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O povo de Hong Kong contra o projeto de extradição para a China

Categorias: Mídia Cidadã
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Protesto de dois milhões de pessoas em 16/06/2019. Foto tirada por PH Yang. Utilizada sob permissão.

Embora Hong Kong seja parte da República Popular da China (RPC) desde que os britânicos deixaram o território em 1997,  possui uma condição exclusiva como Região Administrativa Especial [2] (SAR) – um território autônomo dentro da China que desfruta de um modelo político conhecido como ‘“um país, dois sistemas” [3], que garante leis, poder judiciário, governo, moeda e política de vistos independentes. Esse status especial conferiu a Hong Kong um grau de liberdade de expressão e uma diversidade política e midiática desconhecidos no país, tornando-se um local atrativo também para os negócios internacionais.

Entretanto, essa independência valiosa está sob ameaça. Uma emenda [4] ao Decreto dos Infratores Fugitivos e à Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal – popularmente conhecida como a “lei da extradição” – proposta pelo Conselho Legislativo (parlamento de Hong Kong) em fevereiro de 2019, é a mais recente de uma série de medidas que ameaçam minar a autonomia do território. Caso aprovado, o projeto de lei autorizaria Hong Kong a extraditar suspeitos de crimes para serem julgados na China continental.

A população de Hong Kong recusa-se a aceitar essa proposta. Desde março de 2019, os hongkongers vêm protestando contra o projeto de lei, defendendo os valores essenciais da cidade com firmeza e coragem. Com a recusa do governo em recuar – mesmo após a mobilização de um milhão de pessoas no dia 9 de junho – as ações de protesto se intensificaram e a polícia acabou utilizando gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes em 12 de junho. Pouco tempo depois, no dia 16 do mesmo mês, dois milhões de moradores tomaram as ruas em uma demonstração de protesto pacífico. O Conselho Legislativo então suspendeu o projeto de lei.

A influência crescente de Pequim

De acordo com o calendário estabelecido pela Lei Básica [5], a mini constituição de Hong Kong, a reforma política deverá ser introduzida gradualmente na região. A China, no entanto, não conseguiu aderir a esse plano, adotando uma abordagem mais agressiva para tornar o território alinhado politicamente com Pequim.

Uma ação que continua sendo protelada é a concessão do sufrágio universal ao Conselho Legislativo e ao chefe-executivo. Um evento histórico na política de Hong Kong foi a aprovação, feita pelo comitê de direção do Congresso Nacional do Povo, em 30 de agosto de 2014, de uma determinação que estabeleceu o comitê de nomeação para os candidatos ao cargo de chefe- executivo, restringindo o número de candidatos entre dois a três. Essa ação – uma intervenção direta de Pequim – privou os cidadãos de Hong Kong do direito de nomear o prefeito da cidade, e desencadeou a onda de manifestações em massa conhecida como a Revolução dos Guarda-Chuvas [6].

Desde 2014, Pequim vem interferindo em assuntos internos de Hong Kong. Nas eleições do conselho distrital em 2015 – e novamente nas eleições do Conselho Legislativo em 2016 – vários candidatos foram desqualificados por se posicionarem politicamente favoráveis à defesa da autonomia da cidade. Nos últimos dois anos, seis legisladores da ala pan-democrática foram desqualificados [7] para assumir o cargo, por supostamente usarem a cerimônia de juramento como plataforma política. Um grande número de ativistas da Revolução dos Guarda-Chuvas e dos incidentes ocorridos em Mongkok [8] em 2016 foram presos.

Outro evento marcante foi o desaparecimento de cinco livreiros  [9]em 2015, deixando a sociedade chocada e comprometendo a segurança pessoal dos dissidentes políticos de Hong Kong. A mídia, os artistas e até mesmo os acadêmicos estão sob crescente pressão para censurar seus trabalhos.

No entanto, o povo continua preservando a cidade contra as intervenções de Pequim. Este ano estima-se que 180.000 de pessoas participaram da vigília anual [10] em Hong Kong, em comemoração ao 30º aniversário do Protesto na Praça da Paz Celestial. As manifestações contra a extradição para a China são mais uma frente para defender a autonomia da cidade.

O argumento

O governo de Hong Kong alega que a emenda proposta às leis de extradição atuais foi desencadeada pelo assassinato de uma mulher de 20 anos, Poon Hiu-wing, por seu namorado, Chan Tong-kai, ocorrido em Taiwan, em fevereiro de 2018. Quando Chan retornou a Hong Kong após o incidente, foi preso pela polícia. Embora tenha admitido o assassinato, como o fato ocorreu em Taiwan, ele foi acusado apenas de lavagem de dinheiro, uma vez que reconheceu ter usado os cartões bancários de Poon para sacar dinheiro da conta dela. A liberação de Chan foi marcada para outubro de 2019.

A chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, propôs a emenda em fevereiro de 2019 com o objetivo de assegurar bases legais para o envio de Chan a Taiwan, a fim de ser julgado por assassinato. Entretanto, a emenda proposta abrangia não apenas Taiwan, mas também a China continental e outros países que atualmente não possuem acordos de extradição com Hong Kong. Lam salientou que o objetivo da emenda era corrigir as “brechas legais”, mas especialistas jurídicos apontam que as chamadas “brechas” na verdade representam uma barreira de proteção [11] que impede que suspeitos de crimes sejam entregues à China continental – onde não há possibilidade de julgamentos justos.

Vários setores alertaram que, caso os pedidos de extradição sejam processados sem supervisão legislativa, as emendas fornecerão uma base legal para que as autoridades chinesas do continente capturem dissidentes políticos locais e estrangeiros.

Concessões secundárias

Entre fevereiro e maio, o governo fez alguns pequenos ajustes ao projeto de lei, tais como a remoção de vários crimes de colarinho branco da lista de pedidos de extradição, visando consolidar o apoio do setor empresarial. Todavia, Lam ainda não respondeu às preocupações sobre a potencial ameaça do projeto de lei aos direitos humanos e à independência judicial de Hong Kong.

As autoridades do governo, apoiadas por parlamentares pró-Pequim e sob o pretexto de que o governo precisava das emendas prontas para entregar o suspeito a Taiwan em outubro de 2019, decidiram dispensar o debate com os membros do Conselho Legislativo e procederam com a segunda leitura do projeto de lei em 12 de junho de 2019.

No intuito de impedir que o Conselho Legislativo avaliasse o projeto e aprovasse a lei, cerca de um milhão de manifestantes protestaram pacificamente no dia 9 [12], bloqueando o acesso ao prédio do Conselho Legislativo. O dia terminou com violentos confrontos entre jovens manifestantes e policiais.

Em 12 de junho, indignados com a brutalidade policial e com a declaração do governo de que seguiria conforme o planejado, os manifestantes bloquearam os acessos [13] e conseguiram impedir que a sessão do Conselho fosse realizada.

Uma vitória momentânea

Em 15 de junho, o governo anunciou que suspenderia temporariamente a revisão da lei. Não satisfeitos, os manifestantes defenderam a abolição total da lei e voltaram às ruas no dia 16. Estima-se que dois milhões de pessoas – de uma população total de 7,2 milhões – compareceram à manifestação, exigindo a renúncia de Carrie Lam [14] e prometendo manter a pressão até que a lei fosse descartada.

Embora Carrie Lam tenha pedido desculpas ao povo pela decisão de aprovar o projeto com uma consulta inadequada, além de ressaltar que iria suspender a lei indefinidamente, a população perdeu a confiança no governo. Esse sentimento público pode se refletir na marcha anual de 1º de julho.

Como esta página é atualizada frequentemene, leia as seguintes histórias abaixo:

Hong Kong anti-extradition protesters paralyze government and police operations [15]

Hong Kong police remove ‘riot’ label from June 12 protests, but citizens still demand justice [16]

Hong Kong press watchdog calls for investigation into police abuse against 26 journalists during protests [17]

Step down Carrie Lam! Two million rise up once more against the Hong Kong extradition bill  [14]

In Hong Kong authorities arrest the administrator of a Telegram protest group and force him to hand over a list of its members [18]

Why are Hong Kong authorities calling a demonstration a riot?  [19]

Thousands of anti-extradition protesters block roads surrounding Hong Kong government headquarters  [13]

Hundreds of thousands protest in Hong Kong against the extradition bill  [12]

Hong Kong rallies against amendment allowing extradition of fugitives to China  [20]