O dia 6 de agosto marcou o 195º aniversário do Dia da Independência da Bolívia; a data também suscitou críticas de internautas indígenas aimarás sobre a alegada corrupção no governo transacional de Jeanine Añez, assim como sua negligência às questões de saúde e educação. Muitos também questionaram a relevância do Dia da Independência da Bolívia para os povos nativos da região.
Cerca de 3 milhões de pessoas que se identificam como aimarás vivem em quatro países andinos: Bolívia, Peru, Chile e Argentina. Na Bolívia, aproximadamente 62,2% da população se identifica como indígena.
Depois da independência do domínio colonial espanhol, o abuso de poder contra os aimarás e outros povos nativos continuou até a revolução nacional de 1952, quando o sufrágio universal e a reforma agrária, entre outros direitos, foram conquistados por meio de lutas sociais. Entretanto, a desigualdade e o racismo contra povos nativos continuam até hoje.
Uma pesquisa sobre a história, tecnologia, agricultura e organização política aimará, feita por estudiosos aimarás, apresenta uma perspectiva oposta às narrativas sobre eles escritas por estudiosos não indígenas. Líderes e professores aimarás continuam a afirmar que crioulos (ou povos não indígenas) têm escondido ou menosprezado conhecimentos derivados da nação aimará em suas publicações sobre a história da Bolívia.
Elias Ajata Rivera, linguista aimará, gerencia a página de língua e cultura aimará no Facebook, “Aymar Yatiqaña”, onde compartilhou sua crítica sobre as celebrações do dia da independência da Bolívia:
Na imagem lê-se, “Akanx janiw aka markanakan urupax amtatäkiti ¿KUNATA?”, traduzido como “Nesta página não comemoramos os dias da independência destes países. POR QUÊ?”. Ajata continua dizendo:
Porque los días en que estos países celebran su independencia no fueron independencia para los aymaras. Las condiciones de explotación continuaron o empeoraron para nosotros.
Porque a independência que é comemorada nestes países não representa independência para os aimarás. As condições de exploração continuaram ou até pioraram para nós.
Ajata explica que, durante o período pós-colonial, os aimarás foram forçados a trabalhar como “pongos” (trabalhadores domésticos e agricultores indígenas), eles eram massacrados “a bel prazer de seus patrões”, e tinham que pagar “taxas indígenas“. Ele escreve:
La independencia de estos países donde vivimos los aymaras no fue la liberación del aymara, fue un cambio de “amo”, pasamos de los abusos de los españoles a los abusos de sus hijos.
A independência destes países onde nós, os aimarás, vivemos não significou a nossa libertação. Para nós, foi apenas uma troca de “donos”, de ser maltratado pelos espanhóis a ser maltratado por seus descendentes.
De acordo com Ajata, as lições de história bolivianas glorificam líderes crioulos como Simón Bolivar e Antonio José de Sucre como libertadores; no entanto, a sobrevivência do atual povo aimará foi na realidade graças a líderes indígenas como Tupak Katari, Zarate Willka e Santos Marka T’ula. Simón Bolivar, fundador das repúblicas da Grã-Colômbia e da Bolívia, achava que o povo indígena era “… mais ignorante do que a raça vil dos espanhóis”.
Em outro comentário criticando as comemorações do Dia da Independência Boliviana, os pesquisadores aimarás Pablo Mamani e David Quispe compartilharam a seguinte mensagem em suas páginas no Facebook:
Bolivia es inviable sin los indios, salvajes, alteños, masistas…195 años de la republica neocolonial no enseñó nada?
Geplaatst door Pablo Mamani Ramirez op Woensdag 5 augustus 2020
A Bolívia não sobreviveria sem os índios, os selvagens, os alteños, os masistas…
195 anos de república neocolonial não ensinaram nada?
O termo “Alteño” refere-se aos habitantes da cidade vizinha a La Paz, El Alto, cuja maioria da população é aimará e quéchua. “Masistas” é o nome dado aos seguidores do partido de Evo Morales, Movimento para o Socialismo (MAS), que é atualmente associado à comunidades aimará e quéchua que não concordam com o atual governo transacional de Añez. Esses termos têm sido usados na mídia em referência, principalmente, aos aimarás e aos quéchuas. Mamani e Quispe acreditam que a Bolívia não seria a mesma sem os povos indígenas.
Essas são apenas algumas das visões que questionam a ideia de “bolivianidade” ou o estado e o sentimento de ser boliviano, o que algumas críticas dizem ser opressivo a outras culturas dentro do país.
Esse criticismo à bolivianidade é reforçado pelo líder social e professor universitário aimará Felipe Quispe Huanca, também conhecido como “El Mallku” (“condor dos Andes”). Durante um debate televisivo, ele deu fortes declarações contra a estrutura política da bolivianidade:
“No soy boliviano… soy del Qullasuyu, de la nación aymara…tengo idioma, religión, territorio, filosofía…no me gusta vivir bajo la manga del opresor”
Eu não sou boliviano… sou de qullasuyo, da nação aimará… tenho idioma, religião, território, filosofia… eu não gosto de viver oprimido.
Essas palavras geraram críticas de políticos conservadores cristãos e da mídia, que o vê como um “instigador do ódio entre bolivianos”. Por outro lado, ele é apoiado por muitos nativos.
Em sua página pessoal do Facebook, um dos antigos vice-reitores da Universidade Pública de El Alto (UPEA), Qhisphiyir Qhisphi, explicou:
“Nada que celebrar 195 años de bolivia, continúa la masacre y el genocidio llegados hace 488 años a estas tierras con la invasión, ejercidos con la colonización, practicados en la república… continuados en el estado. osan decir “independencia”, pero hay extranjeros gobernando con dictadura y tiranía.”
Não há nada para comemorar no 195º aniversário da Bolívia. O massacre e o genocídio que a invasão trouxe a essas terras há 488 anos continua, realizados durante a colonização, praticados na república… e mantidos pelo estado. Ousam dizer “independência”, mas há estrangeiros governando com ditadura e tirania.