily costumava ter a assinatura de repórteres em cada reportagem. Essa prática foi suspensa desde 1º de julho, quando a lei de segurança nacional foi promulgada. O fato mais preocupante sobre a lei, conforme apontado pelo consultor jurídico do jornal, é que a interpretação dela está nas mãos de Pequim.

Leung é jornalista há cerca de 15 anos. Ela acredita que o objetivo da operação policial era instigar o medo.

Em 27 de agosto, cerca de duas semanas após o ataque à mídia financiado pelo Estado chinês, o Diário do Povo afirmou que o Apple Daily é uma perigosa “organização política”. Tais rótulos políticos podem levar ao fechamento do meio de comunicação sob a lei draconiana.

A repressão ao Apple Daily tocou seus apoiadores. Durante a operação, os internautas expressaram seu apoio ao jornal comprando ações de sua matriz Next Media Group, o que levou a um aumento repentino no preço das ações. Duas semanas depois, em 10 de setembro, a polícia prendeu 15 compradores de ações [15] sob a acusação de “conspiração de fraude” e “lavagem de dinheiro”. No passado, as atividades anormais no mercado de ações eram investigadas pela Bolsa de Valores de Hong Kong e pela Comissão de Valores Mobiliários.

Leung está preocupada com a possibilidade de Pequim banir os meios de comunicação que não sejam leais a eles.

The space for free press is diminishing… I fear that very soon we will be forced to leave the industry, or they will shut down Apple Daily. If you want to remain a journalist, you have to work for pro-establishment media outlets such as Wen Wei Po or Ta Kung Pao.

The situation is extremely scary. But I will continue to stay in the industry until there is no more space. I am prepared to work as a freelance journalist. What we are facing now is not just the survival of Apple Daily but the whole independent media sector.

O espaço para a imprensa livre está diminuindo… Temo que muito em breve seremos forçados a deixar a indústria, ou eles fecharão o Apple Daily. Se você quiser continuar sendo jornalista, terá que trabalhar para veículos de mídia favoráveis, como Wen Wei Po ou Ta Kung Pao.

A situação é extremamente assustadora. Mas vou continuar nessa indústria até não haver mais espaço. Estou preparada para trabalhar como jornalista autônoma. O que estamos enfrentando agora não é apenas a sobrevivência do Apple Daily, mas de todo o setor da mídia independente.

Ela quer continuar carreira no jornalismo e preservar a verdade:

We have to prevent the scenario that after 30 years, people would say that June 4 [16] had never taken place. We have to carry on with our work until there is no more space.

Temos que evitar o cenário em que daqui 30 anos as pessoas digam que 4 de junho [16] nunca aconteceu. Temos que continuar nosso trabalho até não haver mais espaço.