Uma hora antes de abrir os portões da PerifaCon, no dia 24 de março de 2019, os organizadores se depararam com uma fila gigantesca se formando na rua da Fábrica de Cultura, no distrito do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo. A “primeira Comic Con da favela” estava prestes a começar.
Os primeiros da fila eram crianças e adolescentes que já frequentavam o espaço cultural todas as semanas. Mais quatro mil pessoas apareceram para conferir o evento, segundo os organizadores:
Foi imensamente gratificante receber o carinho da população da região, que abraçou o evento com muito amor. A fila foi triplicando de tamanho, chegando a dar duas voltas no quarteirão, e surpreendendo toda a equipe. Trazendo satisfação, e comprovando que existe uma demanda de acesso de forma gratuita à cultura geek/nerd nas periferias da cidade de São Paulo.
O Capão Redondo tem 268.729 habitantes, o tamanho de muitas cidades brasileiras de médio porte. Segundo os organizadores, a escolha do lugar se deu por ser berço de alguns dos nomes mais importantes do RAP no Brasil, como o Racionais MC’s, que completou 30 anos em 2018.
Ao ocupar o Capão Redondo, o evento atraiu fãs e artistas do mundo dos quadrinhos e os famosos cosplayers (pessoas que se vestem de acordo com seus personagens favoritos). Convenções de quadrinhos servem para abraçar o segmento geek/nerd e atraem muitos fãs de HQs e da cultura pop.
Se você é um, é bem provável que já conheça eventos que são expoentes do segmento, como a Comic-Con International nos EUA e a CCXP no Brasil. Para saber mais sobre a experiência de levar a cultura para a periferia,o GV conversou por e-mail com a equipe do PerifaCon:
Global Voices (GV): Aproveitando o contexto das histórias em quadrinhos, como seria o “filme de origem” da PerifaCon?
PerifaCon: Uma discussão de amigos sobre como seria legal todo mundo da quebrada poder ter acesso à cultura nerd e geek através de eventos como feiras de HQ.
GV: Como foi o processo de engajar apoiadores para a realização do evento?
PerifaCon: No começo foi difícil, pois não tínhamos tanta visibilidade, só um sonho. Mas isso não impediu de corrermos atrás de apoiadores e contatos. Todo mundo da equipe se esforçou bastante e, mais do que isso, as pessoas abraçaram a ideia desde o começo.
GV: Quais as características que vocês destacariam em relação ao impacto de uma convenção de quadrinhos na periferia e sua capacidade de atração de público?
PerifaCon: Se fosse para escolher uma palavra, seria DEMANDA, pois desde o começo o evento foi abraçado e atraiu um público bem expressivo, o que se desdobrou no dia do evento com a presença de 4 mil pessoas. Sobre o impacto, nós com certeza mexemos no imaginário das pessoas que pintam a favela como lugar de violência. Acreditamos que nós alteramos um pouquinho da realidade no sentido de dar visibilidade para essa pauta, que tem como foco a democratização da cultura nerd, geek e pop nas quebradas. Também quebramos aqueles estereótipos sobre a produção e o consumo nerd nas favelas. A maioria das pessoas espera que nossas produções estejam sempre ligadas – e reduzidas – a funk, samba e pagode.
GV: Que atrações vocês trouxeram para a PerifaCon e gostariam de destacar? E o que é que está em evidência entre os leitores da Perifa? O que o seu público está lendo?
PerifaCon: A exposição RAP EM QUADRINHOS, onde pudemos mostrar o trabalho de dois artistas que transformaram cantores do rap nacional em famosos heróis das HQs. Também a presença de destaques do cenário do rap, como KL- Jay, DJ do Racionais, e Rashid, que também é um rapper conhecido. Poder trazer artistas da agência Chiaroscuro Studios foi de grande importância, já que eles sempre estão em diversas convenções nerd e geek pelo Brasil e mundo afora. Também teve os destaques da Lya Nazura, que é pesquisadora da afroancestralidade nos quadrinhos e a Marília Marz, quadrinista independente que tem um trabalho sobre a cultura negra e oriental presente no bairro Liberdade, na cidade de São Paulo.
Boa parte do público que compareceu ao Perifacon estava numa vibe de se encontrar nos quadrinhos também, se ver representado ali, sabe? O que chamou mais atenção no “Beco dos Artistas”, que era a parte da feira onde quadrinistas expunham seus trabalhos, foram as obras originais que traziam protagonistas negros e a favela como cenário das histórias. Com certeza a representatividade é uma caminho sem volta.
GV: E os artistas de quadrinhos? Vocês descobriram alguma novidade que poderiam compartilhar com os leitores do Global Voices?
PerifaCon: Um dos destaques foi o Alexandre Ribeiro, que fez uma vaquinha (financiamento coletivo) para viajar para Alemanha com sua obra “Reservado”. Ele conta a história de um moleque de favela que vai receber uma notícia trágica. Teve também “Kauira, Dorme”, dos artistas Diego Torres e Lucas Andrade, que traz uma índia como protagonista da história.
GV: Casa cheia, muitas entrevistas, boa repercussão… A PerifaCon “will return”?
PerifaCon: Claro que sim! Como disse, entendemos que existe uma demanda e estamos à procura de empresas que possam patrocinar o PerifaCon para que ela possa chegar em mais lugares.
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Veja mais no site do evento: perifacon.com