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No norte da Síria, a COVID-19 agrava crise humanitária já existente

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Síria, Desastre, Direitos Humanos, Esforços Humanitários, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Política, Refugiados, COVID-19

Foto do norte da Síria, da cidade de Idlib, logo após um míssil russo destruir um bairro em 14 de março, causando a morte de 10 civis. O jovem da foto disse ao fotógrafo que ele tinha acabado de perder sua família. Foto de Mousa Mohamed, usada com autorização.

O contínuo conflito armado [1]na Síria desalojou mais de 1.6 milhões de pessoas, e a maioria fugiu para o norte do país. A crise humanitária catastrófica resultante foi agora agravada pelo impacto da COVID-19 na região.

Em Idlib [2], região do norte da Síria, os moradores já enfrentam condições difíceis diariamente. Embora Idlib tenha confirmado [3] apenas um caso de Covid-19 em julho, muitos fatores contribuem para o aumento das tensões, um deles é a contínua e deliberada violência causada na infraestrutura vital de Idlib pela aliança militar sírio-russa que destruiu completamente seu sistema de saúde [4].

Segundo a Human Rights Watch, [5] “O norte da Síria não está preparado para enfrentar a pandemia de Covid-19″.

Hani al-Hariri, um ativista do sul da Síria atual morador de Idlib, disse à Global Voices que seria catastrófico se a COVID-19 chegasse ao norte da Síria, onde as pessoas desabrigadas mal [6] têm acesso às necessidades básicas, como sistema de saúde, água e comida, o que torna a manutenção do distanciamento social e da higiene quase impossível.

Crianças pagam o preço mais alto da guerra

Em Idlib, as crianças frequentemente pagam o preço mais alto da guerra. A guerra levou cerca de 190.000 crianças [7]órfãs para as ruas para se defenderem sozinhas nas ruínas de Idlib. No total, estima-se que 290.000 crianças [8] ficaram desabrigadas repetidamente devido a violência no norte da Síria.

Jamil al-Hassan, um ativista sírio e jornalista [9] de Idlib, tem realizado trabalho humanitário há muitos anos nas regiões controladas pelos rebeldes. Ele conversou com a Global Voices sobre algumas de suas experiências. Os nomes mencionados em seu testemunho foram alterados para proteger suas identidades:

أحمد، وصلاح، وعبد الله، هم ثلاث أطفال دون سن العاشرة من العمر من حلب وإدلب فقدوا عائلاتهم في الحرب التي بدأت في عام 2011، أي من يقارب العشر سنوات، ولم يعد لهم أي قريب يعتمدون عليه سوى بعضهم البعض، أو أي ملجأ يؤوون اليه سوى قارعة أحد طرق إدلب.  وجدتهم في إحدى جولاتي اليومية، وشاركت الفيديو عبر صفحتي على تويتر [10]، بهدف إيجاد طريقة لمساعدتهم.

Ahmed, Salah e Adbullah são 3 crianças com menos de 10 anos de idade, de Aleppo [11] e Idlib [12], que perderam suas famílias em uma guerra que começou em 2011, quase 10 anos atrás. Deixados sem ninguém em quem contar, exceto eles mesmos, seu único refúgio tem sido as calçadas de Idlib. Eu os conheci durante um dos meus passeios pela cidade, e compartilhei um vídeo na minha conta do Twitter esperando encontrar uma maneira de ajudá-los.

Aqui está o vídeo mencionado por Hassan:

Crianças desabrigadas, qualquer que seja o motivo, são crianças inocentes desabrigadas, que não têm culpa nenhuma. Ajude.

Hassan acrescentou que a situação no noroeste da Síria é catastrófica, e que poderia piorar com a disseminação da COVID-19. Ele explicou:

منظر أطفال نائمين في الشوارع أصبح متكررا.  كل سكان إدلب في وضع حرج، ولكن الأطفال في الشوارع هم الأكثر عرضة للخطر في حال انتشار فيروس كورونا لأنه  لا توجد أي وسيلة لحمايتهم.

Crianças dormindo nas ruas se tornou algo frequente. Enquanto todos os moradores de Idlib enfrentam uma situação crítica, as crianças que vivem nas ruas estão particularmente em risco quando a COVID-19 começar a se espalhar, já que não há como protegê-las.

Condições precárias para os refugiados

O desastre humanitário em Idlib é consequência de uma série de campanhas militares lideradas por países que apoiam o governo de Bashar al-Assad: Rússia [17] e Irã [18] de um lado, e Turquia [19] do outro lado, que inicialmente apoiava o Exército Livre da Síria, [20] uma força opositora fundada por desertores militares sírios, mas desde agosto de 2016 passou a ter um papel próprio no conflito.

Idlib é uma das últimas regiões em que rebeldes e jihadistas tentam depor o governo de Assad, que agora controla 64 por cento [21] da Síria e esteve sob controle [22] de facções rivais opositoras desde 2015. A região abriga mais de 4.5 milhões [7] de pessoas, incluindo cerca de 1.6 milhões de refugiados nacionais desalojados, a maioria mulheres e crianças oriundas de várias partes da Síria.

Essas repetidas campanhas causaram extremo sofrimento aos sírios.

Entre dezembro de 2019 e março de 2020, centenas de civis morreram e quase um milhão de pessoas foram forçadamente desalojadas devido a bombardeios aéreos, explosões, prisões, tortura e saques, segundo um relatório [23] publicado em 7 de julho pela Comissão investigativa da Síria da ONU. Os comentários da relatório podem ser lidos neste tuíte.

Comentários iniciais de Paulo Pinheiro, presidente da Comissão Investigativa da Síria das Nações Unidas @UNCoISyria, na coletiva de imprensa, para apresentar seu novo relatório.

Entre dezembro de 2019 e março de 2020, pessoas desalojados refugiaram-se em campos superlotados entre a fronteira da Turquia e o norte da Síria, em busca de proteção. Nesses lugares inóspitos [27], os refugiados são expostos a temperaturas abaixo de zero durante o inverno, e acabam improvisando tendas e abrigos o que o secretário geral para Assuntos Humanitários, Mark Lockock [28] descreveu como “o grande horror da história da humanidade do século 21″.

Em 28 de junho, durante uma ligação telefônica com a Global Voices, Hariri, que é voluntário de uma organização [29] que reúne pessoas de Daraa, no norte da Síria, disse que “as tendas não protegem do calor do verão e do frio do inverno”. E acrescentou que as tendas pegaram fogo devido às altas temperaturas que ultrapassaram 40 graus Celcius, porque as pessoas cozinhavam dentro das tendas. No inverno a situação não melhora, porque as pessoas queimam roupas e sapatos, em tentativas desesperadas de produzir calor sob temperaturas abaixo de zero. Hariri disse:

 العيش في هذه الظروف المأساوية في الخيم يعد كارثي، لانها غير صالحة للسكن، وإنما تعتبر حل اسعافي مؤقت لمن فقد منزله

Morar nessas tendas em condições trágicas é desastroso porque elas são inabitáveis e consideradas como uma solução temporária de emergência para aqueles que perderam suas casas.

Os incidentes das tendas queimadas foram mostrados nas redes sociais:

Uma criança foi queimada como resultado de uma tenda que pegou fogo no campo do norte de Idlib, próximo a Kafrlosen. Deus, por favor, ajude.

De mal a pior

Enquanto isso, a organização sem fins lucrativos Save the children revelou [33] que mais de 200.000 pessoas, metade das quais são crianças, deixaram os campos no norte da Síria para outros locais ou voltaram para suas casas destruídas. Motivadas pelo acordo temporário de cessar o fogo [34], iniciado em 6 de março, essas famílias enfrentam a difícil escolha entre enfrentar o vírus ou enfrentar a guerra.

Save the Children tuitou:

A situação das crianças e de suas famílias no noroeste da Síria é de cortar o coração. Elas tiveram que escapar de ataques intensos e agora são forçadas a fugir do coronavírus.

“Elas não tem para onde ir, além dos destroços de suas casas.” Sonia Khush

Essas famílias enfrentam condições difíceis [33] devido a crise econômica. Isso inclui a incapacidade de ter acesso a serviços essenciais como eletricidade, água e internet. Contudo, elas continuam sobrevivendo a cada dia, enquanto enfrentam um futuro incerto em meio a uma guerra indireta no território de Idlib a custa de civis inocentes.

Enquanto o mundo todo dedica vários recursos [39]para enfrentar a pandemia, o regime de Assad, em cooperação com seus aliados, dedica seus recursos para matar, desalojar e deixar as pessoas com fome. Com cerca de 4.5 milhões de pessoas em Idlib que ainda sofrem pela guerra, agora prevê-se as consequências de outra catástrofe humanitária inevitável.