Tribunal no Brasil decide manter investigação da morte de Marielle Franco no Rio de Janeiro

Anielle Franco, após a votação do STJ: Seguiremos cobrando respostas | Foto: Reprodução/Instituto Marielle Franco/Usada com permissão

“Hoje tivemos uma vitória muito importante”, diz Anielle Franco. No dia 27 de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Brasil negou o pedido de federalização da investigação do assassinato de sua irmã, Marielle Franco, vereadora morta no Rio de Janeiro junto com seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018.

Apesar de prisões dos atiradores, os mandantes do crime ainda não foram identificados. “Em meio à tantas mortes, pelo menos uma vitória”, segue ela.

Marielle era vereadora da cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), uma mulher negra, bissexual, mãe e periférica. Durante seu mandato, foi também presidente da Comissão da Mulher da Câmara de Vereadores. O carro que a levava para casa na noite do crime foi atingido por 13 tiros.

Federalizar a operação faria com que a apuração do assassinato saísse da esfera estadual, concentrada no Rio de Janeiro, com atuação de Polícia Civil e Ministério Público Estadual, e passasse para esfera federal – onde a Polícia Federal e Ministério Público Federal dariam continuidade aos trabalhos.

Havia receio que o caso sofresse interferência do Presidente Jair Bolsonaro, cuja família tem laços com os suspeitos do crime.

O pedido de federalização foi apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2019, um dos últimos atos da então procuradora Raquel Dodge, alegando que as investigações poderiam estar contaminadas no estado, em razão da demora quanto à conclusão sobre os mandantes do crime.

Imediatamente, a família se posicionou contra a medida em uma carta enviada aos ministros do STJ, onde afirmavam:

Muitas são as razões fáticas e jurídicas que nos levam a acreditar que a federalização do caso não é o caminho que as instituições de Justiça devam seguir para garantir a responsabilização de todos os envolvidos no bárbaro crime que tirou a vida de nossos familiares. (…) Ao contrário do alegado pela PGR, a federalização do caso revela-se justamente como a abertura do caminho para a impunidade dos responsáveis pela prática dos crimes.

No site da campanha, um texto afirma que a decisão tira o caso da Polícia Federal e “agora tem menos risco de ter interferência direta do presidente [Jair Bolsonaro]”.

Esperamos que as investigações evoluam, finalmente. Esperamos não ter que esperar mais dois anos para descobrir quem mandou matar minha irmã. Quem sabe um dia teremos esse caso solucionado.

Julgamento

Em sua decisão, a relatora do caso, Laurita Vaz, afirmou que a gravidade do crime “é inquestionável”, mas destacou um episódio que “esmorece o pedido de federalização do caso”. Segundo a ministra, um dia após os assassinatos, a PGR criou um grupo de trabalho composto por cinco procuradores da República para acompanhar atos do procedimento no Rio.

É inegável que o caso insuflou não só o país, mas também a comunidade internacional, tanto pela brutalidade dos homicídios como pelo simbolismo da ação delituosa. Atentado contra a vida de parlamentar, eleita com votação expressiva, que se dedicava à defesa de grupos sociais menos favorecidos, com discursos de clara oposição ao crime organizado no Rio de Janeiro.

Os outros ministros seguiram o voto de Vaz, tornando a votação unânime para a não-federalização. O Instituto Marielle Franco, criado pela família dela, criou a campanha “Federalização Não!” para reunir assinaturas e pressionar a decisão. As mais de 150 mil pessoas e 200 organizações da sociedade civil encaminharam seu posicionamento aos ministros. Para Anielle, presidente do instituto, que conversou com o Global Voices via WhatsApp, a decisão foi uma vitória:

Foi uma vitória não só para a família, mas para todos os 154 mil companheiros e companheiras que assinaram essa mobilização da sociedade civil contra a federalização. (…) Essa votação foi unânime e importante no meio de tanto caos, de tanta interferência e de tanta dor.

Investigação da investigação

No ano das mortes de Marielle e Anderson, as investigações avançaram pouco. De março a agosto, a polícia do RJ descobriu ligações entre os assassinos e um grupo de milicianos — que no Rio de Janeiro operam como organizações paramilitares — conhecido como “escritório do crime”.

Em janeiro de 2019, depois de uma operação do Ministério Público, foi divulgado que o filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro, empregou em seu gabinete a mãe e a mulher de um dos chefes do grupo, o ex-policial Adriano da Nóbrega.

Em março, outros dois nomes associados à organização, Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz, foram presos pelos assassinatos. Segundo a polícia, Lessa atirou contra Marielle, enquanto o ex-militar Queiroz dirigia o carro que perseguiu o veículo da vereadora. Ainda não se sabe quem mandou executar o crime.

Assim que as prisões foram feitas, a Polícia Federal começou a apurar a possibilidade de fraudes na investigação do caso e tentativas de dificultá-la. Ronnie Lessa morava no mesmo condomínio que o presidente Jair Bolsonaro, em uma zona nobre do Rio de Janeiro. Um porteiro chegou a falar para a polícia que Élcio Queiroz foi autorizado a entrar no condomínio, horas antes dos assassinatos, por alguém na casa do então deputado federal Jair Bolsonaro. Dias mais tarde, mudou sua versão para a Polícia Federal, afirmando em depoimento que havia errado o número da casa.

Bolsonaro passou a acusar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de manipular a investigação do assassinato de Marielle para tentar destruir sua reputação. Witzel negou as acusações e disse que iria processar Bolsonaro.

Desdobramentos

Antes do julgamento do STJ sobre a federalização do caso, Bolsonaro afirmou, em mensagens trocadas com o então ministro da Justiça, Sergio Moro, que queria mais controle sobre a superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Em reunião com seus ministros no dia 22 de abril, o presidente brasileiro foi filmado, afirmando:

Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu [sic], porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!

Moro pediu demissão do governo, pouco depois, e entregou as conversas para que o Supremo Tribunal Federal investigue supostos crimes do presidente. O ministro foi contra a demissão do chefe da Polícia Federal, Maurício Valeixo, decidida por Bolsonaro.

O escolhido para a direção-geral da PF pelo presidente foi Alexandre Ramagem, mas a nomeação foi barrada no STF. O ministro Alexandre de Moraes entendeu que Ramagem tinha proximidade com a família do presidente — fotos dele com os filhos de Bolsonaro no Ano Novo foram divulgadas em redes sociais. Bolsonaro indicou então um nome ligado a Ramagem, Rolando Alexandre de Souza.

Um dos primeiros atos de sua nova gestão foi a troca do superintendente da PF do Rio. Sobre a federalização do caso Marielle, a Procuradoria Geral da República ainda pode recorrer da decisão do Superior Tribunal de Justiça ao Supremo Tribunal Federal, última instância da Justiça brasileira.

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