- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Aumentam ameaças contra jornalistas que reportam sobre ataques armados em Moçambique

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Ativismo Digital, Censorship, Direitos Humanos, Esforços Humanitários, Governança, Guerra & Conflito, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia e Jornalismo

Tanque militar das Forças Armadas de Defesa de Moçambique em desfile no dia de tomada de posse do presidente Nyusi, 15 de Janeiro de 2020. Foto: Alexandre Nhampossa, usada com permissão

O Estado moçambicano tem sido incapaz [1] de travar os ataques extremistas que há mais de dois anos assolam a província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, causando vários danos humanos e materiais (ver [2] cobertura anterior [3] do GV [4] sobre o assunto [5]). Decorrente dos mesmos ataques, tem havido um número crescente de ameaças feitas contra os jornalistas que cobrem o assunto.

Destacam-se os casos das detenções dos jornalistas Amade Aboobacar [6] e Estácio Valoi [7], bem assim do pesquisador David Matsinhe, [7]actos referidos igualmente numa publicação do GV [6].

Num caso mais recente, o Professor Universitário Julião Cumbane, sugeriu numa publicação [8] feita no Facebook que os jornalistas que reportam sobre os ataques devem ser silenciados pelos militares, polícia e serviços secretos, usando métodos “extra-judiciais”, se necessário. Cumbane acrescentou que os artigos sobre os ataques desmoralizam quem tem o dever de defender a Pátria e glorifica os atacantes. Cumbane é igualmente presidente da Empresa Nacional de Parques de Ciências e Tecnologias após nomeação [9] pelo Governo de Filipe Nyusi, em finais de 2019.

A sugestão de Cumbane foi feita no mesmo dia que Egídio Vaz argumentou em sua própria publicação [10] que os ataques não deveriam ser “aproveitados para vender jornais”, descrevendo os que reportam sobre as incursões como “agências noticiosas” dos atacantes extremistas.

As publicações são na verdade uma reprodução da posição do Presidente Nyusi que chegou a dizer [11] que alguns jornais escrevem “contra a soberania” em referência aos que reportam sobre os ataques que quase que diariamente mostram a fragilidade das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.

[Os jornalistas em causa] disseminam essa mensagem, espalham essa mensagem, escrevem nos seus jornais coisas contra a soberania sem eles terem a consciência que essa defesa está a ser feita por pessoas com grande sacrifício.

As crescentes ameaças contra a liberdade de expressão

O MISA — uma entidade que trabalha em prol dos jornalistas na África Austral — emitiu uma nota [12] alertando que começam a surgir, sobretudo nas redes sociais, situações de clara ameaça à liberdade de imprensa e de expressão, destinadas, sobretudo, a jornalistas e órgãos de comunicação social que se interessam pela documentação jornalística dos ataques.

A organização repudiou as ameaças e lembrou que em Moçambique a liberdade de imprensa e de expressão enquanto direitos fundamentais apenas podem, nos termos da constituição, serem limitados se se estiver a observar o estado de sítio ou estado de emergência, o que não é, presentemente, o caso.

Por sua vez, a organização da Sociedade Civil Centro Para Democracia e Desenvolvimento [13] condenou “veementemente” o que chamou de “ameaças contra a liberdade de imprensa”:

O CDD condena veementemente as ameaças contra a liberdade de imprensa e solidariza-se com os jornalistas e incentiva-os a continuar a informar os moçambicanos e o mundo em geral sobre os ataques em Cabo Delgado.

Mas o que é que se pretende que seja ocultado?

Os atacantes são homens armados desconhecidos que nas suas incursões decapitam pessoas, queimam residências, atacam escolas, hospitais e outras infra-estruturas públicas, saqueiam bens em centros comerciais privados, raptam mulheres, dentre outras acções.

A Agência da ONU para Refugiados, ACNUR, indica [14] para mais de 100,000 deslocados devido à escalada de violência. Um dos especialistas da organização contou a ONU News o que testemunhou:

Na ilha de Matemo tive que entrevistar um refugiado que teve que fugir. A vila foi atacada. Um dos filhos ficou para trás para tentar salvar alguns bens da família e para levar junto. Ele foi pego por um desses membros desses grupos armados e acabou sendo decapitado.

Os dados das vítimas mortais não param de aumentar. Mais de 900 pessoas foram assassinadas desde o início dos ataques em Outubro de 2017, de acordo com [15] a publicação noticiosa sul-africana Independent Online.

Entretanto, pela primeira vez em cerca de dois anos após o início dos ataques, o presidente Nyusi mostrou-se publicamente aberto [16] a cooperar com países parceiros no combate aos ataques, desde que ofereçam uma ajuda “concreta e objetiva”. No mesmo dia, os Estados Unidos de América e Rússia afirmaram [17] estar disponíveis para ajudar.

A situação da insegurança está também a condicionar a entrada de novos investimentos [18] na província, que se encontra no centro das atenções pela implementação [19] de três grandes projectos de produção de Gás Natural Liquefeito, com investimentos na ordem de 50 mil milhões de dólares norte americanos.