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Em direção a um futuro ciberfeminista: novo estudo põe mulheres africanas como protagonistas on-line

Categorias: África Subsaariana, África do Sul, Etiópia, Quênia, Senegal, Uganda, Arte e Cultura, Ativismo Digital, Governança, Ideias, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Mulheres e Gênero, Política, Tecnologia, GV Advocacy

Mulher usando celular. Foto de Pikist [1], um banco de imagens gratuito.

Ser uma mulher navegando na internet na África pode ser estressante e até mesmo perigoso. Os espaços digitais podem parecer livres e igualitários, mas a realidade é que a internet perpetua sistemas de opressão e desigualdade.

Na África, é desproporcional o número de experiências de mulheres e minorias sexuais que sofrem assédio, exposição de dados pessoais, compartilhamento de fotos e vídeos sem consentimento bem como outras formas de violência de gênero on-line. Mas a falta de uma base de dados sólida sobre esses casos vinha tornando difícil determinar a verdadeira dimensão de como as mulheres são tratadas na internet.

Agora, uma pesquisa em grande escala [2], a primeira do tipo, revela as experiências de mulheres africanas de cinco países do continente. 

De acordo com um comunicado oficial, cerca de 3.000 mulheres entre 18 e 65 anos da Etiópia, Quênia, Uganda, Senegal e África do Sul foram entrevistadas sobre suas “percepções em relação à segurança digital, assim como as respostas que receberam frente à violência de gênero sob uma perspectiva legal, por parte das autoridades policiais e plataformas digitais”.

Um relatório abrangente da pesquisa, intitulado “Mudando realidades, mudando internets [3]“, tem o objetivo de apresentar normas formuladas a partir de estudos baseados em evidência que impulsionarão a igualdade digital, explicou Neema Iyer, fundadora da organização tecnológica Pollicy, e quem liderou o projeto de pesquisa.

“Queremos entender como a violência de gênero na internet se manifesta na África e como empresas de tecnologia, que geralmente têm sede fora do continente, respondem a essa violência”, disse. 

Violência de gênero on-line é aquela que se baseia em sexo ou identidade de gênero para escolher seus alvos, ou aquela que impõe normas de gênero nocivas, incluindo atos como perseguição, vigilância constante, bullying, assédio sexual, tráfico de pessoas, difamação, hackeamento, discurso de ódio, abuso e outros comportamentos de dominação.

Pollicy, baseada em Kampala, na Uganda, trabalhou nessa pesquisa em parceria com a Feminist Internet Research Network, que faz parte da Association for Progressive Communication e com financiamento da International Development Research Centre.

O site Survival Guide to Being a Woman on the Internet [2] (Guia de sobrevivência da mulher na internet) inclui um “bot” que apresenta as descobertas da pesquisa por meio de narração interativa.

O estudo revelou que 28% das mulheres entrevistadas tiveram experiências com algum tipo de assédio on-line. Cerca de 41% das entrevistadas acreditavam que seu gênero foi o principal motivo para os ataques.

“Ameaças on-line vêm principalmente de trolls organizados. Já recebi ameaças de morte”, disse uma mulher do Quênia. “Eles fazem campanhas e levantam hashtags, então ficam bradando contra mim o dia inteiro. Esses insultos se baseiam no fato de eu ser mulher, na minha anatomia, na minha família”.

Em alguns países como a Etiópia, 90% das entrevistadas que passaram por violência on-line não sabiam quem eram os feitores ou descobriram que os feitores eram desconhecidos, e era difícil determinar o criminoso inicial.

A violência de gênero on-line traz estragos enormes à saúde mental das vítimas, incluindo depressão, ansiedade e medo, que perseguem as vítimas em suas vidas fora da internet em casa, na escola, no trabalho e em outros espaços sociais.

Captura de tela de “Mudando realidades, mudando internets”, 2020.

“Leis não estão funcionando na proteção das mulheres”

Apesar de 71% dos casos de assédio on-line acontecerem no Facebook, os resultados mostraram que até 95% das mulheres não estavam cientes das políticas e leis aplicáveis à proteção de mulheres contra violência de gênero on-line. 

Cerca de 15% das mulheres entrevistadas disseram que deletaram ou desativaram suas contas, enquanto 12% pararam de usar certo serviço digital depois de passar por casos de violência virtual. 

“As mulheres não denunciam nem mesmo a violência doméstica devido à cultura e aos costumes”, disse uma mulher da Etiópia. “Imagine uma mulher denunciando violência de gênero na internet. Eles vão fazer piada de você e dizer que volte quando um caso de violência de verdade acontecer”, concluiu.

O relatório afirma que “em geral a violência on-line contra a mulher é banalizada e as autoridades não agem com ações punitivas efetivas, situação agravada pela culpabilização da vítima”.

O relatório também confirma que a maioria dos países africanos “não tem uma legislação específica ou estratégias contra violência de gênero on-line. As medidas preventivas para detectar casos de violência de gênero na internet são insuficientes.

Cortesia da Pollicy.

Em parceria com a Internews, a Pollicy analisou as leis em casos de violência de gênero on-line [5] em cada um dos cinco países e descobriu que “os casos raramente chegam ao tribunal”, limitando muito qualquer análise sobre o enquadramento legal atualmente.

No entanto, todos os países aprovaram o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, “que exige explicitamente que os estados garantam que homens e mulheres usufruam igualmente dos direitos” que lá constam, de acordo com a análise legal.

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, também assinada pelos cinco países, impõe direitos iguais independentemente do sexo.

A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres também foi aprovada, mas Etiópia, Quênia e Uganda não ratificaram o tratado opcional que permite aos comitês da Convenção intimarem e ouvirem queixas.

Em direção a um futuro ciberfeminista

A branquitude e a masculinidade inerentes da internet hoje perpetuam a desigualdade e amparam estruturas patriarcais que oprimem mulheres e minorias sexuais.

Em contrapartida, o ciberfeminismo “oferece um espaço para o pensamento feminista criticar, imaginar e recriar”. Extraindo ideias do pensamento feminista negro e da teoria da tecnologia feminista, o relatório encoraja as mulheres no centro como “protagonistas em ‘afrofuturos’ dominados pela tecnologia”.

“Como podemos criar uma internet feminista?”. Cortesia da Pollicy.

Iyer diz que existe uma necessidade urgente dos recursos de segurança digital serem adaptados a contextos e línguas locais, e de que esses conceitos sejam amplamente conhecidos através dos currículos escolares. 

Outras recomendações incluem o treinamento de autoridades policiais em como lidar com violações relacionadas a violência de gênero e em como orientar mulheres que escolheram denunciar.

Os países africanos também precisam adotar e pôr em prática as leis de proteção de dados e privacidade de forma adequada.

“Quando imaginamos nosso futuro afrofeminista, precisamos pensar em uma internet onde tanto desenvolvedores quanto usuários entendam a interseccionalidade das experiências da vida de uma mulher africana”, completou Iyer.