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Criminalizar a difamação em Timor-Leste — planos para restaurar a lei, marcados por protestos em favor da liberdade de expressão

Categorias: Leste da Ásia, Timor Leste, Lei, Mídia Cidadã, GV Advocacy

 

 

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Aula de informática em Timor-Leste. Foto de José Fernando Real. Wikimedia Commons. (CC BY-SA 4.0) [2]

Os meios de comunicação e os líderes da sociedade civil em Timor-Leste manifestaram preocupação pela possível reintrodução de uma lei de difamação criminal no país.

Em 5 de junho, o Ministro da Justiça disse que o projeto de lei [3] que ele pretende apresentar ao  Conselho de Ministros, restabelecerá o crime de difamação que havia sido removido do código penal do país em 2014, quando o governo adotou o novo código de imprensa.

De acordo com o projeto da lei, qualquer pessoa que “atribua/acuse outra pessoa de um fato ou emita um juízo ofensivo à sua honra e prestígio, ou transmita essa atribuição/acusação a terceiros” pode ser responsabilizada pelo crime de difamação. A pena é de multa ou detenção de um ano, mas os infratores podem enfrentar uma pena de até três anos de prisão se a reclamante for um funcionário público, ou se a declaração ofensiva for feita através de meios de comunicação tradicionais ou das redes sociais. Qualquer pessoa que difame uma empresa, um ex-funcionário do governo ou uma pessoa falecida, também enfrenta uma punição nos termos da lei.

O documento cita [3] o uso generalizado das redes sociais como um dos motivos para a alteração do código penal:

…through the media and social networks, the offenses against honour, good name and reputation are amplified, thus causing repercussions that affect more seriously the dignity of those targeted, and also the dignity of the State, who should also be responsible for protecting its own dignity.

…através dos meios de comunicação social e das redes sociais, as ofensas contra a honra, o bom nome e a reputação são ampliadas, o que gera uma repercussão com efeitos mais sérios à dignidade dos visados, e também à dignidade do estado, que também deve ser responsável por proteger sua própria dignidade.

O ganhador do prêmio Nobel e ex-presidente do Timor-Leste, José Ramos-Horta, alertou [4] o governo  sobre o possível impacto da proposta de lei referente à liberdade de expressão. Ele também questionou [5] se seria sensato atribuir a culpa dos problemas do país à ampla utilização das redes sociais:

I do not see that over the years the proliferation of social networks has affected in any way, the security, peace or development of the country and the dignity or prestige of the government.

If we do not want the media and social networks to report embarrassing things that do not dignify, let us behave with greater civility.

Eu não vejo que ao longo dos anos a proliferação das redes sociais tenha afetado de alguma forma a segurança, a paz ou o desenvolvimento do país, e a dignidade ou o prestígio do governo.

Se não quisermos que os meios de comunicação e as redes sociais divulguem situações embaraçosas e que não dignificam, devemos agir com mais civilidade.

Esta última afirmação refere-se [6] à confrontação violenta entre membros do parlamento, que ocorreu durante uma sessão em maio.

No dia 15 de junho, o grupo de defesa da sociedade civil, La’o Hamutuk, afirmou em uma declaração ao governo, que “as pessoas não deveriam ter medo de falar a verdade”. O grupo alertou [7] para os potenciais efeitos da proposta de lei para o cidadão comum:

This draft law threatens everyone, particularly vulnerable people without political connections or financial resources. The law has the potential to silence women who have experienced violence or sexual assault, and prevent them from writing or talking about their experiences without hard evidence.

Este projeto de lei é uma ameaça para todos, em particular para pessoas em situação vulnerável, que não têm ligações políticas ou recursos financeiros. A lei tem potencial de silenciar mulheres que sofreram violência ou agressão sexual e de impedi-las de escrever ou falar sobre as suas experiências se não apresentarem provas contundentes.

O La’o Hamutuk, acrescentou que as autoridades poderiam utilizar a lei da difamação para enfraquecer o trabalho dos grupos de defesa da sociedade civil:

If we suggest that policies promoted by politicians to spend hundreds of millions on roads and airports rather than on health and education endanger the lives of ordinary people, could the Government file a case against us? If we oppose military leadership using armed force to limit election campaigning, will the state put us in prison?

Se sugerirmos que as propostas promovidas pelos políticos para gastar centenas de milhões em estradas e aeroportos, e não em saúde e educação, colocam em risco a vida do cidadão comum, será que o governo entraria com um processo contra nós? Se nos opusermos a uma liderança militar que utilize as forças armadas para limitar as campanhas eleitorais, será que o estado nos mandará para a prisão?

Virgilio Guterres, presidente do conselho de imprensa do Timor-Leste, criticou a “consulta pública apressada” e o momento inoportuno para introduzir tal medida “em meio a um estado de emergência, quando a população concentra suas preocupações nas medidas para prevenir a Covid-19”. Ele também lembrou [8] às autoridades sobre a questão da supressão da liberdade de expressão durante a luta pela independência do país, no período de ocupação pela Indonésia, entre 1975 e 1999:

Over the years of occupation, many have been jailed for free speech. In order to value and dignify sacrifices, we have to ensure that there can no longer be a citizen imprisoned for expressing himself or for having a different opinion.

Durante os anos da ocupação, muitos foram presos por falar livremente. De modo a reconhecermos e dignificarmos os sacrifícios feitos, devemos garantir que nenhum outro cidadão seja encarcerado por se expressar ou ter uma opinião diferente.

A associação de imprensa do Timor-Leste (TLPU) acusou [9] o governo de tentar silenciar os críticos:

The government is trying to use a national emergency opportunity to endorse this bill with the aim of punishing those who berate leaders and politicians, but in our opinion this is to criminalize journalists and all citizens not to criticize the government.

O governo tenta utilizar a situação de emergência nacional para aprovar esta lei, com o objetivo de castigar os que criticam os líderes e políticos, mas em nossa opinião, isto serve para incriminar jornalistas, e todos os cidadãos, para que não critiquem o governo.

Jane Worthington, diretora da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) para a Ásia-Pacífico, apontou [10] como alarmante uma disposição contida na proposta de lei.

This proposed law contains ill defined ‘offences’ and switches the focus of any complaint to the journalist and/or publisher to ‘prove’ the subject to the complaint. Put simply, it places the legal burden of proving that a story is true upon the journalist and/or publisher.

Esta proposta de lei contém definições mal definidas de ‘delitos’ e desvia o foco de qualquer denúncia ao jornalista e/ou editor para que ‘prove’ o objeto da denúncia. Simplificando — coloca o ônus legal de provar que uma história é verdadeira no jornalista e/ou editor.

Jim Nolan, especialista jurídico da IFJ, na região Ásia- Pacífico, salientou [11] que o Timor-Leste já possui um mecanismo para lidar com reclamações sobre o que é difundido nos meios de comunicação sem criminalizar a livre expressão.

O governo garantiu [12] às partes interessadas que analisará os comentários e sugestões de todos aqueles que estão a favor ou contra a medida.