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Namíbia: por que os direitos das mulheres e os direitos digitais andam de mãos dadas no Twitter

Categorias: África Subsaariana, Namíbia, Arte e Cultura, Ativismo Digital, Censorship, Desenvolvimento, Direitos Humanos, Governança, História, Ideias, Juventude, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Mulheres e Gênero, Política, Saúde, Tecnologia, GV Advocacy

Cidadã se comunicando com seu celular. Foto via MaxPixel/Creative Commons zero – CCO.

Na Namíbia, em meio à quarta onda de feministas [1]na era da tecnologia, ativistas se reuniram em redes sociais como o Twitter para organizarem uma campanha on-line com o objetivo de legalizar o aborto.

Como parte da campanha, as ativistas feministas lançaram e disseminaram uma petição on-line [2]pedindo a legalização do aborto e obtiveram mais de 61.000 assinaturas até 14 de agosto. Com cerca de 2,2 milhões de cidadãos, isso é mais ou menos 3% da população da Namíbia.

A campanha provocou uma onda de ataques contra as ativistas feministas, principalmente por parte das comunidades conservadoras que acreditam que as mulheres deveriam abster-se do sexo e cumprir sentença de prisão se abortassem. Porém, como resultado da petição, o parlamento concordou em discutir as leis governamentais ultrapassadas da Namíbia em relação ao aborto.

O enorme sucesso da petição é o resultado de uma longa luta, explica Merja Wolf, [3] feminista e editora-chefe do Informanté. “Estou constantemente sob ataque, todos os dias há brigas no Twitter”, disse Wolf, que também contou à Global Voices que as feministas ativistas enfrentam assédio virtual diariamente.

O Twitter permite aos usuários bloquear ou reportar os autores do assédio virtual, mas essas ferramentas não são sempre suficientes para diminuir os danos, e os estudos [4] mostram que as mulheres têm mais chances de sofrer assédio virtual no Twitter do que os homens de forma desproporcional.

Para Wolf, uma linha pessoal foi cruzada quando um troll foi atrás de seus filhos, fazendo com que ela se afastasse do Twitter. “Mas os trolls e os misóginos precisam entender uma coisa”, continua, “Eles não enfrentam só a mim. Se eu sair do Twitter, ainda há muitas de nós que o utilizam. Somos em grande número”, disse.

Ela decidiu ficar no Twitter, apesar do assédio virtual diário que ela e outras feministas enfrentam na luta para a legalização do aborto. No entanto, recentemente, Wolf desativou sua conta por motivos pessoais que não estão relacionados com a política.

Até hoje, o aborto é regulamentado [5] pela Lei de Aborto e Esterilização da África do Sul de 1975. Só é legalizado nas seguintes condições: quando a vida da mãe corre risco, ou sua saúde física ou mental; se a criança sofrer de alguma deficiência; quando a gravidez é resultado de estupro ou incesto; ou quando a mulher tem alguma deficiência ou condição de saúde mental que a impeça de compreender o que é uma gravidez.

Uma guerra de tuítes

As comunidades cristãs e conservadoras da Namíbia opõem-se firmemente à petição, pedindo que as leis do aborto na Namíbia continuem. Os membros destas comunidades lançaram uma petição para rejeitar a legalização do aborto na Namíbia.

O internauta Bashupi promoveu a petição contra a legalização do aborto na Namíbia:

MINHA VIDA É MINHA.
Pro-Life Namíbia “Rejeitem a legalização do abordo na Namíbia”.

—————

Por favor, ajude a salvar a vida dos fetos desses espíritos maus que estão forçando o governo a legalizar o aborto. Assine e salve uma vida.

O The Namibian [9], o maior jornal do país, publicou vários tuítes nos quais se destacava o movimento antiaborto na Namíbia, e sua conta no Twitter [10] reflete alguns dos valores mais conservadores da sociedade namibiana sobre o aborto:

‘NÃO AO ABORTO'… Hoje, os pró-vida protestaram no centro da cidade de Windhoek contra os pedidos para o aborto ser legalizado no país. O grupo gritou ‘Nós escolhemos a vida’, enquanto seguravam cartazes que diziam que o aborto ‘mata crianças’ e considerando o ato como ‘assassinato’

Vídeo: Arlana Shikongo.

Em resposta, Abigail Buitumelo postou a petição para legalizar o aborto.

A petição é tendência.

Mas o usuário D'Mbukushu respondeu:

Prendam todos que façam aborto!!!

E Yvonne tuitou orações para aqueles que apoiam a questão do aborto:

Vimos os Pró-Vida ajoelhados rezando contra os pedidos para legalizar o aborto na Namíbia. Alguns tinham Bíblias.

Vídeo: Nomhle Kangootui

——–

Deus Todo Poderoso, escute as nossas orações e não permita que isso aconteça. Por favor, perdoe aqueles que trazem essas ideias para a Vossa nação, em nome de Jesus, NÃO ao aborto. NÃO ao aborto na Namíbia.

O usuário “Refuse2sink95″ fez um comentário irônico sobre aqueles que querem legalizar o aborto:

Vocês querem legalizar o aborto e continuam celebrando seus aniversários.
Sexo e responsabilidade 33,3%
Abstinência e sexo seguro 66,7%

E o usuário Alie Epata sugeriu uma alternativa para o aborto:

Parem de fazer sexo para evitar vidas indesejadas. Usem contraceptivos se não conseguem parar. Não criem uma vida apenas para matá-la porque podem.

Para Wolf, no entanto, o debate sobre o aborto está ligado ao feminismo, e feminismo significa uma coisa: “Fazer a sociedade mais igualitária e melhor para homens e mulheres”, disse à Global Voices. Infelizmente, esse conceito ainda é negado na sociedade da Namíbia, onde a violência de gênero continua sendo um dos problemas mais persistentes.

Wolf atribuí o poder das redes sociais para o sucesso da petição.

We are becoming more and more aware of feminism as a society and our numbers are growing on social media such as Twitter. It has the advantage over Facebook because, when someone retweets my statements, it allows messages to spread a lot faster through different audience groups.

Estamos nos tornando cada vez mais conscientes do feminismo como sociedade e nossos números estão crescendo nas redes sociais, como o Twitter. O Twitter tem vantagem em relação ao Facebook porque quando alguém tuita minhas declarações, permite que as mensagens se espalhem muito mais rápido através de diferentes grupos de pessoas.

Direitos digitais e desigualdade de gênero na Namíbia

Expressar ideias feministas on-line é um ato de liberdade e que deveria ser protegido no âmbito dos direitos digitais, e principalmente no acesso à informação, privacidade e liberdade de expressão.

Mas o assédio virtual e a violência de gênero criam um ambiente inseguro para que as feministas e ativistas expressem suas ideias, se organizem e criem campanhas.

Na Namíbia, não há leis que criminalizem a violência cibernética e o assédio virtual.

Uma análise [20] sobre a tecnologia da informação e comunicação publicada pelo Namibian Media Trust [21] (NMT) afirma que a Namíbia não tem “políticas de proteção de dados pessoais e muito menos estatutos promulgados”.

Na análise, o NMT defende uma abordagem baseada nos direitos da regulamentação da internet, importante para a liberdade de expressão e ao direito do acesso à informação. Entre os direitos previstos na Declaração Africana de Direitos na Internet [22] estão igualdade de gênero e proteção de grupos marginalizados ou em situação de risco, os quais a Namíbia não cumpre, segundo o NMT.

Além disso, muitas mulheres vivem sem acesso à internet.

O internet Society Chapter Namibia [23] apresentou o Relatório de direitos on-line das mulheres em junho de 2020, [24] e destacou que apenas 47% das mulheres da Namíbia possuem acesso à internet.

De acordo com o relatório, não havia políticas nacionais para reconhecer a regulamentação das TIC como oportunidade de lutar contra a desigualdade de gênero.

Além disso, o relatório afirma que um gigabyte de dados na Namíbia custa mais ou menos 8% de um salário mínimo médio e que 70% das escolas na Namíbia não possuem acesso à internet. Isso demonstra que o acesso à informação na internet ainda é um grande problema na Namíbia e um desafio em termos de aumentar o movimento feminista no espaço digital.

Fazer com que a internet seja um lugar seguro para as mulheres

Melhorar o acesso é o primeiro passo, mas a segurança on-line precisa ser garantida para que as mulheres também acabem com a desigualdade de gênero.

O Relatório sobre os direitos on-line das mulheres em 2020 [25] dá à Namíbia uma baixa pontuação de 2/10 em termos de segurança on-line para as mulheres, justificada pela falta de uma lei de proteção de dados, o que significa que pode não haver consequências legais para o discurso de ódio sexualizado e para a difusão não autorizada de imagens.

Embora as redes sociais tenham aberto novas possibilidades para o feminismo, principalmente no contexto da Namíbia, as mulheres precisam saber que as autoridades locais irão intervir para protegê-las.

Em termos gerais, o sucesso da petição mostrou o poder e o impacto do ativismo on-line.

“Se alguém quer subestimar o poder das redes sociais, pense melhor”, disse Wolf.