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Sacerdote ganha antiprêmio on-line como “sexista do ano” na Rússia

Categorias: Europa Oriental e Central, Rússia, Ativismo Digital, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Protesto, RuNet Echo

Arcipreste ortodoxo russo Dmitry Smirnov. Captura de tela do vídeo do YouTube de 2018 de Na Mayak “Как относиться к гомосексуалистам? Прот. Дмитрий Смирнов [1]

“As mulheres têm mentes mais fracas. É claro que algumas Marie Curies podem ser encontradas aqui e ali, mas são uma raridade”, declarou [2] Dmitry Smirnov, um arcipreste da Igreja Ortodoxa Russa, ao vivo, na Radio Radonezh, em julho passado. Essas palavras voltaram para assombrar o clérigo, que ganhou uma votação on-line organizada por feministas russas para escolher o “Sexista do Ano” de 2019.

A premiação “Sexista do Ano” é provavelmente o antiprêmio de maior destaque na RuNet. Criado pela jornalista Natalia Bitten e colegas ativistas do movimento For Feminism [3], que visa promover a conscientização quanto ao aumento do discurso de ódio misógino na vida social russa e a “orgia de sexismo na mídia de massa e na publicidade”. A votação é realizada todos os anos no site do concurso, de 23 de fevereiro até o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. A lista final dos competidores é compilada pelo For Feminism [3] e pelo FemUnity, outro grupo de ativistas. O concurso conquistou alguma publicidade nos últimos anos, e tem muitos seguidores no Facebook [4] e na popular rede social russa VKontakte [5].

Bitten e seus colegas têm muitas opções de escolha quando se trata de competidores de grande visibilidade. Vários russos de grande destaque já ganharam  o prêmio: em 2014, o colunista Yegor Kholmogorov foi coroado sexista do ano [6] por seus comentários que defendiam o espancamento de mulheres que ousavam pronunciar a palavra “sexismo”.

Este ano, 5.995 votos foram computados para o “sexista do ano”, dos quais Smirnov obteve 48%. Em segundo lugar, com 39%, ficou Sergey Vostretsov, deputado da Duma Federal, indicado por sua sugestão [7] de que as donas de casa fossem punidas por “parasitismo”. Em terceiro e último lugar, com 12%, ficou Dmitry Rogozin, chefe da agência espacial russa Roskosmos. Rogozin acha [8] que as naves espaciais “devem ter nomes masculinos e não femininos”.

Os céticos também são contemplados; se houver alguma dúvida de que as declarações ofensivas sejam profundamente sexistas, cada inscrição apresenta uma explicação.

O que diferencia essa iniciativa é que ela não se concentra simplesmente nas declarações revoltantes dos suspeitos habituais. Bitten enfatizou em comentários à Global Voices que o prêmio vai além de ataques a algumas personalidades públicas, mas diz respeito ao sexismo na vida social russa como um todo. É certo que todos os três indicados para 2019 estão ligados ao partido governista ou a membros da elite política em si. Embora as palavras de Smirnov tenham sido particularmente graves, talvez não devesse causar surpresa ouvi-las de um clérigo; a Igreja Ortodoxa Russa, afinal, está na vanguarda da condução cultural conservadora do Estado.

Nem todos os indicados dos últimos anos têm sido particularmente famosos. Como registra o site da premiação:

Среди тревожных тенденций последнего десятилетия мы констатируем усиление языка вражды в отношении женщин в политике, культуре, СМИ и рекламе. Ситуация усугубляется из-за роста коммерческой составляющей в традиционных медиа и электронных СМИ, куда можно отнести социальные сети и мессенджеры. В общественном дискурсе женщины представлены в качестве предмета потребления при продвижении товаров и услуг. В соответствии с патриархатными нормами, женщины воспринимаются как товар, а товары позиционируются так, как если бы они были женщинами. В российских медиа ширится агрессивная антиженская пропаганда, базирующаяся на фундаменталистских религиозных взглядах и т.н. «традициях». На наш взгляд, цель этой пропаганды — вытеснение женщин из экономической жизни и сегрегация в сфере домашнего неоплачиваемого труда и принудительного деторождения.

Entre as tendências preocupantes da última década, observamos uma intensificação da linguagem de ódio na política, na cultura, na mídia e na publicidade em relação às mulheres. A situação está se agravando devido a uma crescente comercialização da mídia tradicional e on-line, que também tem a ver com as redes sociais e aplicativos de mensagens. No discurso público, as mulheres são apresentadas como uma mercadoria para vender bens e serviços. De acordo com as normas patriarcais, as mulheres são tratadas como bens a serem vendidos e os próprios bens são vendidos como se fossem mulheres. A propaganda misógina agressiva está crescendo nos meios de comunicação russos, com base em visões religiosas fundamentalistas e nas chamadas “tradições”. Em nossa opinião, o objetivo dessa propaganda é retirar as mulheres da esfera econômica e segregá-las na esfera do trabalho doméstico não remunerado e da gravidez forçada.

É por isso que, segundo Bitten, agora existem cinco categorias para o antiprêmio, em comparação com apenas três quando foi lançado. Isso inclui “premiações” para os meios de comunicação, propaganda e políticas (ou propostas políticas) mais sexistas. Curiosamente, há também uma premiação para as “mulheres contra as mulheres”, ou personalidades públicas femininas que apoiam ou expressam pontos de vista misóginos. Este ano, o último prêmio foi para Nailya Zhiganshina, presidente da União das Mulheres Muçulmanas Russas e do Tartaristão, que argumentou que nada poderia ser feito caso uma garota fosse casada com um rapaz contra a sua vontade, já que “os pais têm plenos direitos sobre seus filhos.”

Uma sucessão de vitórias?

No início de 2020, Smirnov está no centro de outra controvérsia. No dia 15 de fevereiro, o sacerdote, que também dirige a Comissão para Assuntos da Família do Patriarcado, fez os seguintes comentários durante uma reunião com membros do OrthodoxBRO, um grupo social cristão:

У нас женщины сами не понимают, что такое брак. Неохота сказать, что «я бесплатная проститутка», поэтому говорят: у меня гражданский брак. Здрасьте! Да нет, ты просто бесплатно оказываешь услуги — и все, а так тебя никто за жену не считает

Aqui, as próprias mulheres não entendem o que é o casamento. Não é certo dizer “eu sou prostituta por prazer”, então elas dizem “eu estou casada civilmente”. Ei, alô! Não, você está apenas prestando serviços de graça, é isso. Ninguém vê você como uma esposa.

Os ataques de Smirnov irritaram muitas mulheres importantes na sociedade russa. Entre elas não estão somente ativistas feministas, mas até mesmo personalidades pró-governo que têm apoiado publicamente causas culturais conservadoras, como a editora-chefe da rede de notícias RT, Margarita Simonyan. Em uma postagem maldosa no Facebook no dia 16 de fevereiro [9], Zakharova pediu à Igreja para criar um nome para os homens que vivem em casamentos civis. Ekaterina Lakhova, presidente da União das Mulheres da Rússia, classificou as palavras de Smirnov de “feias e impróprias”, embora tenha enfatizado o apoio à família tradicional.

Muitos usuários traçaram um paralelo com o rebuliço de uma lei de 2013 que era contra “insultar os sentimentos de cristãos religiosos” [10], e perguntaram por que os clérigos não eram tão atenciosos com os sentimentos das mulheres. Esta usuária do Twitter, sob o perfil de “Mulher Que Está Farta”, resume o sentimento de muitas mulheres russas sobre as palavras de Smirnov:

Проснулась сегодня и узнала,что я-проститутка!Да,да!Так и завил Протоиерей Смирнов!Значит статья оскорбление чувств верующих есть,а как же оскорбление честных граждан?По идее,все мы-русские женщины должны написать массовое заявление на полит-ую проститутку Смирнова за оскорбление

— ДАМА с ПЕРЕГАРОМ (@DamaSperegarom) February 16, 2020 [11]

Eu acordei esta manhã e descobri que sou uma prostituta. Sim, sim! Isso é o que o arcipreste Smirnov declarou! Então isso significa que temos um artigo que é contra ofender os sentimentos de cristãos, mas e quanto a ofender cidadãs honestas? Eis uma ideia: todas nós, mulheres russas, devemos redigir uma declaração coletiva contra Smirnov por ofender [nossos sentimentos.]

— ДАМА с ПЕРЕГАРОМ (@DamaSperegarom) 16 de fevereiro de 2020 [11]

Smirnov, que diz ter recebido ameaças on-line por suas palavras, mesmo assim as defendeu. Nesta entrevista [12] à  RadioBaltkom em 19 de fevereiro, Smirnov se queixou de cobertura jornalística imprecisa:

Вот пишут, заголовок – «Смирнов оскорбил половину русских женщин». Женщина, когда читает, уже готова к тому, что ее оскорбили. Я никакую женщину никогда не оскорблял и вообще считаю это ниже своего собственного достоинства. У меня совершенно другие задачи, а здесь вообще слова выдернули из контекста. Вообще, вся беседа была посвящена мужчинам, которые недостойны такого звания

Aqui eles escrevem, entre aspas: “Smirnov ofendeu metade das mulheres russas.” Quando uma mulher lê isso, ela já está aberta ao fato de ter sido ofendida. Eu nunca ofendi nenhuma mulher e considero indigno de mim fazer isso. Meus objetivos são completamente diferentes, e aqui minhas palavras foram totalmente retiradas de seu contexto. Toda a discussão foi sobre homens; homens que não são dignos do nome.

Enquanto isso, a Igreja Ortodoxa Russa se distanciava das palavras de Smirnov. Em 17 de fevereiro, Metropolitan Hilarion de Volokolamsk, diretor de relações exteriores do Patriarcado de Moscou, se desculpou [13] pelas “declarações repulsivas” de Smirnov, embora tenha dito que acreditava que elas foram ditas com boas intenções. Da mesma forma, Legoyda Vladimir, porta-voz da Igreja, comentou em seu canal do Telegram que, embora não seja surpresa que um sacerdote apoie casamentos tradicionais, as palavras de Smirnov foram as de um único sacerdote:

От себя еще могу добавить, что троллинг, в форме которого отец Димитрий периодически пытается донести некоторые свои мысли, приносит обратный результат, к сожалению. Кроме того, это не “в РПЦ считают”, но мнение одно лишь священника. Даже не мнение, а троллинг. Неудачный…

— Vladimir Legoyda, Telegram, 15 February 2020 [14]

Pessoalmente, posso acrescentar que as hostilizações on-line, por meio das quais o sacerdote Dmitry periodicamente tenta expressar alguns de seus pensamentos, infelizmente têm o resultado oposto ao pretendido. Além disso, não se trata aqui do que “a Igreja Ortodoxa Russa acredita”, mas da opinião de um único sacerdote. E nem mesmo uma opinião, mas a hostilização on-line. Em vão…

— Vladimir Legoyda, Telegram, 15 de fevereiro de 2020 [14]

Parece que este ano Smirnov está em alta. No dia 4 de março, o sacerdote mais uma vez provocou um alvoroço após ter se questionado em voz alta [15] se era necessária uma educação escolar para meninas.

Corrida pelo prêmio

Após uma década de sua realização, a premiação do Sexista do Ano atinge um certo grau de fama ou de anonimato, dependendo de onde você se encontra. Mas o que os vencedores fazem do prêmio e como eles ficam sabendo?

Bitten disse à Global Voices que convidou pessoalmente Alexander Ilyashenko, Sexista do Ano de 2018, para a cerimônia de premiação para receber seu antiprêmio. Ilyashenko, outro clérigo que foi indicado por defender que meninas se casem e tenham filhos aos 17 anos, prometeu pensar no assunto, mas não compareceu, diz ela.

Поскольку феминисткие паблики в социальных сетях читают многие наши оппоненты, наши номинанты довольно быстро узнают о голосовании. Часто они сами “пиарят” премию в своих аккаунтах. Были случаи, когда о премии СМИ писали в негативном ключе. Но чаще СМИ рассказывают о голосовании и номинантах, распространялся информацию о премии. Сначала мы рассылали приглашения победителям с предложением принять участие в церемонии оглашения результатов голосования. Но ни один из них на мероприятие не пришёл. В прошлом году я лично пригласила на церемонию победителя протиерея Александра Ильяшенко, он обещал подумать, и тоже не пришёл.

Considerando que muitos de nossos adversários leem postagens feministas nas redes sociais, nossos indicados descobrem sobre a votação muito rapidamente. Eles freqüentemente “anunciam” a premiação por conta própria. Houve casos em que a mídia escreveu sobre a premiação em tom negativo. Mas geralmente a mídia comunica sobre a votação e os indicados, e divulga as informações sobre a premiação. Inicialmente, distribuímos convites aos vencedores, convidando-os a participar de uma cerimônia onde os resultados da votação seriam anunciados. Mas nenhum deles comparecia ao evento.

No entanto, é seguro supor, lamentavelmente, que pode haver uma ampla oferta de concorrentes ao prêmio Sexista do Ano no futuro.