- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

No Camboja, comerciante do Facebook é acusada de pornografia por usar “roupas sensuais”

Categorias: Leste da Ásia, Camboja, Direitos Humanos, Lei, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, GV Advocacy

[1]

Vann Rachana escoltada pela polícia após sua prisão. A Global Voices desfocou a foto da investigada. Fonte: página no Facebook da Polícia Municipal de Phnom Penh.

A polícia cambojana apresentou acusações de pornografia contra uma usuária do Facebook de 39 anos por vender produtos enquanto usava roupas sensuais, que supostamente comprometem os valores e a cultura Khmer.

No dia 17 de fevereiro de 2020, o primeiro-ministro Hun Sen participou da reunião anual do Conselho Nacional Cambojano para Mulheres, onde falou [2] sobre a necessidade de verificar e impedir mulheres de vender produtos no Facebook enquanto usam roupas que são contrárias à moralidade social ou aos “valores femininos do Khmer e a cultura Khmer”.

Dois dias depois, a polícia postou [3] na rede social que intimaram Vann Rachana (conhecida como Thai Srey Neang no Facebook) para a interrogar e instruir sobre sua página no Facebook que apresenta produtos como roupas íntimas para mulheres e acessórios de beleza. Em sua página no Facebook, ela aparece em um vídeo pedindo [4] ao público por perdão [5] e se comprometendo a parar de usar “roupas reveladoras”.

I am sorry. I hope the leader and public forgive me.

Please, other online sellers, take note of my case. It has caused the public to hate me and affected the honour and morality of women.

Eu sinto muito. Eu espero que o líder e o público me perdoem.

Por favor, demais vendedores on-line, prestem atenção ao meu caso. Isso fez com que o público me odiasse e afetou a honra e a moralidade das mulheres.

No dia 21 de fevereiro, a polícia disse que Rachana violou sua promessa ao postar outra foto “sensual” na página do Facebook. Ela foi presa e acusada [6] de pornografia por violar a lei do Camboja contra tráfico humano e exploração sexual. Se considerada culpada, pode ficar presa por 15 meses.

Em uma declaração [7] conjunta, diversos grupos de mulheres no Camboja criticaram as declarações do primeiro-ministro e as ações da polícia. Elas lembraram às autoridades de que não há nenhum documento legal que defina “valores femininos e valores sociais/cultura Khmer” no país. Elas acrescentaram que “punir mulheres pela escolha das roupas é parte da causa raiz da violência, não da sua solução, e deve ser rejeitada”. Elas adicionaram:

There is much evidence-based research showing that violence against women stems from discriminatory gender stereotypes and a victim-blaming culture – both of which are deeply rooted in Cambodian society – as well as weak law enforcement resulting in a culture of impunity, and is not based on women’s dress, physical appearance or actions.

Há vários estudos fundamentados mostrando que a violência contra as mulheres origina-se de estereótipos discriminatórios de gênero e da cultura de culpabilização da vítima – ambos profundamente enraizados na sociedade cambojana – assim como a fraca aplicação da lei, resultando em uma cultura de impunidade, e nada tem a ver com roupas, aparência física ou ações femininas.

Eng Chandy, defensora e gerente do programa de relações de Gênero e Desenvolvimento no Camboja, lamentou [6] a dualidade de critérios das autoridades:

What about men selling products online? And many popular singers also wear sexy clothing when they perform. Didn’t they create feelings of sexual arousal? Did anyone file complaints against them? Did anyone say that they damaged Cambodian culture?

This law was written by men and interpreted by men and adopted by men, and men are enforcing the law.

O que me dizem a respeito de homens vendendo produtos on-line? E dos várias cantores populares que também usam roupas sensuais quando se apresentam. Eles não despertam sentimentos de excitação sexual? Alguém registrou reclamações contra eles? Alguém disse que eles desonraram a cultura cambojana?

Esta lei foi escrita por homens, interpretada por homens, adotada por homens e homens estão aplicando a lei.

A Anistia International emitiu uma declaração repudiando [8] as acusações de pornografia contra Rachana:

These charges rest on the abusive misapplication of a law which was supposedly intended to combat human trafficking, but instead is being used to oppress women.

Estas acusações são embasadas na aplicação abusiva e incorreta de uma lei que, supostamente, deveria combater tráfico humano, mas em vez disso está sendo usada para oprimir mulheres.

Bunn Rachana, diretora executiva da organização de desenvolvimento das mulheres Klahaan, pressionou [9] o governo para assumir o comando da adoção de reformas que irão verdadeiramente empoderar mulheres em vez de incitar violência:

It’s almost like [officials] are empowering perpetrators to take actions that violate women and girls.

It’s possible to fix [a male-dominated society] if the leadership of the country promotes human rights standards…and takes all necessary steps to correct unfair social norms.

É quase como se [oficiais] estivessem empoderando agressores para praticar ações que violam mulheres e meninas.

É possível corrigir [uma sociedade dominada por homens] se a liderança do país estabelecer parâmetros de direitos humanos… e adotar todas as medidas necessárias para reparar normas sociais injustas.