Jornalista russa evita prisão por “apologia ao terrorismo”, mas teme novos ataques à liberdade de imprensa

Jornalista Svetlana Prokopyeva deixa o tribunal em Pskov, em 6 de julho. Foto (c): Nikolai Nelyubin. Usada com permissão.

Quando a jornalista Svetlana Prokopyeva saiu de um tribunal em Pskov em 6 de julho, seus apoiadores reunidos do lado de fora respiraram aliviados. Eles achavam que não a veriam mais devido a uma sentença de 6 anos de prisão pedida pelo promotor. Em vez disso, Prokopyeva saiu livre — embora tenha que pagar uma multa de 500 mil rublos (cerca de $37.500 reais) e entregar seu computador e celular. A sentença por “apologia ao terrorismo” permanece contra a freelancer, que trabalha principalmente com a filial local da Radio Svoboda.

Boas notícias como essa são raras. Na Rússia, os promotores geralmente saem vencedores, em especial quando os casos são sensíveis politicamente — e o caso de Prokopyeva é um dos mais sensíveis e controversos dos últimos anos. Em 2018, o anarquista Mikhail Zhlobitsky, de apenas 17 anos, como um homem-bomba, detonou os explosivos no saguão de uma filial da FSB — o Serviço Federal de Segurança da Rússia — em Archangelsk. Três funcionários foram feridos. Em resposta ao incidente, Prokopyeva escreveu um artigo que destacava a ira de Zhlobitsky pela repressão e pelos casos de tortura na Rússia, e fez um paralelo entre o ataque e a diminuição das liberdades políticas no país. As autoridades russas tomaram isso como um apoio de Prokopyeva às ações de Zhlobitsky e a acusaram com base no Artigo 205.5 do código penal do país.

Investigadores invadiram a casa de Prokopyeva e a incluíram em uma lista oficial de “terroristas e extremistas”. O artigo considerado ofensivo foi bloqueado no país por ordens do Roskomnadzor, um órgão federal responsável pela censura na mídia. Prokopyeva alegava — e ainda alega — que a acusação nunca apresentou evidências suficientes do que constituiria “apologia ao terrorismo” em seu trabalho.

Nos meses seguintes, jornalistas russos e organizações internacionais de direitos humanos se uniram à causa de Prokopyeva. Pouco antes do veredito, editores de diversas publicações independentes russas alertaram que seu caso criava um precedente assustador. Jornalistas que protestaram em seu apoio no dia 4 de julho também foram detidos:

É uma longa noite. Mais de 12 jornalistas que protestaram em Moscou contra o pedido da promotoria de 6 anos de prisão para Svetlana #Prokopyeva ainda estão detidos. Os que foram liberados podem ter que pagar uma multa de 4 mil euros.

Em uma entrevista em 7 de julho, Prokopyeva creditou a decisão do tribunal à onda de interesse público pelo seu caso:

Ну, в головы судьям не залезешь, что на самом деле они думали и почему решили не сажать. На самом деле, именно запрошенный реальный срок и привел в Псков десятки федеральных СМИ. Я, когда вышла из суда, просто оторопела, увидев, сколько людей собралось перед входом – ну и представьте, если бы пришла новость о лишении свободы. Понятно, что судьям волна возмущения не нужна. Но возможно что суд и сразу не настраивался на удовлетворение прокурорской жажды крови – потому что вообще-то, по здравому размышлению, это нонсенс: взять обычного человека, журналиста, который никому никакого зла не сделал, и бросить за решетку. Да, в приговоре написано, что вина моя доказана, но при этом же судьи видели диаметрально противоположные выводы экспертов, слышали специалистов, которые уверенно доказывали мою невиновность. Плюс видели реакцию общества и журналистского цеха – она тоже говорит о том, что никто, кроме обвинения, никакого оправдания терроризма в моем тексте не видит. Это уже повод разжать челюсти и хотя бы, если не оправдать, то отказаться от нарочитой жестокости.

É impossível entrar na mente dos juízes e entender porque eles não me condenaram à prisão. Na verdade, foi justamente a ameaça de prisão que trouxe jornalistas de diversos meios de comunicação federais a Pskov. Eu os vi reunidos do lado de fora. Parece que os juízes não quiseram uma nova onda de indignação. Ficaria evidente que há algo muito errado e absurdo em pegar uma pessoa normal, uma jornalista que não fez mal a ninguém, e colocá-la na prisão. Sim, o veredito diz que a minha culpa foi comprovada, mas ao mesmo tempo, os juízes ouviram opiniões e conclusões completamente opostas de especialistas que provaram a minha inocência sem sombra de dúvidas. Mais do que isso, eles testemunharam a reação de jornalistas e da sociedade em geral, que mostra que ninguém além do promotor viu no meu texto uma “apologia ao terrorismo”. Essa foi uma oportunidade para eles pegarem mais leve e, se não foram totalmente justos, pelo menos deixaram de lado a crueldade.

Ainda assim, muitas figuras públicas russas sugerem que uma comemoração é precipitada, a menos que o veredito seja anulado. Essa é a principal diferença entre o caso de Prokopyeva e a grande campanha feita pela libertação do repórter do jornal Meduza, Ivan Golunov. As autoridades russas desistiram das acusações criminais contra o jornalista em junho passado.

Lev Shlosberg, um famoso jornalista e chefe da filial regional do partido de oposição, Yabloko, em Pskov, disse o seguinte:

A decisão do tribunal no caso de Svetlana Prokopyeva representa um comprometimento forçado do estado policial. Ele não consegue justificar falsas acusações contra uma pessoa inocente, porque isso derrubaria as fundações do sistema, mas é obrigado a dar uma resposta à opinião pública. Para a sociedade civil, isso não é uma vitória, mas não deixa de ser uma conquista. O importante é não relaxar e jamais aceitar comportamentos anormais.

Até mesmo alguns membros do governo compartilharam seu ceticismo sobre o veredito. Alexander Shishlov, Ombudsman de Direitos Humanos do Estado Russo, escreveu o seguinte em um post do Facebook:

Значение дела Светланы Прокопьевой выходит далеко за географические границы Псковской области. Солидарен с комиссией СПЧ по свободе информации и правам журналистов: попытки разобраться в причинах зарождения терроризма не делают людей соучастниками преступления. По абсурдному обвинению в “оправдании терроризма” Светлане Прокопьевой грозили лишение свободы и запрет на журналистскую деятельность. Приговор в виде штрафа не отменяет абсурдности обвинения и должен быть пересмотрен.

O caso de Svetlana Prokopyeva vai muito além das fronteiras geográficas da região de Pskov. Concordo com a Comissão de Direitos Humanos sobre Liberdade de Informação e os Direitos dos Jornalistas: tentativas de entender as causas do terrorismo não tornam as pessoas cúmplices do crime. Sob a absurda acusação de ‘apologia ao terrorismo’, Svetlana Prokopyeva foi ameaçada com prisão e com o banimento de atividades jornalísticas. A multa que ela recebeu não anula o absurdo da acusação, que deve ser revista.

Alexander Shishlov, Facebook, 6 de julho

Foi por essas razões que Prokopyeva, que não foi proibida de continuar a trabalhar como jornalista como o promotor esperava, contou à Global Voices que ela pretende recorrer do veredito por uma questão de princípios. Sua história ainda não acabou.

Mas outras acabaram de começar.

Os defensores dos direitos humanos na Rússia alertam para uma nova onda de prisões e processos criminais contra ativistas e jornalistas independentes no país. O alerta vem logo depois de as autoridades vencerem em 1º de julho um referendo sobre emendas constitucionais que permitirão que Vladimir Putin governe como presidente até 2036 — um referendo marcado por fortes acusações de fraude eleitoral.

No dia 7 de julho, a ativista feminista Yulia Tsvetkova informou que um terceiro processo havia sido aberto contra ela (Tsvetkova já é acusada de disseminar “pornografia” e “propaganda LGBT” por ter publicado uma série de desenhos de mulheres nuas para inspirar o amor-próprio). Em 8 de julho, Pyotr Verzilov, integrante da banda Pussy Riot e editora do site de notícias independente MediaZona, foi presa em Moscou.

BOMBA. Fui detida quando saía do prédio da Ekho Moskvy e levada para a SEXTA revista. O Comitê de Investigação tem tido muito trabalho.

Enquanto isso, a polícia fez buscas no apartamento de Taisa Bekbulatova, editora da plataforma de mídia independente Holod.Media. A busca no apartamento de Bekbulatova está ligada à sua amizade com Ivan Safronov, preso naquele mesmo dia e atualmente no centro do mais novo escândalo da falta de liberdade de imprensa na Rússia.

Ivan Safronov, um assessor da Roskosmos — a Agência Espacial Federal Russa —, é acusado de alta traição por ter supostamente repassado segredos de estado a um representante de um país que faz parte da Otan. Safronov, que começou a trabalhar na agência espacial em maio, é um ex-jornalista que escrevia sobre assuntos militares para a Vedomosti e para a Kommersant, duas influentes publicações diárias de negócios. Em junho de 2019, ações judiciais foram tomadas em relação a um artigo seu, posteriormente removido do site da Kommersant, em que ele falava sobre um acordo militar entre o Egito e a Rússia. Quando Safronov foi demitido após se recusar a revelar quem era sua fonte, vários de seus colegas também se demitiram como forma de protesto.

Considerando a natureza do caso, é difícil de saber muitos detalhes sobre as acusações — como elas foram feitas pela FSB, será ainda mais difícil que Safronov possa se defender delas em julgamento. Ele corre o risco de pegar 20 anos de prisão se for condenado.

Muitos desconfiam que as acusações estão relacionadas ao trabalho de Safronov como jornalista, não como assessor da Roskosmos. Enquanto o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, negou esses boatos, a agência espacial afirmou oficialmente que o caso de Safronov “não tem ligação com o trabalho prestado na Roskosmos”.

A Kommersant demonstrou apoio ao seu antigo funcionário, chamando-o de “patriota” em editorial. Enquanto isso, jornalistas protestaram do lado de fora da Lubyanka, a sede da FSB em Moscou. Mais de 20 deles foram detidos.

Prokopyeva destacou que o caso de Safronov mostra que os jornalistas russos terão muitos problemas pela frente:

И это больной вопрос, как мы видим сейчас по задержанию Ивана Сафонова – еще одного журналиста, который делал свою работу и писал важные, общественно-значимые материалы. Я не знаю, что именно вменяет ему следствие, а на поверхности видно: журналист добыл информацию и опубликовал ее. Доступа к гостайне у него не было. Так как тогда он мог ее разгласить? И мое дело, и дело Сафонова, и история с Давидом Френкелем, которому полицейские сломали руку на избирательном участке – все это свидетельства того, что государство а) не уважает прессу как институт, б) до дрожи боится независимых мнений и неподцензурных СМИ. Мы, журналисты, должны защищать себя, потому что без свободы слова и свободы печати не будет вообще никакой свободы.

Este é um momento delicado, como podemos ver pela detenção de Ivan Safronov, outro jornalista que estava apenas fazendo o seu trabalho e escreveu artigos importantes e relevantes para a sociedade. Eu não sei exatamente o que os investigadores têm contra ele, mas ao que parece é apenas um jornalista que recebeu uma informação e a publicou. Ele não tinha acesso a segredos de estado. Então, como ele poderia tê-los divulgado? Tanto o meu caso quanto o de Safronov e daquele outro jornalista da MediaZona [David Frenkel], que teve o braço quebrado pela polícia enquanto fazia uma matéria em um local de votação, mostram que o governo: a) não respeita a imprensa como uma instituição e b) tem medo de opiniões independentes e da mídia sem censura. Nós jornalistas precisamos nos defender, porque sem liberdade de expressão e liberdade de imprensa não há liberdade nenhuma.

O jornalista e historiador russo Andrey Soldatov concorda; em uma coluna para o The Moscow Times, em 8 de julho, ele alertou que “Putin entregou a ‘questão dos jornalistas’ para os serviços de segurança”. Ele já tinha destacado seu temor pelo futuro da liberdade de imprensa na Rússia em um post do Facebook:

Дело против Ивана Сафронова — это абсолютно новый уровень репрессий против журналистики в стране. До 2012 года было практически непредставимо обвинить журналиста в госизмене, поскольку журналисты по определению не имеют доступа к гостайне, и ФСБ приходилось очень ухищряться, чтобы привлечь журналистов по этой статье. Когда редакция статьи изменилась по просьбе ФСБ, стало понятно, что правила поменялись. Однако тогда бытовало мнение, что жертвами новой редакции статьи станут скорее эксперты, чем журналисты. Сегодня стало ясно, что это не так, и ФСБ дала нам это понять максимально публично. Я могу придумать лишь одно объяснение, почему это происходит — нам объясняют, какие еще важные для общества темы теперь закрыты для всех, кроме “тех, кому положено.”

O caso contra Ivan Safronov é um nível completamente novo de repressão contra jornalistas neste país. Até 2012 parecia quase impossível que um jornalista fosse acusado de alta traição, porque jornalistas, por definição, não têm acesso a segredos de estado. Então, a FSB tinha que ser muito cuidadosa ao tentar condenar jornalistas com base nesse artigo. Mas quando os próprios editores modificaram um artigo após um pedido da FSB, ficou explícito que as regras tinham mudado. Naquela época, pensou-se que as vítimas da mudança seriam analistas, e não jornalistas. Hoje vemos que não é verdade, e a FSB deixou isso bem claro. Eu só posso pensar em uma razão para isso estar acontecendo: eles querem nos mostrar que outros temas que são importantes para a sociedade agora estão proibidos para todos, exceto para os ‘autorizados’.

- Andrei Soldatov, Facebook, 7 de julho

Em resposta a todos esses novos casos, o famoso cartunista russo Sergey Elkin desenhou um jornalista parado no centro de um pequeno círculo a giz. Ele está cercado pelas palavras “espionagem”, “extremismo”, “ofensa contra autoridades”, “apologia ao terrorismo” e outras ofensas que entraram para o código penal do país nos últimos anos.

O desenho de Elkin resume bem essa incômoda situação na qual os jornalistas independentes e críticos da Rússia se encontram. Mas, em certo ponto, ele é até otimista: jornalistas russos raramente sabem qual linha não devem cruzar até que já a tenham cruzado.

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