Em 20 de outubro, enquanto as forças de segurança nigerianas abatiam jovens manifestantes, durante os comícios do movimento #EndSARS, que pedem o fim da brutalidade policial na Nigéria, postagens nas redes sociais que compartilhavam as notícias via Facebook e Instagram foram sinalizadas, de forma equivocada, como fake news.
Por mais de duas semanas, os protestos #EndSARS foram realizados em diversas cidades da Nigéria e comunidades nigerianas em todo o mundo. O SARS, sigla para Special Anti Robbery Squad (Esquadrão Especial Antirroubo), é um esquadrão da polícia da Nigéria conhecido por agir sem base legal. Ao longo dos anos, prendeu, torturou e matou cidadãos, sobretudo, jovens nigerianos.
Let this video reignite your anger, let it spur you on. We started something amazing that we can’t stop, we are the generation that will bring change inshallah #EndSARS
Filmed & Edited by @BayoBrahms pic.twitter.com/n447icKTtP
— 49th Street #EndSARS (@The49thSt) October 25, 2020
Deixe este vídeo despertar a sua fúria, deixe-o te estimular. Começamos algo fantástico e não podemos parar, somos a geração que trará a mudança, inshallah #EndSARS
Filmado e editado por @BayoBrahms
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Usuários nigerianos do Facebook e do Instagram que tentavam compartilhar fotos ou vídeos sobre o massacre dos manifestantes apoiadores do movimento no pedágio de Lekki, como esta bandeira nigeriana ensanguentada, receberam a seguinte resposta: “Os verificadores de fatos dizem que pelo menos uma foto ou vídeo nesta postagem contém informação falsa”.
O Facebook trabalha com serviços terceirizados independentes que analisam e avaliam a precisão das postagens. A verificação de fatos do conteúdo nigeriano foi terceirizada pela empresa tecnológica à Africa Check, AFP-Hub e Dubawa.
Em 22 de outubro, a equipe de comunicação do Instagram tuitou um pedido de desculpas por ter “sinalizado incorretamente o conteúdo do movimento #EndSARS, e por ter classificado as postagens como falsas”.
O pedido da Global Voices por comentários sobre a referida censura ao conteúdo #EndSARS, feito via mensagem direta e via tuíte em 22 de outubro, à conta verificada no Twitter do diretor de comunicações políticas do Facebook, Andy Stone, não foi confirmado e nem respondido.
Histórico do Facebook em censurar ativistas
Desde 2008, ativistas da Global Voices do Afeganistão ao Cazaquistão; da Bulgária à Macedônia; das Filipinas à Singapura; do Brasil à Venezuela; do Egito ao Líbano; de Bangladesh à Índia; da Etiópia à Tanzânia; documentam suas experiências acerca da “liberdade de expressão, da censura e dos direitos humanos na maior rede social do mundo”.
Há duas semanas, o Facebook envolveu-se em uma polêmica por fomentar o discurso de ódio na Índia. Em 2018, o maior jornal do Brasil deixou a rede social depois de acusá-la de propagar fake news. Em julho de 2016, a rede social removeu uma postagem que criticava à polícia de Singapura. Em 2011, fechou a conta de uma blogueira após “ela publicar uma sequência de postagens sobre a criminalidade em Honduras” e, na noite de 25 de novembro de 2010, o Facebook desativou a página “Somos todos Khaled Said”. O egípcio de 28 anos, Khaled Said, foi espancado até à morte em Alexandria por dois policiais. A rede social acabou restaurando a página após pressão de ativistas no Twitter.
Isso destaca a conivência histórica do Facebook em censurar vozes de ativistas dos direitos humanos. Ocorreu “repetidas vezes na última década, e muitas delas, sem nenhuma explicação da empresa”, afirma via e-mail à Global Voices, Ellery Roberts Biddle, jornalista, especialista em tecnologia e diretora editorial da Ranking Digital Rights.
A sinalização do conteúdo #EndSARS não foi um “erro”
A censura do Facebook ao conteúdo #EndSARS é “muito comum”, afirma Jillian C. York, ativista americana e diretora de liberdade de expressão internacional da Electronic Frontier Foundation.
York informou à Global Voices, via mensagem direta no Twitter, que “não foi apenas um erro do Instagram”. Mas sim, uma consequência de “seus sistemas de moderação e de sinalização de conteúdo mal desenvolvidos, e não um defeito”, enfatizou.
Biddle culpou o Facebook pelo escasso investimento em moderação de conteúdo:
Investigations by journalists and leaks from inside the company demonstrate that Facebook does not put adequate financial or human resources towards its content moderation processes.
Investigações feitas por jornalistas e vazamentos internos da empresa demonstram que o Facebook não aloca recursos financeiros e recursos humanos adequados em seus processos de moderação de conteúdo.
As poucas exceções a essa moderação deficiente do Facebook ocorrem “em países como a Alemanha, onde a regulamentação é estrita, todavia, é razoável suspeitar (e não sabemos, devido à falta de transparência do Facebook) que a rede social coloca muito menos recursos para a moderação de conteúdo na Nigéria, mesmo o país sendo muito maior”, escreveu Biddle, por e-mail à Global Voices.
O dr. Qemal Affagnon, coordenador regional da África Ocidental na Internet Sans Frontières, declarou à Global Voices, via e-mail, que é uma irônica “forma de arrogância” do Facebook colher “metadados das imagens compartilhadas por nigerianos” enquanto “penaliza” sua liberdade de expressão.
Os metadados dos nigerianos, embora constituam uma violação da privacidade, tornam o “negócio lucrativo” para a empresa de tecnologia americana. Affagnon explica ainda que “o Facebook baseia-se em metadados de fotos, como data, hora e localização dos dispositivos móveis usados para fotografar. Esses metadados são de extrema importância para traçar o perfil das pessoas (onde você está, com quem está, qual tipo de carro está atrás de você, por exemplo), informações preciosas nas quais os anunciantes estão interessados”.
A censura ocorre no momento em que o gigante da tecnologia busca entrar no mercado nigeriano. A cidade de Lagos, na Nigéria, foi o primeiro destino da viagem de Mark Zuckerberg à África há quatro anos, em setembro de 2016. Como uma prova evidente do próspero ecossistema de tecnologia do país, o Facebook anunciou recentemente que abrirá o segundo escritório no continente na cidade nigeriana, até o segundo semestre de 2021.
Affagnon conta que isso torna a censura de conteúdo do movimento #EndSARS “perturbadora e difícil de entender”, considerando as incursões da empresa de tecnologia no mercado nigeriano. No entanto, o Facebook mostrou”, ele afirma, “que não tem respeito pela diversidade de pontos de vista, o que é perigoso para a democracia” e “viola o direito dos internautas nigerianos enquanto mostra uma repugnante forma de autoritarismo”.
think about this: Facebook actively helped the Nigerian government to claim that no killings happened by labelling and removing video/photo/livestream posts of #EndSARS protests (on Instagram too). after they did that they issue apology and keep it moving. after silencing stories
— T. (@TefoMohapi) October 23, 2020
Pense nisto: O Facebook ajudou de forma ativa o governo nigeriano a alegar que nenhum assassinato aconteceu, sinalizando e removendo vídeos, fotos e postagens ao vivo dos protestos #EndSARS (no Instagram também). Depois de fazerem isso, pediram desculpas e seguiram em frente. Após silenciarem histórias.
A “sinalização incorreta” do conteúdo do movimento #EndSARS pelo Facebook e Instagram contribuiu para que as mídias sociais patrocinadas pelo estado ofuscassem o massacre dos manifestantes no pedágio de Lekki, em Lagos. O governo do estado de Lagos e o exército nigeriano negaram as fatalidades registradas ou descreveram os tiroteios como fake news, apesar das amplas evidências de jornalistas e de grupos dos direitos humanos, como a Anistia Internacional.
O Facebook nunca foi “inteiramente transparente com o público sobre como e por que pode censurar uma hashtag como a #EndSARS”, disse Biddle. Portanto, há a necessidade de uma “auditoria completa e de uma revisão dos seus sistemas, e de um compromisso com a transparência, com a notificação ao usuário e com apelações em cada caso”, observou York.