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Vídeo revela métodos violentos usados pelas forças governamentais no combate aos ataques no norte do Moçambique

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Censorship, Desenvolvimento, Direitos Humanos, Economia e Negócios, Etnia e Raça, Guerra & Conflito, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Religião
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Retrato de habitações consumidas pelo fogo posto durante os ataques. Foto: Borges Nhamire, 2018. Usada com a devida permissão.

Um vídeo [2]que circula nas redes sociais mostra elementos trajados com o uniforme das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, FADM, a torturar e a humilhar um suposto civil, no âmbito do combate aos ataques que desde Outubro de 2017 aterrorizam a província de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, tal como já escreveu o Global Voices em textos anteriores [3].

Nas imagens, é possível ver os agressores açoitando a vítima supostamente porque não dava uma resposta satisfatória quando questionado sobre o que fazia nas imediações daquela posição militar. Um dos uniformizados chegou a sugerir que a vítima fosse baleada enquanto um outro buscava por água, provavelmente para a prática de tortura conhecida como afogamento simulado.

O Jornal moçambicano CanalMoz publicou [4] no Facebook que o vídeo foi captado por um dos militares das FADM, numa das rondas de patrulha contra os atacantes extremistas e que, na verdade, é este o modus operandi:

Cidadãos são torturados sem que ninguém lhes defenda, numa cruzada de brutalidade sem paralelo.

Cenas como estas repetem-se todos os dias, segundo [5] Omardine Omar, jornalista da Carta de Moçambique, que denuncia ainda o rapto de comerciantes nas zonas dos ataques supostamente porque sao tidos como estando a alimentar os atacantes.

Sabe-se que em finais de 2018, a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) dava conta [6] de detenções arbitrárias, maus tratos e execuções sumárias de dezenas de indivíduos suspeitos de pertencerem a grupos armados.

A situação provocou comentários divergentes nas redes sociais com uma ala condenando o uso de métodos agressivos por parte das FADM, enquanto uma outra incentiva com o argumento de que os atacantes também tem sido bárbaros nas suas incursões que já resultaram no assassinato de mais de 200 pessoas, na sua maioria civis, bem como no incêndio de habitações, emboscada de veículos, pilhagem de bens públicos e privados.

Recentemente, o presidente moçambicano, Filipe Nyusi, classificou os actos como acções de terrorismo [7] e garantiu que as Forças de Defesa e Segurança vão continuar no terreno a combater, sem trégua, e não descansarão enquanto a paz não estiver restituída.

Entretanto, O Ministro moçambicano da Defesa Nacional, Atanásio Ntumuke, e a Polícia da República de Moçambique, tem transmitido nas suas mensagens uma ideia de que a situação está sob controlo, o que é contrariado pelos relatos locais. Jornalistas que tentam cobrir o combate sao intimidados e detidos pelas forças governamentais, refere [8] o HRW.

Em uma carta [9] escrita no quadro da visita [10] do Papa Francisco a Moçambique, o Bispo da Diocese da capital de Cabo Delgado, Dom Luiz Fernando Lisboa, questiona [11] a eficácia das políticas do Governo no combate ao grupo que aterroriza a província, assim como as razões do secretismo em relação ao assunto:

A imprensa fala do encontro de autoridades com jornalistas, como um encontro de intimidação e ameaça. Fala-se de agentes que estão infiltrados entre a população para não deixar passar nenhuma informação. O que pretendem as autoridades civis e militares, criando este clima de secretismo e silêncio? Qual é o segredo que não querem revelar nem que seja revelado? Porque não se deixam ajudar nas investigações por jornalistas corajosos, sérios e responsáveis?

Querem instalar Estado independente que una norte de Moçambique e sul da Tanzânia

No âmbito dos seus esforços no combate aos ataques, as Forças Governamentais prenderam vários cidadãos nacionais e estrangeiros suspeitos de fazerem parte do grupo extremista. Depois de em Abril o Tribunal Provincial de Cabo Delgado ter decidido pela condenação de 37 pessoas [12] e em Junho mais 23 pessoas [13], estão actualmente na mira 26 arguidos, após a conclusão da instrução de mais três processos acusatórios por parte do Ministério público.

A acusação aponta como causas dos crimes o facto de o grupo pretender, através das suas acções, criar instabilidade e impedir que as populações frequentem o Sistema Nacional de Educação e de Saúde. Por tudo isso, avança a acusação do Ministério Público citado [14] pelo Jornal Savana, os atacantes pretendem instalar um Estado Independente que anexe os distritos da região norte da província e a parte sul da República Unida da Tanzânia, com uma orientação de radicalismo islâmica.

Entretanto, a Comunidade Islâmica de Moçambique distancia-se [15] dos ataques que têm sido associadas à sua religião. Filipe Nyusi considera [16] que os promotores sao homens que não querem mostrar o seu rosto, fazendo de alguma forma e através de seus pronunciamentos um esforço para que a opinião pública os confunda com os homens que defendem o Islão.

A província de Cabo Delgado faz fronteira com Tanzânia e partilham a mesma língua local – o swahili. Em um ataque [17] registado na noite do dia 26 de junho, pelo menos 11 pessoas morreram, sendo dois moçambicanos e nove tanzanianos. A situação fez com que as Forças de Defesa e Segurança dos dois países acordassem [18] a realização de operações conjuntas na zona fronteiriça para fazer face aos ataques.

Um mapa interactivo [19] que faz acompanhamento das actividades do Estado Islâmico colocou o extremo norte de Moçambique como mais um ponto de conflito, após a organização jihadista ter reivindicado pelo menos dois ataques [20].

Entretanto, a suposta participação dos ISIS em Moçambique tem sido questionada. A consultora Risk Advisory, que acompanha a dinâmica dos ataques considerou [21] a primeira reivindicação “enganadora” por sugerir uma presença no território que não está comprovada. A polícia moçambicana também negou [22] veracidade do ataque.

Já no segundo caso, o especialista em segurança do portal Zitamar News [23], Samuel Ratner, constatou ter havido uma discrepância entre o ataque reportado e a reivindicação feita pelo ISIS.

As discrepâncias entre o ataque real e as alegações do ISIS são instrutivas: os ataques parecem ser concebidos de acordo com a estratégia dos insurgentes do CD, mas reivindicados de acordo com a estratégia do ISIS. Cooptação sem coordenação.

Projectos de exploração de gás sob ameaça

A província de Cabo Delgado é rica ainda em florestas com madeira, grafite [26], rubis [27] e ouro [28], sendo que os ataques acontecem perto de uma das maiores reservas de gás natural do mundo localizadas nas águas profundas da bacia de Rovuma, que abrange a fronteira do norte de Moçambique com a Tanzânia.

De facto, várias gigantes petrolíferas, com o destaque para a Italiana ENI [29] e as americanas Anadarko [30] e ExxonMobil [31], preparam se para extrair gás natural, em um processo que fará com que a economia do País cresça bruscamente [32].

O Instituto Nacional de Petróleos de Moçambique admitie [33]estar preocupada com a violência considerando que a situação deve ser controlada “o mais cedo possível” para facilitar o desenvolvimento dos projetos. Entretanto, a imprensa revela [34] a contratação, por parte das multinacionais, de forças de segurança, com capacidade de reconhecimento, informação e combate, com vista a garantir os interesses empresariais.

Não está claro se é uma medida feita em parceria com o Governo de Moçambique, mas sabe se que o presidente Nyusi admit [35]iu o uso de “medidas extraordinárias” com multinacionais para lidar com os ataques.

Durante a sua visita a Moçambique, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, manifestou [36] a disponibilidade da Unidade de Contraterrorismo da ONU para ajudar o País a combater os grupos armados.

Em meados de Julho deste ano, os ministros de segurança da comunidade dos países da África Austral, SADC, incluindo Moçambique, aprovaram a política e o respectivo plano de acção para combate ao terrorismo [37]:

The meeting deliberated on the alarming threats posed by terrorism and transnational cross border crime, and approved the SADC Regional Counter Terrorism Strategy and its Action Plan, and Member States were urged to implement the Terrorism Strategy and Plan, and to continue devising preventive interventions against, radicalisation, terrorism and transnational organised crime.

A reunião deliberou sobre as ameaças alarmantes colocadas pelo terrorismo e a criminalidade transnacional e aprovou a Estratégia Regional contra o Terrorismo da SADC e o seu Plano de Acção. Os Estados-Membros foram instados a implementar a Estratégia e o Plano do Terrorismo e a continuar a planear intervenções preventivas contra radicalização, terrorismo e criminalidade organizada transnacional.