
Manifestantes de fronte da polícia em Luanda. Captura de ecrã do YouTube feita pelo autor em 26 de outubro de 2020.
Activistas e membros de partidos políticos da oposição tomaram as ruas da capital angolana Luanda no dia 24 de Outubro contra o adiamento das eleições autárquicas em protestos reprimidos pelas forças policiais.
A manifestação, que também pedia mais oportunidades aos jovens, vem na esteira das manifestações contra a violência policial ocorridas em Setembro.
Desde a independência de Angola em 1975, suas autarquias, ou municípios, são governadas por comissões nomeadas pelos governadores das províncias, que por sua vez são nomeados pelo Presidente da República. Este ano marcaria a primeira vez em que angolanos elegeriam governantes das autarquias por voto popular.
O cancelamento da votação aconteceu devido à demora na aprovação da legislação que a regularia. Em pronunciamento oficial, o Presidente João Lourenço, do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) chegou a negar que as eleições tivessem sido adiadas, afirmando que elas sequer foram marcadas. A explicação não convenceu os partidos de oposição.
A polícia prendeu 103 pessoas por “desobediência” e “arruaça” durante a manifestação, de acordo com o Jornal de Angola. A Deutsche Welle África informa que entre os detidos haviam seis jornalistas:
Trata-se de um grupo composto por 90 homens e 13 mulheres, acusados de arruaça e desobediência às autoridades. A tentativa de manifestação decorreu em atropelo ao novo Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública, que restringe os ajuntamentos na via pública a cinco pessoas.
A marcha, frustrada pela Polícia Nacional, contou com centenas de participantes, incentivados por activistas da sociedade civil e por membros da direcção da UNITA.
A Polícia Nacional esteve nas ruas da capital angolana nas primeiras horas do dia, momento em que teriam ocorrido as primeiras detenções.

Manifestantes de fronte da polícia em Luanda – captura de ecrã imagem YouTube – feita pelo autor, 26 de Outubro de 2020
Numa notícia publicada pelo Jornal de Angola, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política do partido União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior da oposição, referiu que:
A marcha organizada pela sociedade civil é um direito constitucional que deve ser respeitado…não estando o país sob Estado de Sítio ou Emergência, os únicos capazes de restringir o exercício destes direitos, nada justificava o impedimento de uma manifestação com o uso da força desproporcional pelas autoridades, tal como se assistiu.
Um deputado da UNITA afirmou à Agência Lusa ter sido detido durante cerca de uma hora, acusando as autoridades de “uso excessivo da força” e de estarem a cometer uma ilegalidade.
Uma das vozes que se levantou em favor dos protestos foi do comunicador Sílvio Nascimento, tendo se mostrado indignado pela forma como a polícia tratou os manifestantes. Sílvio disse que o povo Angolano ”acordou para a realidade” e ”está na hora de lutar pelo futuro”.
Relatos similares foram feitos por outros participantes da manifestação, de acordo com a VOA:
Houve uma repreensão bastante violenta. Não havia razão para o regime usar uma força desproporcional, porque a manifestação era pacífica.
Em declarações à DW África, o jovem Luston Mabiala, que esteve na manifestação, afirma que foi agredido juntamente com os seus companheiros. O jovem diz que viu a polícia a disparar balas reais e bombas de gás lacrimogéneo na região onde havia cidadãos a exercerem actividade de venda ambulante.
Fomos agredidos fisicamente e de imediato fomos escorraçados da via pública e empurrados nos becos do bairro que eu desconheço. Somente lembro que foi nas imediações do Mercado dos Congoleses.
Resistimos à pressão da polícia e regressamos novamente ao mercado, onde fomos surpreendidos por uma centena de polícias armados das unhas até aos dentes que começaram logo a disparar à queima roupa
Na mesma notícia da DW África, um dos promotores da manifestação disse que foi vítima da brutalidade da polícia angolana. O activista referiu que o protesto visava somente exigir, de forma pacífica, a implementação de eleições populares nos 164 municípios angolanos:
Pretendíamos apenas exigir que o Presidente João Lourenço marque a data das eleições autárquicas. Angola está atrasada 45 anos, desde que se tornou independente. Por isso, acho que é necessário que o Presidente esteja preparado para partilhar o poder, para que Angola esteja ao mesmo nível de desenvolvimento com os outros países.
O porta-voz da polícia em Luanda, Nestor Goubel, disse ainda no dia 24 que a corporação não tinha o balanço operativo para responder às queixas da população. O oficial da polícia nega também a detenção de jornalistas que estavam a cobrir a manifestação.
De acordo com o Jornal de Angola, o MPLA exortou os seus membros para que usassem as redes sociais para apoiar o Governo:
Perante dezenas de militantes e dirigentes de distintas estruturas e organizações internas do partido, Daniel Neto notou que a desvalorização dos esforços do Governo, notória nas publicações feitas por alguns jovens, confirma a influência nociva das mensagens de formações políticas da oposição sobre os investimentos, projectos e perspectivas para o desenvolvimento da vida das populações.
Devemos contrapor a deturpação das mentes por discursos preparados para confundir os lúcidos e arrastar os menos informados.