Ataques armados no norte de Moçambique continuam

PEMBA, Moçambique (31 de Janeiro 2019) Fuzileiros navais das Forças Armadas de Defesa de Moçambique estão em formação, 31 de Janeiro de 2019 — por CNE CNA C6F sob licença de CC PDM

Os ataques armados em Cabo Delgado, província no norte de Moçambique que faz fronteira com a Tanzânia, já mataram mais de 600 pessoas desde 2017 — enquanto a identidade dos responsáveis, bem como suas motivações e fontes de financiamento, permanecem desconhecidos para as autoridades.

Apesar do governo ter ampliado significativamente a presença militar na região no último ano, relatos de incursões armadas que resultam em morte de civis seguem frequentes.

O governo tem mantido sigilo com relação a suas operações, com autoridades locais chegando a proibir o trabalho de jornalistas e pesquisadores na região.

As populações das zonas sob ataques têm sobrevivido a duras penas, se refugiando de um lado para o outro a procura de segurança.

Viver em comunidades que foram vítimas dos atacantes tem sido um martírio, escreve a Carta de Moçambique, que conta que para alguém se deslocar a uma outra região é preciso pedir autorização ao secretário do bairro, a quem se deve pagar uma quantia, que por sua vez será passada a uma guia de marcha. Também é necessário obter um visto do chefe do posto policial e respectivos contactos telefónicos:

Os cidadãos que por vários motivos forem interpelados pelas autoridades devem explicar donde vêm. Porém, se ao ligar-se para o local de proveniência, as autoridades (desse local) mesmo conhecendo o indivíduo, afirmarem que o mesmo saiu sem autorização é motivo de suspeita de estar a colaborar com os atacantes.

Ainda que as autoridades não tenham estabelecido a identidade dos atacantes, algumas investidas têm sido reivindicadas pelo auto-proclamado Estado Islâmico. Foi o caso de um ataque no dia 6 de Dezembro a uma base das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) que deixou 16 militares moçambicanos mortos.

Há rumores de que mercenários do “Wagner Group,” ligado ao Kremlin, estejam auxiliando as FADM. O Kremlin, assim como Maputo, negam que soldados russos estejam em território Moçambicano. O governo Moçambicano confirma que a Rússia forneceu material bélico para o combate aos grupos armados.

Porém, fontes anônimas das forças armadas moçambicanos afirmaram em diferentes ocasiões à mídia que há militares russos em Moçambique. O The Times of London reportou em outubro de 2019 que 200 mercenários foram despachados para Moçambique, enquanto o Moscow Times afirmou no mesmo mês, com base em fontes anônimas, que 7 haviam morrido em duas ocasiões diferentes.

De acordo com o Jornal A Verdade, o governo também tem recebido apoio das forças de Zimbabwe, Tanzânia, Congo Democrático e da China. As autoridades não confirmaram essas informações, de acordo com a publicação.

Ataques continuam

O desejo do presidente Filipe Nyusi era de que os ataques ficassem com o ano de 2019, como referiu na sua mensagem do fim do ano. Entretanto, as incursões continuam.

No dia 5 de Janeiro de 2020 um número não identificado de pessoas morreram após uma emboscada a um transporte semi-colectivo de passageiros na vila de Antadora, distrito de Macomia. Testemunhas ouvidas pela agência de noticias AFP falaram de entre quatro a dez mortos civis.

Enquanto antigamente costumavam acontecer à noite e de madrugada, e em pequenas aldeias, incursões recentes foram feitas à luz do dia e em vilas maiores.

Na tarde do dia 3 de Dezembro, duas pessoas ficaram feridas após ataque a uma caravana numa estrada na aldeia de Matapata, a 20 quilómetros da vila de Palma — no extremo interior da Baía de Tungue, imediatamente a sul de cabo Delgado –, local onde é a principal base para a produção do gás natural de Moçambique.

Na ocasião, um cidadão local que se fazia transportar numa bicicleta foi interceptado e imediatamente decapitado. O ataque aconteceu por volta das 15h.

Pela primeira vez desde que as incursões iniciaram em Outubro de 2017, os atacantes divulgaram, em Dezembro de 2019, imagens nítidas de parte dos seus supostos membros, algo que foi interpretado por Nuno Rogério, analista português de política internacional, como sinal de confiança e impunidade.

Ademais, as imagens mostram homens armados hasteando bandeiras do Estado Islâmico nas viaturas das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique. A polícia confirma a situação e presume que as viaturas foram parar nas mãos dos atacantes após uma emboscada.

Contudo, a suposta presença do Estado Islâmico ainda é questionada.

Guerra não declarada

Esta “guerra”, como denominou a situação armada o comandante geral da polícia Bernardino Rafael, já afectou perto de 60.000 pessoas segundo as Nações Unidas, que alertam que a intensificação dos ataques pode ameaçar a segurança regional. O país vizinho que faz fronteira com Cabo Delgado, Tanzânia, está em alerta, assim como a província moçambicana de Nampula.

O presidente moçambicano Filipe Nyusi, que acredita que o país está ser vítima do que chamou de “invasão camuflada contra o desenvolvimento”, disse em Setembro estar aberto a dialogar com os atacantes, enquanto em Dezembro prometeu “empregar todos os meios” para conter a violência armada.

Entretanto, no dia 15 de Dezembro, populações de duas aldeias decidiram expulsar membros das FADM que estavam posicionadas nas suas comunidades.

Empunhados de flechas, paus, catanas e outros instrumentos, a população disse confiar em si própria, pois, dois dias antes, houve ataques em outras aldeias vizinhas, mas as FADM não retaliaram. A população também afirma que todos os locais para onde as FADM foram destacadas acabaram por tornar-se alvos de ataques, como reportou a Carta de Moçambique.

Além de assassinato com recurso a disparos ou decapitação, pilhagem de produtos e bens, incêndio a residências, também há relatos sobre rapto de raparigas.

Face à situação de medo e incerteza, os Estados Unidos e Canadá emitiram recentemente avisos desaconselhando os seus cidadãos a viajarem para a província de Cabo Delgado.

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