Esta é uma versão editada de um breve ensaio publicado no Facebook pela poeta trinitina Shivanee Ramlochan, em resposta à recepção de imigrantes venezuelanos em Trinidade e Tobago.
Estive pensando nas arquiteturas física e psicogeográfica da migração. As razões são óbvias e imediatas, e me preocupam todos os dias, em conexão com o que eu disse sobre a crise migratória global venezuelana e a mensagem que não consegui transmitir. Confesso que sinto uma certa paralisia de tristeza diante do caráter diário e frequente das notícias sobre este assunto… xenofobia por si só não parece ser a palavra mais apropriada.
A propósito, sobre este assunto: se dissesse que alguém é xenófobo, eu olharia mais para as raízes da rejeição ao estrangeiro: o que causa esse sentimento, de país para país, de aldeia para aldeia, de cidadão para cidadão? De que maneira as origens da xenofobia trinitina estão realmente enraizadas na retórica e na ação do trauma pós-colonial, sua paranoia circundante, sua desconfiança intrínseca; naquele sentimento de que, tendo trabalhado duro através da herança dos antepassados, o que é nosso “é nosso”, por Deus e as leis “desta terra”?
Mais especificamente, como a negação sistemática das gerações submetidas ao império e a nossa própria herança injusta e corrupta, doutrinada para trabalhar contra os nossos próprios interesses — em nome da propriedade e de regras políticas rígidas — fez de todos nós igualmente xenofóbicos e humanitários, mais sujeitos a esse medo, colocados do outro lado da raiva? É um medo que promete uma retaliação amarga se aquilo por que trabalhamos (independentemente de termos trabalhado ou não para consegui-lo) puder ser tirado de nós tão facilmente.
Há uma preocupação sobre o que estou pensando aqui em voz alta, que é a migração. Mas há que ser dito, porque estamos migrando, estamos em perigo perpétuo de nos dissociarmos das pessoas que poderíamos ou deveríamos ser por causa disso. Podemos atirar pedras em vez de pão, sem nos darmos conta de que estamos sendo levados pela mesma corrente de perigo nacional imprevisível. Que só porque levou mais tempo para arruinar a vida inteira não significa que isso não chegue a acontecer, ou que não possa acontecer, ou que algum dia neste antropoceno acontecerá.
Quando penso em migração, penso em pessoas dormindo em caixas de papelão em ruas sujas. Penso em mulheres que menstruam, que sangram abundantemente e se limpam com farrapos. Penso em crianças sujas, sem tomar banho, batendo em sua própria pele febril de criança, irritada e sendo comida pelos mosquitos. Falo em sujeira repetidamente porque, na minha opinião, esta é uma das primeiras coisas que o deslocamento em massa rouba de você: a oportunidade de estar limpo dentro do seu próprio parâmetro.
Também penso no que muitos de nós esperamos dos migrantes a que ajudamos, publicamente ou longe do Instagram: esperamos ou exigimos uma atitude submissa, uma máscara de gratidão perpétua pesando sobre os seus ombros trêmulos, uma ladainha de “gracias, gracias, mil gracias” [sic] enquanto são distribuídos absorventes, colchões e chocolate em pó, e talvez haja até mesmo troca de dinheiro. Frequentemente pensamos, e aqui me incluo, mais na natureza da nossa própria caridade quando estamos dando algo, e os contratos que aplicamos muitas vezes exigem alguma pompa de generosidade em troca de adoração dócil banhada em lágrimas. E uma adoração a quê? À decência comum? Estrelas aos olhos dos migrantes, por pão e queijo e geleia? Ajoelhar-se por absorventes e sachês de chá em copos de poliestireno?
Claro, as pessoas agradecem os atos de amor. Eu me pergunto que tipo de amor muitos de nós, inclusive eu, nutrimos na esperança de receber daqueles que têm menos que nada. Se isso soa sinistro é porque quero que soe sinistro. Eu vi como alguns homens olham para algumas meninas. Eu vi como alguns homens olham para alguns meninos. Já ouvi, li e presenciei o suficiente para saber que quando o descontentamento da massa encontra o crime, o que antes parecia impensável se torna quase previsível. Vários impostos de carne, exigidos.
A migração não tem nacionalidade e não precisa de visto de entrada especial. Ela chega em um barco superlotado, devastado pela malária, ou cai do céu em pequenas ilhas devastadas por tempestades no Caribe, nosso mar comum. Eu penso, sem resposta clara, exceto pelo medo da maré e o peso no coração, no que faremos coletivamente quando a migração nos afetar. Que isso caia sobre mim ou sobre a cabecinha adornada com tranças e fitas de minha trineta, quando a ilha afunde e todos os sinais que levam a outro lugar digam Não.
A coleção de poesia de 2017 de Shivanee, Everyone Knows I Am Haunting, classificou-se como melhor primeira coleção no prêmio Felix Dennis 2018.