Mesmo com lei, cidades em São Paulo descumprem direito do cidadão de acesso à informação

Apesar de lei, cidades não respondem às solicitações de informações enviadas por cidadãos | Imagem: Fellipe Sales/Agência Mural

Este texto é de autoria de Paulo Talarico e Priscila Pacheco. É publicado aqui via parceria de conteúdo entre o Global Voices e a Agência Mural.

O site da prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo, tem cara de ser transparente. Só cara. Ao acessar a página, aparece um aviso para que os moradores participem da discussão sobre o plano diretor da cidade. Na aba governo ou perto do rodapé é possível encontrar o Portal da Transparência.

Surge ali a página da LAI (Lei de Acesso à Informação) — lei criada em 2011, que regulamentou o acesso dos cidadãos brasileiros à informações públicas. A Agência Mural registrou um pedido em 9 de agosto. Solicitamos dados sobre a execução do plano de metas da gestão do prefeito Lauro Michels (Partido Verde), reeleito em 2017. O sistema deu a previsão de resposta para 29 de agosto. Mas, quase três meses depois, nada. 

A falta de transparência de Diadema não é isolada e se trata de uma realidade vivida por moradores de praticamente metade da região metropolitana de São Paulo. A Agência Mural solicitou dados dos planos de metas de todas as 39 cidades da Grande São Paulo — 17 ignoraram os pedidos. 

A legislação define que todos os órgãos públicos do Brasil têm a obrigação de divulgar as informações quando houver solicitação de qualquer morador (salvo em casos de ter sido colocado sigilo). A lei não é cumprida em especial nas cidades. A situação é crítica mesmo quando se trata de regiões populosas como a Grande SP, onde vivem 21 milhões de habitantes (10% da população do país).

Em alguns casos, não foram encontradas sequer as páginas para registrar pedidos de informação, e em outros não havia a opção para recorrer, caso a demanda não fosse respondida. Ambos são obrigação das prefeituras de acordo com a LAI (Lei 12.527/2011). 

Reportagem fez pedido pelos correios para cidades que não tinham plataforma eletrônica | Foto: Anderson Meneses/Agência Mural

Transparência como promessa 

Dizer que é transparente costuma ser marca dos candidatos nas eleições brasileiras. Prática que muda quando se assume o poder. 

Quando disputou a prefeitura em 2016, o prefeito de Mogi das Cruzes, Marcus Melo (Partido da Social Democracia Brasileira), fez questão de registrar no plano de governo que iria “ampliar as ferramentas de transparência e controle social da administração pública”. Três anos depois, na prática, a situação não é essa. 

Com 400 mil habitantes e orçamento de R$ 1,6 bilhão por ano, o município não tem uma página de fácil acesso. Sem encontrar o e-SIC (Sistema de Informação ao Cidadão), encaminhamos um pedido por carta. A prefeitura entrou em contato e disse que precisava de um documento pessoal e do telefone para protocolar.

O documento foi enviado em 15 de agosto. Quatro dias depois foi protocolado. Três meses se passaram e nenhuma resposta. Não há canal para recorrer. 

Quem também viveu problemas para acessar dados na cidade foi Jamile Santana, 31, co-fundadora do site Painel Jornalismo. Jamile conta que já registrou denúncias no Ministério Público contra Mogi das Cruzes e Guararema, cidade vizinha. 

Na ação contra Mogi, ela pontuou os empecilhos que encontrou no e-SIC, inclusive a falta de opção para abrir recurso, ao protocolar, em 12 de junho de 2019, um pedido de acesso à lista de devedores inscritos na dívida ativa do município. 

A prefeitura descumpriu o prazo de 20 dias e no dia 3 de julho, sem pedir prorrogação, informou à Jamile que o Portal da Transparência não era a via adequada. Afirmou que o pedido deveria ser feito por escrito e pessoalmente no Protocolo Geral, local de atendimento. A ação, contudo, foi arquivada pela Promotoria. 

Em Guararema, a questão levada ao Ministério Público foi o fato de um recurso ter sido avaliado pela mesma pessoa que havia rejeitado a solicitação antes. Jamile havia enviado um pedido sobre ISS (Imposto Sobre Serviços) por e-mail e recebeu uma resposta incompleta do chefe do setor financeiro. 

“Perguntei para ele: onde entro com recurso? Coloquei lá os argumentos, e quem julgou foi o próprio chefe que havia me atendido na primeira vez”, conta ela. Segundo o artigo 15 da LAI, o recurso deve ser avaliado por alguém de hierarquia superior.

A falta de cumprimento da LAI em Mogi das Cruzes foi identificada pelo Tribunal de Contas do Estado. Em parecer de agosto de 2019, o conselheiro Sidney Beraldo listou cinco tipo de falhas. “Apesar de ter sido criado um sistema de informação ao cidadão, não existe legislação municipal que trate do acesso à informação”, afirmou. Apesar disso, o TCE recomendou a aprovação das contas.Poucos avanços 

A falta de transparência identificada é semelhante a apurada pela Agência Mural em 2018, quando identificamos ao menos 20 cidades que dificultam o acesso à informação pública. Na época, boa parte delas não tinha e-SIC visível. 

Todavia, desta vez, optamos por enviar os pedidos por carta para as prefeituras nas quais não localizamos o sistema ou apresentavam algum problema que impedia o registro. Foram 13 envios pelo Correio. 

Destes, três cidades responderam ao recebimento: Suzano, que enviou uma resposta; Biritiba Mirim, que rejeitou a solicitação, e Mogi, citado acima. Outras nove cidades simplesmente ignoraram a correspondência. Os problemas de transparência vão além das prefeituras das cidades da Grande São Paulo. 

Em maio, a ONG Artigo 19 divulgou um relatório com resultados da avaliação sobre o funcionamento dos e-SICs dos 26 estados e do Distrito Federal, da Controladoria Geral da União (CGU), do Senado, da Câmara dos Deputados, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Nenhum órgão conseguiu alcançar 100% dos critérios definidos, sendo que a CGU foi o que teve a maior pontuação, 93%, seguido pelos estados de Alagoas e Maranhão, ambos com 80%. Em Roraima não foi possível nem fazer cadastro, pois o sistema estava fora do ar. 

Por que não cumprimos a lei?

Mas o que leva uma cidade a não cumprir uma lei em vigor há sete anos? Perguntamos para Fabiano Angélico, especialista em transparência pública. 

Um dos pontos é que as prefeituras pequenas podem sofrer dificuldade para implantar a estrutura necessária. É preciso de tecnologia e uma equipe para dar conta da demanda. 

Porém, prefeituras com orçamentos de quase R$ 3 bilhões ao ano, como Barueri, também ignoraram os pedidos feitos pela Agência Mural. Governada pela quinta vez por Rubens Furlan (Partido da Social Democracia Brasileira), a prefeitura da cidade não respondeu aos questionamentos sobre a LAI.

Por vezes, também falta interesse dos gestores no tema. “Vontade política é uma coisa criada. São as pessoas, ONGs, jornalistas locais, que fazem com que a prefeitura seja estimulada a agir”, diz Angélico.

Para ele, quanto mais pedidos, mais chances de a lei ser usada efetivamente. “Está muito claro que estados e municípios não têm mais desculpa”, avalia.

Ele explica que há três caminhos para cobrar melhorias no acesso à informação. O primeiro deles é mobilizar a opinião pública, levar a questão à Câmara Municipal para vereadores denunciarem a situação ou a veículos jornalísticos que atuem na cidade. O segundo caminho é o Ministério Público e, por fim, o Tribunal de Contas do Estado. 

Principalmente no caso de jornalistas, é recomendado agir em conjunto, em especial em municípios menores, por questão de segurança. “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolar uma denúncia por conta do não cumprimento, por exemplo, pode ter mais peso no Ministério Público”, diz Angélico. 

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