Milhares de salvadorenhos enfrentam a COVID-19 sem água corrente para lavar as mãos

Imagens de um vídeo do canal de notícias EFE no Twitter, 19 de agosto de 2020.

Um dos aspectos mais importantes para a prevenção da COVID-19 é lavar as mãos regularmente, no entanto, centenas de salvadorenhos estão enfrentando a COVID-19 sem acesso confiável à água potável. Segundo as Nações Unidas, mais de 600.000 pessoas não possuíam acesso a água potável e serviços de saneamento básico em 2016, e mais de 1 milhão de pessoas têm apenas acesso a serviços precários de água. Segundo os artigos, essa situação provavelmente piorou devido à pandemia.

Rosa Amélia Mendoza, de 45 anos e mãe de três crianças, moradora de Colonia Altavista, um município a 15 quilômetros de distância de San Salvador, não tem água corrente em sua casa desde o início da pandemia, em março de 2020. Na verdade, ela não teve água corrente em casa durante 2 anos. Falando com a Global Voices pelo telefone, ela disse:

“Yo tengo miedo por mi familia, todos nos recomiendan que nos lavemos las manos con regularidad, sólo para asegurarnos de que el virus no nos llegue. Pero, ¿cómo puedo hacer eso si no hay agua para hacerlo? No hay ningún río o pozo cercano al que podamos ir a traer agua, y no tenemos los recursos para pagar un camión cisterna con regularidad. En este momento no estoy trabajando.”

Eu temo pela minha família, todos nos recomendam lavar as mãos com frequência, para assegurar que o vírus não chegue até nós. Mas, como eu posso fazer isso se não há água? Não há rios ou poços próximos em que possamos pegar água, e não temos meios para pagar um caminhão de água. Agora, eu não estou trabalhando.

A história de Rosa Mendonza é parecida com a de milhares de pessoas em comunidades na capital San Salvador e periferia. Algumas das cidades mais afetadas são Ilopango, Mejicanos, Soyapango, Ciudad Delgado, Altavista, e algumas partes de San Salvador, onde muitas pessoas da classe trabalhadora vivem. Segundo a Agência de Notícias EFE, umas dessas comunidades, Soyapango, tem a segunda maior taxa de contágio de COVID-19 no país.

Embora a falta de água não seja um problema novo, a COVID-19 apenas agravou a situação, já que a água é essencial para as medidas de prevenção contra o vírus. O jornalista Santiago Leiva contou à Global Voices via texto:

“El agua es un tema tan oxidado como las cañerías que la sirven ocasionalmente, y es tan profundo, que a pesar de las protestas de calle que se hicieron en el pasado nunca hubo eco en los gobiernos pasados, y sigue siendo un líquido que aún no termina de privilegiar a toda la población.”

A água é um assunto tão enferrujado quanto os encanamentos. E é tão profundo que apesar dos protestos de rua que fizeram no passado, nunca foi solucionado pelos governos passados, e continua sendo um líquido que ainda não privilegia toda a população de El Salvador.

Qual é a origem do problema da água em El Salvador?

O acesso à água não é legalmente reconhecido como um direito humano em El Salvador e o país ainda corre o risco de sofrer uma seca. Embora a falta de regulamentação da água e as mudanças climáticas sejam os dois motivos para a escassez de água, nas áreas urbanas, o problema é relacionado a falta de serviços públicos. As comunidades de El Salvador mencionadas acima se abastecem da antiga estação de tratamento de água de Las Pavas, que deveria ter saído de uso ou ter sido modernizada há muitos anos com os fundos aprovados pela Assembleia legislativa em 2012, 2016 e 2018. As obras nunca foram concluídas.

Las Pavas é a única estação que abastece a região metropolitana da grande San Salvador. Porém, atualmente, a estação não está produzindo suficiente água limpa para um milhão de pessoas que dependem dessa água. Se quebrasse durante a pandemia, como aconteceu em janeiro de 2020, seria ainda mais desastroso.

Denúncias e casos de corrupção estão presentes desde a metade da década de 1990 dentro da entidade responsável pelos serviços de água (Administración Nacional de Acueductos y Alcantarillados ou ANDA). Carlos Perla, presidente da ANDA de 1994 até 2002, por exemplo, acabou de cumprir uma pena de 15 anos de cadeia por corrupção. Recentemente, Frédérick Benites, presidente da ANDA durante o governo de Nayib Bukele, informou ao Procurador Geral de El Salvador sobre anos de casos graves de má gestão dos fundos públicos no valor de milhões de dólares.

Encontramos uma má gestão nos últimos 15 anos, e por isso agora temos um déficit anual de $33 milhões.

O governo de Nayib Bukele afirmou que Las Pavas não recebeu manutenção adequada desde quando Fernando Flores foi presidente, de 1999 até 2004. O presidente Bukele publicou fotos e explicou como a negligência e a corrupção dos últimos 30 anos levaram a estação de Las Pavas à situação atual.

Só de ver as fotos, eu disse a eles: ‘Como é possível isso aqui? Podem imaginar os danos à saúde que estão causando às pessoas? Por isso há tanta insuficiência renal, por isso tantos problemas de estômago’.

Água engarrafada como resposta de emergência

O estado, através da ANDA, está distribuindo água engarrafada para as comunidades afetadas juntamente com caminhões de água. O governo também planejou a escavação de novos poços para fornecer água sem depender de Las Pavas. Segundo sua página oficial, a ANDA também está modernizando os equipamentos de Las Pavas. Tudo isso é parte do novo “Plano nacional de água” do governo. Em 18 de agosto, a ANDA tuitou:

Periodicamente, nosso departamento de caminhões-pipa e de água engarrafada permanece abastecendo com água potável os usuários de Sierra Morena 2.
Hoje, realizamos a entrega de 25.000 garrafas de água.
Continuaremos ajudando as áreas com abastecimento irregular.

No entanto, os moradores de Colonia Altavista reclamaram sobre a falta de serviços. Mendoza, que recebeu água engarrafada, é uma das pessoas frustradas. Ela disse:

La pipa de agua llega quizás una vez al mes, lo que no es suficiente para sobrevivir todo el mes. Estoy tan frustrada y enojada que estoy considerando dejar El Salvador una vez que termine la pandemia. La única razón por la que no me he ido a los Estados Unidos es que tengo niños pequeños.

O caminhão de água vem uma vez ao mês, o que não é suficiente para sobreviver o mês todo. Eu tão frustrada e irritada que estou considerando deixar El Salvador quando a pandemia acabar. O único motivo de eu não ter ido para os Estados Unidos é porque tenho filhos pequenos.

Em janeiro, o presidente Bukele sugeriu reabrir um debate que já tem 14 anos sobre a possibilidade de tornar o acesso à água um direito humano e manter sua gestão nas mãos do setor público, o que limitaria sua privatização. Em 7 e 8 de setembro, uma comissão da Assembleia legislativa, liderada pela oposição, começou a estudar propostas de lei. Talvez no futuro, os salvadorenhos tenham acesso à água para beber e lavar as mãos.

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