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Polícia reprime violentamente manifestação Angolana por eleições autárquicas

Categorias: Angola, Governança, Liberdade de Expressão, Protesto

Manifestantes de fronte da polícia em Luanda. Captura de ecrã do YouTube [1] feita pelo autor em 26 de outubro de 2020.

Activistas e membros de partidos políticos da oposição tomaram as ruas da capital angolana Luanda no dia 24 de Outubro contra o adiamento das eleições autárquicas em protestos [2] reprimidos pelas forças policiais.

A manifestação, que também pedia mais oportunidades aos jovens, vem na esteira das manifestações contra a violência policial [3] ocorridas em Setembro.

Desde a independência de Angola em 1975, suas autarquias [4], ou municípios, são governadas por comissões nomeadas pelos governadores das províncias, que por sua vez são nomeados pelo Presidente da República. Este ano marcaria a primeira vez [5] em que angolanos elegeriam governantes das autarquias por voto popular.

O cancelamento da votação aconteceu devido à demora na aprovação da legislação [6] que a regularia. Em pronunciamento oficial, o Presidente João Lourenço, do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) chegou a negar que as eleições tivessem sido adiadas, afirmando que elas sequer foram marcadas. A explicação não convenceu os partidos de oposição.

A polícia prendeu 103 pessoas por “desobediência” e “arruaça” durante a manifestação, de acordo com o Jornal de Angola. A Deutsche Welle África informa que entre os detidos haviam seis jornalistas [7]:

Trata-se de um grupo composto por 90 homens e 13 mulheres, acusados de arruaça e desobediência às autoridades. A tentativa de manifestação decorreu em atropelo ao novo Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública, que restringe os ajuntamentos na via pública a cinco pessoas.

A marcha, frustrada pela Polícia Nacional, contou com centenas de participantes, incentivados por activistas da sociedade civil e por membros da direcção da UNITA.

A Polícia Nacional esteve nas ruas da capital angolana nas primeiras horas do dia, momento em que teriam ocorrido as primeiras detenções.

Manifestantes de fronte da polícia em Luanda – captura de ecrã imagem YouTube [1] – feita pelo autor, 26 de Outubro de 2020

Numa notícia publicada pelo Jornal de Angola [8], o Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política do partido União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior da oposição, referiu que:

A marcha organizada pela sociedade civil é um direito constitucional que deve ser respeitado…não estando o país sob Estado de Sítio ou Emergência, os únicos capazes de restringir o exercício destes direitos, nada justificava o impedimento de uma manifestação com o uso da força desproporcional pelas autoridades, tal como se assistiu.

Um deputado da UNITA afirmou à Agência Lusa [9] ter sido detido durante cerca de uma hora, acusando as autoridades de “uso excessivo da força” e de estarem a cometer uma ilegalidade.

Uma das vozes que se levantou em favor dos protestos foi do comunicador Sílvio Nascimento, tendo se mostrado indignado pela forma como a polícia tratou os manifestantes. Sílvio disse [10] que o povo Angolano ”acordou para a realidade” e ”está na hora de lutar pelo futuro”.

Relatos similares foram feitos por outros participantes da manifestação, de acordo com a VOA [11]:

Houve uma repreensão bastante violenta. Não havia razão para o regime usar uma força desproporcional, porque a manifestação era pacífica.

Em declarações [12] à DW África, o jovem Luston Mabiala, que esteve na manifestação, afirma que foi agredido juntamente com os seus companheiros. O jovem diz que viu a polícia a disparar balas reais e bombas de gás lacrimogéneo na região onde havia cidadãos a exercerem actividade de venda ambulante.

Fomos agredidos fisicamente e de imediato fomos escorraçados da via pública e empurrados nos becos do bairro que eu desconheço. Somente lembro que foi nas imediações do Mercado dos Congoleses.

Resistimos à pressão da polícia e regressamos novamente ao mercado, onde fomos surpreendidos por uma centena de polícias armados das unhas até aos dentes que começaram logo a disparar à queima roupa

Na mesma notícia da DW África [12], um dos promotores da manifestação disse que foi vítima da brutalidade da polícia angolana. O activista referiu que o protesto visava somente exigir, de forma pacífica, a implementação de eleições populares nos 164 municípios angolanos:

Pretendíamos apenas exigir que o Presidente João Lourenço marque a data das eleições autárquicas. Angola está atrasada 45 anos, desde que se tornou independente. Por isso, acho que é necessário que o Presidente esteja preparado para partilhar o poder, para que Angola esteja ao mesmo nível de desenvolvimento com os outros países.

O porta-voz da polícia em Luanda, Nestor Goubel, disse [13] ainda no dia 24 que a corporação não tinha o balanço operativo para responder às queixas da população. O oficial da polícia nega também a detenção de jornalistas que estavam a cobrir a manifestação.

De acordo com o Jornal de Angola [14], o MPLA exortou os seus membros para que usassem as redes sociais para apoiar o Governo:

Perante dezenas de militantes e dirigentes de distintas estruturas e organizações internas do partido, Daniel Neto notou que a desvalorização dos esforços do Governo, notória nas publicações feitas por alguns jovens, confirma a influência nociva das mensagens de formações políticas da oposição sobre os investimentos, projectos e perspectivas para o desenvolvimento da vida das populações.

Devemos contrapor a deturpação das mentes por discursos preparados para confundir os lúcidos e arrastar os menos informados.