- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

“Hiroshima Timeline” utiliza tuítes para retratar experiências em tempo real do primeiro bombardeio atômico do mundo

Categorias: Leste da Ásia, Japão, Guerra & Conflito, História, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo
Hiroshima Timeline NHK on Demand [1]

Captura de tela do documentário “Hiroshima Timeline” [1] do NHK on Demand.

Em razão dos 75 anos do bombardeio atômico de Hiroshima [2], em 6 de agosto de 1945, o canal aberto japonês NHK lançou uma forma inovadora de recordar o primeiro uso de armas nucleares no mundo.

O projeto “E se existissem redes sociais em 1945? [3]” (もし、75年前にSNSがあったら) utiliza tuítes imaginários baseados nas anotações dos diários de três pessoas que viveram o bombardeio de Hiroshima. Três contas do Twitter, criadas para este projeto, publicam uma cronologia de tuítes em tempo real, antes, durante e depois do ataque à cidade japonesa.

Os tuítes de Yasuko foram retirados de anotações referentes a 1945 do diário de Imai Yasuko, então com 26 anos. Seu diário (escrito em japonês), do período de 1º a 7 de agosto de 1945, pode ser consultado neste link: ?
https://www.nhk.or.jp/hibaku-blog/timeline/genbun/yasuko/434035.html [7]

Decidiu-se utilizar as anotações do diário para este projeto depois que três mulheres, atuais moradoras de Hiroshima, leram as anotações e divulgaram sua importância.

Com três contas no Twitter, o projeto “Hiroshima Timeline” [Cronologia de Hiroshima] acompanha a vida em 1945 de Koichiro Osa (@nhk_1945ichiro [8]), jornalista do Chugoku Shimbun de 32 anos, da dona de casa Yasuko Imai (@nhk_1945yasuko [9]), de 26 anos, grávida do primeiro filho, e de Shunichiro Arai (@nhk_1945shun [10]), de 13 anos, aluno da escola secundária.

Em 6 de agosto de 1945 [11], nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, um avião norte-americano lançou uma bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima [2], no oeste do Japão. Morreram de forma instantânea mais de 80.000 pessoas [12], 30% da população de Hiroshima naquele momento, e grande parte da cidade ficou totalmente destruída. Três dias depois, em 9 de agosto, a cidade de Nagasaki [13] sofreu um ataque similar.

Para o projeto “Hiroshima Timeline” foram lançadas três contas do Twitter no final de março de 2020, com um formato retrospectivo para publicar observações e experiências do cotidiano de 75 anos atrás, nos meses anteriores ao bombardeio de 6 de agosto de 1945.

Em abril daquele ano, Shunichiro Arai acabava de entrar na escola secundária e ainda estava aprendendo como funcionavam as coisas.

(26 de abril de 1945)

Hoje, na aula de matemática aprendemos como calcular áreas. Deixei minha borracha preferida com o chefe da turma (級長). Embora tenha prometido devolvê-la depois da aula, ele disse que a borracha havia “desaparecido”. Por se comportar de uma maneira tão descuidada, não me surpreende que todo mundo diga que ele é um idiota.

Segundo um artigo do Tokyo Shimbun [15], o projeto “Hiroshima Timeline” foi supervisionado pelo dramaturgo Yaginuma Akinori [16]. Cidadãos de Hiroshima, de diferentes idades e de todos os âmbitos da sociedade, participaram do projeto e ajudaram a escrever os tuítes. Os participantes leram jornais da época para entender a vida, a personalidade e a sensibilidade das três pessoas envolvidas em “Hiroshima Timeline”.

Os tuítes foram publicados conforme as anotações correspondentes dos diários, porém, foram reescritos em uma linguagem mais acessível e contemporânea, com a intenção de apresentar ao grande público o que as pessoas comuns pensavam e sentiam durante a época da guerra.

O projeto também apresenta uma perspectiva testemunhal do dia 6 de agosto de 1945, quando um avião norte-americano lançou uma bomba atômica sobre Hiroshima.

O jornalista Koichiro Osa acabava de tomar o café da manhã em sua casa no subúrbio e se preparava para ir ao trabalho quando a bomba explodiu. Com a boca cheia de terra, a primeira coisa que fez foi certificar-se de que sua esposa estava a salvo antes de se aventurar até o centro da cidade.

(6 de agosto de 1945)

O que foi isso? Um fogo abrasador agita as águas do rio Sarugawa, berrando como um rugido dilacerante. É o inferno na Terra. Um enorme inferno ardente.

O estudante da escola secundária, Shunichiro Arai, também vivia na periferia de Hiroshima, mas já estava a caminho da escola quando a bomba explodiu. Assistiu às cenas apocalípticas enquanto caminhava pelas ruínas da cidade, como uma coluna de vítimas, com feridas e queimaduras graves, marchando lentamente.

(6 de agosto de 1945)

Rostos totalmente destruídos, narizes e olhos dizimados. Não é possível que sejam pessoas, ainda que tenham forma humana…

Yasuko, dona de casa cujo marido, recrutado pelo Exército, encontrava-se fora de Hiroshima, também sobreviveu à explosão inicial. “Hiroshima Timeline” descreve sua experiência em um tuíte que foi compartilhado milhares de vezes:

(6 de agosto de 1945)

Um incrível feixe de luz, um estrondo na terra, toda a casa balança enquanto os abajures explodem e as janelas estouram.

O realismo é tão forte que um leitor, preocupado, perguntou sobre o bebê que Yasuko esperava:

Yasuko-san! Está tudo bem com o bebê na sua barriga?

A conta do Twitter de Yasuko Imai foi administrada, em parte, por Naori Fukuoka, que vive em Hiroshima e cujos avós sofreram o bombardeio e posteriormente tiveram que conviver com a devastação e as dificuldades que persistiram durante anos após o final da guerra em agosto de 1945.

Em entrevista ao Tokyo Shimbun, Fukuoka disse [15]:

8月6日に焼け野原になってたくさんの人が亡くなったことだけが原爆じゃない […] ずっと放射能の怖さを感じ、大勢の死傷者を見たトラウマ(心的外傷)と生きなくちゃいけない。原爆とは何だったか、私たちが考え出すのはこれからだと思う.

A bomba atômica não matou somente as pessoas em um pedaço de terra arrasada em 6 de agosto de 1945 (…). Desde então, todos tivemos que viver com medo da radiação e, coletivamente, com o trauma dos resquícios de um massacre. Quando perguntam o que aconteceu nesse dia, depende de nós transmitir essa recordação.

O projeto “Hiroshima Timeline” continuará publicando tuítes baseados nos diários das três testemunhas até o final de dezembro de 2020.

O documentário “Hiroshima Timeline [3]” pode ser assistido on-line aqui [3].