Não são apenas números: memorial on-line honra as vítimas de Covid-19 no Brasil

“Inumeráveis” — Memorial dedicado à história de cada uma das vítimas de coronavírus no Brasil. Captura de tela.

Em 23 de maio, o Brasil passou a Rússia e se tornou o segundo país mais atingido pela pandemia de Covid-19 no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Dois dias antes, havia registrado suas 24 horas mais fatais até o momento: 1.188 mortos pela doença, de acordo com o Ministério da Saúde. Até o dia 25 de maio, a Covid-19 tirou 23.473 vidas em uma nação de 200 milhões, entre 374.898 casos confirmados.

Os brasileiros estão, aos poucos, se acostumando às quebras de recordes estatísticos a cada dia. No dia 6 de maio, quando o número total de mortos chegou a 8.500, o jornalista William Bonner, apresentador do Jornal Nacional, reservou um momento para refletir sobre o que esses números significam:

Oito mil vidas acabaram. Eram vidas de pessoas, amadas por outras pessoas. Pais, irmãos, filhos, amigos, conhecidos. Aí o luto dessas tantas famílias vai ficando só pra elas, porque as outras pessoas já não têm nem como refletir sobre a gravidade dessas mortes todas, que vão se acumulando todo dia.

As palavras de Bonner repercutiram em muitos brasileiros que sentem que as histórias humanas estão perdendo seu impacto diante dos números assustadores de vítimas. Mas um grupo de escritores e artistas decidiu garantir que essas pessoas não sejam esquecidas.

Inumeráveis” é um memorial on-line criado pelos artistas brasileiros Edson Pavoni e Rogério Oliveira que honra as vidas daqueles que morreram na pandemia. Lançado em 30 de abril, o memorial lista os nomes das pessoas, suas idades e um pequeno obituário. Cerca de vinte indivíduos cuidam da página, seja fazendo pesquisas, escrevendo ou revisando.

Em uma conversa com a Global Voices pelo WhatsApp, Pavoni disse:

Você acorda e 68 pessoas morreram; você acorda no outro dia e 120 pessoas morreram; acorda no outro dia e 200 e tantas pessoas morreram. Depois de um tempo, esses números vão perdendo o significado, vão se tornando um tipo de relógio, de aviso, outra coisa que não pessoas. E a gente vai se tornando insensível.

Pavoni teve a ideia do memorial depois de ter uma exibição cancelada em Lisboa. Ele disse que queria achar uma forma de trabalhar o tema “conexão” durante o isolamento social. Então ele entrou em contato com Oliveira, que também estava incomodado com o crescimento dos números nas notícias.

Os primeiros obituários do memorial foram sobre os sogros de um amigo em comum — Edgar Farah, de 81 anos, o orgulhoso proprietário de um Fusca bege, e sua esposa Eunice Farah, de 77 anos, que passou o carnaval deste ano festejando com seus filhos e netos.

Atualmente, a lista tem pouco mais de 600 nomes — um longo caminho até as mais de 20.000 mortes registradas no Brasil. Entre elas está Agatha, de 25 anos, que amava gatos e estava cursando enfermagem enquanto trabalhava em um centro médico, em uma favela no Rio.

E o lendário compositor e músico brasileiro Aldir Blanc ou Julia Nieto Parra, de 101 anos, que nasceu em uma fazenda de café, viu a eletricidade chegar às casas e ruas e teve 17 netos.

Nessa conversa com a Global Voices, Pavoni mencionou que os brasileiros estão tão abalados com sua própria instabilidade financeira em meio à crise que é natural que as estatísticas fiquem em segundo plano. Ele diz:

Os números não são suficientes. Eles não são suficientes para cada indivíduo entender, como sociedade, a profundidade das transformações e do momento histórico que a gente está vivendo.

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