A um ano da eleição para prefeituras, Grande São Paulo tem mais de 500 obras paradas ou atrasadas

Residencial Pequiá deveria ter sido entregue em 2014, mas obras pararam; após abandono, moradores ocuparam local. Foto: Ana Beatriz Felicio/Agência Mural, usada com permissão.

Este texto é de autoria de Paulo Talarico, Ana Beatriz Felicio, Henrique Cardoso, Kátia Flora, Micaela Santos, Thalita Monte Santo, com infográfico de Magno Borges. É publicado aqui via  parceria de conteúdo entre o Global Voices e a Agência Mural.

Dentro da cozinha de um dos apartamentos, a catadora de materiais recicláveis Kelly Archanjo Costa dos Santos, 43, amamenta a mais nova dos quatro filhos, cujo parto fez sozinha, dentro do quarto. “Essa nasceu literalmente no [conjunto habitacional] Pequiá”, conta.

Se não fosse pelas paredes ainda em concreto e os acabamentos de fiação expostos, a casa não teria diferenças de qualquer outra, com eletrodomésticos e decoração bem cuidada. No entanto, se trata de uma obra parada em Carapicuíba, na Grande São Paulo. 

Kelly é uma das sete líderes da ocupação do Pequiá. Previsto para 2014, o local era para ser um conjunto residencial de 196 apartamentos, com investimento de R$ 65 milhões. 

O local é símbolo de uma situação que afeta a maior região metropolitana do Brasil com 21 milhões de habitantes e 39 municípios. 

Dados do TCE (Tribunal de Contas do Estado), coletados pela Agência Mural, mostram que só na Grande São Paulo são 139 projetos que passaram do prazo e outros 137 que não tiveram andamento e estão abandonados. 

Apesar das obras paradas, dinheiro público foi gasto. Ao menos R$ 5,2 bilhões foram destinados para projetos que estão parados. Se todos fossem concluídos, a região metropolitana teria R$ 44 bilhões de investimentos realizados — o valor a que chegariam todos os contratos firmados, caso fossem executados no prazo. 

Mas há mais obras. O TCE não contabiliza obras da prefeitura de São Paulo, que são fiscalizadas pelo TCM (Tribunal de Contas do Município). Uma auditoria do TCM divulgada em maio mostrou que há 289 obras inacabadas na capital, das quais apenas 17 estão dentro do prazo e 106 estão paradas. 

Ainda há casos avaliados exclusivamente pelo TCU (Tribunal de Contas da União), por serem do governo federal, como as universidades federais. Há ao menos 15 projetos nesse estágio.

O cenário preocupa essas regiões a menos de um ano das eleições municipais, quando prefeitos e vereadores serão escolhidos para o mandato de 2021 a 2024. Somados os valores dos tribunais de contas do Estado e do município há mais de 500 obras paradas ou atrasadas.

Kelly teve a filha dentro do residencial. Foto: Ana Beatriz Felicio/Agência Mural, usada com permissão.

A construção onde vive Kelly surgiu de um convênio com a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) e o governo federal tem um histórico que dura mais de uma década. Prometida em 2004, a obra patinou durante anos e só teve início em 2012. Os prédios foram erguidos, mas logo deixados de lado. Após uma paralisação, as sete torres levantadas e sem acabamento foram ocupadas em 2015.

Kelly foi morar lá porque estava desempregada e não tinha como pagar o aluguel. “Muitos daqui vieram de aluguéis, de desemprego, muitos moravam com familiares. Então, viemos para uma luta para ser independente, termos onde morar. No meu caso, hoje o meu maior desafio é conseguir um emprego por causa da minha idade”, conta ela, aos 43. A prefeitura entrou com um pedido de reintegração de posse na justiça. 

Pela Grande São Paulo, outras áreas foram afetadas. A educação é o setor com mais obras com impasse: 58 atrasados ou parados. Especialmente envolvendo creches, o que complica a vida dos pais que precisam trabalhar e não tem com quem deixar os filhos. 

É a situação que vive o casal Leo Domingos, 36, e Carina Marina Dias Sotero, 32, pais da pequena Mallu, de nove meses. Atualmente, a mãe está desempregada, mas procura por trabalho. Todos os dias, Leo passa perto de um terreno no Parque Cecap, em Guarulhos, onde há promessa de construção de um CEU (Centro de Educação Unificado) e uma creche.

“Fico triste em ver uma obra daquele tamanho se destruindo com o tempo”, diz Leo, que acompanha a situação do projeto desde o começo. Outras duas creches estão abandonadas e a prefeitura culpa a gestão anterior pelo problema. 

Edivaldo vive na zona norte de Osasco, onde a canalização de córregos é promessa antiga. Foto: Paulo Talarico/Agência Mural, usado com permissão.

Na cidade de Osasco, com 700 mil moradores, um dos dramas são as enchentes durante as chuvas de verão. Obras que superam R$ 100 milhões prometiam mudar o cenário na região, mas esbarraram na dificuldade de financiamento e em licitações julgadas irregulares. 

Situação semelhante a de São Bernardo do Campo e Diadema, cidades cortadas pelo córrego Ribeirão dos Couros que dificulta a vida dos moradores, em tempos de chuvas e enchentes. A prefeitura refez a licitação para terminar o projeto. Em Franco da Rocha, 22 obras atrasaram, a maioria voltadas à área da saúde. 

Um dos maiores investimentos que ainda não saiu do papel está nas ferrovias. 

Quem vive nas periferias da capital como os bairros da Brasilândia, na zona norte, e em Paraisópolis, na zona sul, há anos aguarda a chegada do metrô para facilitar o transporte aos bairros com mais de 300 mil moradores. 

Em Paraisópolis, a promessa remonta aos tempos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Quando o Morumbi era o estádio pensado para receber o Mundial, o projeto do monotrilho que passaria pela região ganhou força. Ele ligaria a atual estação São Paulo-Morumbi da linha 4-amarela até o aeroporto. 

Local próximo a favela de Paraisópolis, onde o monotrilho deveria ter chegado em 2014. Foto: Henrique Cardoso/Agência Mural, usada com permissão.

Duas estações passariam pela região que é a maior favela de São Paulo. “Passada a Copa [no Brasil], veio uma segunda Copa, e a obra não aconteceu”, comenta Gilson Rodrigues, presidente da Associação de Moradores. 

“A gente se mobilizou muito para que chegasse. Um dos principais problemas do bairro é a questão da locomoção”, diz.

Os moradores têm acompanhado os trâmites do projeto. Atualmente, a linha 17-ouro está com obras apenas até a estação Morumbi da linha 9-esmeralda. Ou seja, antes de atravessar o rio Pinheiros. 

No entanto, a comunidade ainda acredita que a obra pode chegar, pois os terrenos foram adquiridos pelo Metrô, e algum fim deve ser destinado para essas áreas. 

A chegada do monotrilho desafogaria o transporte no bairro, feito atualmente pelos micro-ônibus. “A quantidade ainda é baixa e os itinerários estão concentrados”, diz o designer Robson Sena, 40. 

O Tribunal de Contas do Estado aponta que mais de R$ 1,2 bilhão já foram gastos por conta do projeto, metade dos R$ 2,2 bilhões contratados. Dos oito projetos que envolvem a linha, quatro estão parados, segundo o TCE.

Procurado pela Agência Mural, o Metrô afirma que pretende “retomar todas as obras paradas”.  “A Linha 17 vai receber mais de 170 mil pessoas/dia”, diz por meio de nota. Os prazos para a construção do monotrilho na região de Paraisópolis não foram informados. 

Sobre a Brasilândia, a obra seria tocada via PPP (Parceria-Público-Privada), mas as empresas contratadas recuaram, após ter dificuldades em conseguir financiamento com desdobramentos da Operação Lava Jato (investigação que apura o pagamento de propina de construtoras e empreiteiras a políticos no Brasil). 

O governo do estado de São Paulo aguarda que outras empresas se interessem pelo negócio que ainda não saiu do papel.

Obras paradas na capital (Magno Borges/Agência Mural)

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