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Jornalistas e activistas moçambicanos são alvo de ameaças em ano eleitoral

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Censorship, Direitos Humanos, Eleições, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política, GV Advocacy

Cartazes da eleição de 2019 em Moçambique. Foto do autor, publicada com permissão.

Em 15 de outubro, os moçambicanos votaram para presidência, parlamento e governos provinciais, na sexta eleição geral do país desde que a constituição multipartidária foi aprovada em 1992.

Eleições contestadas

O principal partido de oposição, RENAMO, rejeitou [1] os resultados, como tem feito em todas as eleições desde 1994. O partido acusa o FRELIMO de fraudar as eleições. O governo nega.

Enquanto isso, missões do Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável na África e a União Europeia destacaram [2] irregularidades no registro de votos e denunciaram a violência que manchou o período de campanha.

No entanto, missões de observação da União Africana, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e da Comunidade para o Desenvolvimento do Sul da África declararam [3] conjuntamente que as eleições foram conduzidas de “forma ordeira e pacífica” e “de acordo com os padrões internacionais”, e afirmaram que os incidentes de violência foram “isolados” e “não comprometeram a integridade do processo”.

Resultados parciais [4] mostram que o presidente Filip Nyusi será reeleito com 75% dos votos. Seu partido, o FRELIMO, que governa Moçambique desde 1992, elegerá dois terços das cadeiras da câmara legislativa e todos os 10 governos provinciais.

Neste ano eleitoral, organizações de direitos humanos documentaram vários casos em que jornalistas e ativistas foram ameaçados e sujeitos a pressões que interferiram em seus trabalhos, incluindo ameaças enviadas por SMS.

Um dia antes da votação, a associação de rádios comunitárias FORCOM publicou [5] no Twitter que um de seus jornalistas, Naldo Chivite, recebeu uma ameaça por SMS. “Chivite, você deve ter cuidado com o que vai falar na terça-feira [dia da votação]. Você falou muito sobre a eleição em Nampula [província no nordeste de Moçambique] e nós aceitamos. Tenha cuidado”, dizia a mensagem, de acordo com a FORCOM.

Em um comunicado de imprensa, a associação disse que registrou a ocorrência na polícia e solicitou proteção para o jornalista, afirmando ainda que ameaças como esta violam o direito de expressão.

A Global Voices conversou com Chivite, que disse suspeitar que a ameaça foi enviada por membros de um partido político, sem especificar nenhum. Ele acrescentou que recebeu ameaças semelhantes nas eleições de 2014.

Fundada em 2004, o FORCOM [6] é o fórum nacional da comunidade de radiodifusoras em Moçambique. Conta com 45 rádios comunitárias de todo o Moçambique entre seus membros.

Outro caso envolveu Tomé Balança, um radialista da Radio Chuabo FM. De acordo com o diretor da rádio Zito Ossumane, pessoas não identificadas invadiram a casa de Balança no dia da votação, “torturaram ele e o ameaçaram de morte”, disse Ossumane no Twitter. Ossumane afirmou que ele também recebeu ameaças por telefone no dia da votação. 

Em 18 de janeiro, Fátima Mimbire, ativista e ex-funcionária do Centro de Integridade Pública [10] (CIP) recebeu [11] mensagens intimidadoras e ameaças de morte em redes sociais. O CIP é uma organização da sociedade civil que acompanha a observação eleitoral em Moçambique.

De acordo com a Anistia Internacional [11], “militantes conhecidos do FRELIMO têm estimulado a violência contra ela em redes sociais”. A integrante do parlamento Alice Tomás [12] sugeriu que Fátima Mimbire fosse estuprada naquele momento, dizendo: “Ela fala muito e deve ser estuprada por 10 homens fortes e cheios de energia para ensinar a ela uma lição”, disse a deputada no Facebook.

Esse tipo de ameaça, particularmente via SMS e redes sociais, não é sem precedentes em Moçambique. 

Durante as eleições municipais no último ano, vários jornalistas, organizações de mídia e defensores dos direitos humanos receberam mensagens ameaçadoras por publicarem resultados eleitorais ao vivo e por monitorarem a votação, disse a Anistia Internacional. Na província Tete, Aparicio Jose de Nascimento, editor do jornal semanal Malacha recebeu ameaças de morte por ter publicado resultados eleitorais on-line.

De acordo com MISA-Moçambique em Tete, as ameaças, que circularam via WhatsApp, forçaram [13] o jornalista a se esconder em lugar desconhecido. O jornalista começou a receber ameaças na manhã do dia 11 de outubro de 2018, quando seu jornal publicou resultados da eleição municipal de Moatize que mostravam a vitória do principal partido de oposição.

Ele contou à Global Voices que foi avisado por pessoas próximas que a informação que estava circulando em um grupo privado de WhatsApp era que ele deveria ser sequestrado.

Em eleições anteriores, conexões móveis e de internet foram ferramentas chave para esforços de monitoramento das eleições em Moçambique [14]. Observadores cidadãos usaram suas câmeras para documentar [15] quaisquer situações ou irregularidades no dia da eleição, e assim contribuir para a transparência do processo de votação.

Diferentemente de alguns países vizinhos, Moçambique não possui um histórico de restrição ao acesso de redes em períodos eleitorais ou de convulsões políticas. No Malawi, por exemplo, a internet e as redes sociais foram parcialmente bloqueadas [16] durante a contagem dos votos depois da eleição de 21 de maio, enquanto no Zimbabwe, em janeiro, houve restrição [17] de acesso a redes sociais e a internet como um todo em certas áreas do país, em resposta a protestos antigovernamentais.

Ainda assim, ameaças, sejam on-line ou via SMS e ligações, representam uma grave violação do direito dos moçambicanos de acesso à informação e expressão. As ameaças contribuem para um ambiente de medo e intimidação para que jornalistas e ativistas façam seu trabalho sem interferência em momentos em que o público precisa de relatos confiáveis.


Este artigo é parte da cobertura [18] que analisa a interferência em direitos digitais por métodos como bloqueios da internet e desinformação, durante eventos políticos chave em sete países africanos: Argélia, Etiópia, Moçambique, Nigéria, Tunísia, Uganda, e Zimbabwe. O projeto é financiado pelo Africa Digital Rights Fund [19]da The Collaboration on International ICT Policy for East and Southern Africa [20] (CIPESA).