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Argentina retoma luta pelo aborto legal com novo projeto de lei

Categorias: América Latina, Argentina, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Saúde
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Foto de  Majo Malvares [2] (@malvaresz) tirada durante a marcha do dia 28 de maio. Utilizada com permissão.

Um projeto de lei que legalizaria o aborto na Argentina foi proposto na Câmara dos Deputados em 28 de maio, seguido por demonstrações de apoio em todo o país.

O aborto é considerado crime na Argentina, exceto em casos de estupro ou para salvar a vida de uma mulher, de acordo [3] com o Código Penal de 1921 do país. Muitos estados se recusam a cumprir essas exceções legais. Não é incomum que moças argentinas sejam forçadas por ordem judicial a levar uma gravidez a termo.

O Projeto de Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE) [4] estabelece o direito da interrupção a pedido da gestante nas primeiras 14 semanas de gravidez. Após a 14ª semana, a mulher só poderá interromper a gravidez em caso de estupro ou quando sua saúde estiver em risco. O projeto de lei exime a paciente de obter autorização legal de um juiz para encerrar a gravidez nesses casos – os médicos serão obrigados a aceitar uma declaração juramentada da paciente.

Em 2018, a Câmara dos Deputados aprovou, por pouco, uma lei similar que acabou sendo derrubada no Senado.

Esta é a oitava vez que [5] a Campanha Nacional, ou “La Campaña”, como é conhecida localmente, apresenta um projeto de lei no Congresso argentino. O projeto de lei deste ano tem apoio inicial de mais de 70 legisladores.

A “La Campaña” escolheu o dia 28 de maio para apresentar o projeto de lei como o Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher. [6]

Movimentos sociais argentinos realizaram manifestações em muitas cidades para apoiar o projeto de lei em 28 de maio. Mulheres com lenços verdes participaram do “pañuelazo [7]“, que teve repercussão nacional e internacional, e consistiu em marchas e atividades públicas nas principais cidades do país e do mundo. O “pañuelazo”, em que predomina a cor verde, é o símbolo da luta pelo direito ao aborto desde 2003.

Outras manifestações aconteceram após o “pañuelazo”, dentro e fora da Argentina. Com a ajuda das redes sociais, manifestações de apoio foram vistas em cidades como Leeds, na Inglaterra e Berlim, na Alemanha:

Berlim é solidária com a campanha pelo direito ao aborto na Argentina.

Ontem nós nos unimos a Leeds Women's Strike Assembly enviando solidariedade às nossas companheiras argentinas, em favor da descriminalização do aborto.

Cerca de 97% das mulheres latino-americanas e caribenhas vivem em países com leis restritivas ao aborto, de acordo com um estudo [30] do Instituto Guttmacher. Os únicos países da América Latina de língua espanhola onde o aborto é legal quando solicitado são Cuba e Uruguai [31]. Na República Dominicana, El Salvador e Nicarágua, o aborto é ilegal, sem exceções.

Uma falha bem-sucedida

A derrota do projeto de lei de aborto do ano passado [32] no Senado argentino teve o efeito colateral irônico de estabelecer o debate sobre o aborto [33] na agenda pública nacional. Uma declaração do coletivo “Alerta Feminista” [34] explica isso:

Aunque el proyecto de ley para legalizar el aborto en Argentina, que ha dejado en suspenso a toda América Latina, fue rechazado por el Senado el 9 de agosto [de 2018], la lucha por el derecho a decidir ha adquirido una fuerza internacional e intergeneracional incomparable, llamando no sólo al aborto legal, sino a la separación de la Iglesia y el Estado.

Embora o projeto de lei para legalizar o aborto na Argentina, que deixou toda a América Latina em suspenso, tenha sido rejeitado pelo Senado em 9 de agosto de 2018, a luta pelo direito de escolha ganhou uma força internacional e intergeracional incomparável, chamando à atenção não só para aborto legal, mas também para a separação entre Igreja e Estado.

Eles acrescentaram:

El año 2018 resultó ser un año clave a nivel mundial en la movilización de las mujeres hacia la conquista de este derecho: la lucha de las mujeres polacas contra las restricciones al acceso al aborto y el triunfo del “sí” en Irlanda fueron seguidos por una lucha ejemplar de las mujeres argentinas.

O ano de 2018 provou ser um ano chave em todo o mundo na mobilização das mulheres para obter este direito: a luta das mulheres polonesas contra as restrições de acesso ao aborto e a vitória do “sim” na Irlanda foram seguidas pela luta exemplar das mulheres argentinas.

Muitos veem o equilíbrio como positivo [35] quando se trata da luta pelos direitos reprodutivos. O seguinte tuíte foi compartilhado a partir da marcha na cidade de Córdoba:

Somos milhares em Córdoba neste 5 de março #NiUnaMenos [36], neste novo 3 de junho.

Entre outras coisas, graças à “onda verde” de 2018, muitas organizações de apoio e redes de ajuda [42] às mulheres ganharam maior visibilidade e receberam muito mais consultas e acessos. Além disso, o problema há muito silenciado dos abortos clandestinos tornou-se evidente. Ao mesmo tempo, as reclamações contra instituições, profissionais de saúde [43] e funcionários públicos [44] aumentaram devido ao impedimento do exercício do direito ao aborto não punível [45], contemplado no código penal de 1921, mas apenas em vigor a partir de 2012, e o acesso universal à contracepção [46], garantida desde 2003, na Argentina.

Também foi reforçada a campanha “Meninas, não mães”, [47] cujo objetivo é proteger os direitos das meninas que são abusadas sexualmente e forçadas a dar continuidade a uma gravidez resultante de tais abusos. No Twitter, a campanha teve alcance regional e foi seguida com a hashtag de mesmo nome: [48]

#AméricaLatina [49]: todos os anos, milhares de meninas com menos de 14 anos sofrem violência sexual e são obrigadas por seus estados a continuar com a gravidez.
NÃO É FAKE NEWS
Precisamos de milhões de vozes para se juntar ao grito: #MeninasNãoMães [26]!!!

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Imagem tirada durante a marcha de #NiUnaMenos em 3 de junho em Buenos Aires. Foto por Xime Talento [54] para o coletivo Emergentes, utilizada com permissão.

Outros movimentos que andam de mãos dadas com a luta pelo aborto legal, como o  #MeToo [55], #YoTeCreo [56] e #NiUnaMenos [57] assumiram maior força com denúncias abertas sobre as diferentes formas de abuso contra a mulher. Casos de feminicídio, estupro, assédio e violência doméstica também se tornaram mais visíveis e denunciados com mais frequência. Diante dessas denúncias, muitas outras manifestações solidárias [58] também foram observadas.

Outro aspecto importante é que a implementação do “Programa de Educação Sexual Integral (ESI) [59] também foi promovida nas escolas (cuja lei foi promulgada desde 2006), com o objetivo de enfatizar a prevenção de gravidezes indesejadas e, consequentemente, de possíveis interrupções da gravidez.

Com todo esse ímpeto, este ano o oitavo projeto do IVE [5] foi apresentado na Câmara dos Deputados, com a assinatura de mais de 70 legisladores. No entanto, deve-se notar que 2019 apresenta um cenário muito complexo para a Argentina: a composição das câmeras é a mesma do ano passado, o que significa que há poucas expectativas de obter mais votos nesta oportunidade, e o país está no meio de uma profunda incerteza política e econômica, com inflação [60] crescente e uma eleição presidencial próxima [61].

Apesar disso, a “La Campaña” considera [62] fundamental “que a legalização do aborto faça parte do debate público e que garanta que os candidatos se posicionem sobre o reconhecimento e exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, e a implementação da Lei da Saúde Sexual Integral”.