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“Línguas não morrem, elas são mortas”: o que se enconde por trás da extinção das línguas nativas do México

Categorias: México, Direitos Humanos, Indígenas, Língua, The Bridge

Captura de tela do vídeo do discurso de Yásnaya Elena Aguilar Gil.

Em comemoração ao Ano Internacional de Línguas Indígenas [1], instituições governamentais, acadêmicas e da sociedade civil engajaram-se na realização de uma grande variedade de atividades. Um desses eventos aconteceu na Câmara dos deputados mexicana no dia 26 de fevereiro deste ano, quando a linguista e ativista Yásnaya Aguilar discursou na língua mixe (ou ayuujk), no Palácio Legislativo de São Lázaro, e fez história ao contar nessa língua e nesse espaço sobre como a vida e a morte das línguas, em especial as das comunidades de origem mexicana, têm muito a ver com o desenvolvimento do México como uma nação.

O texto abaixo é a tradução da versão reeditada de uma tradução em espanhol. O texto original em mixe pode ser encontrado aqui [2] e inclui reflexões sobre o desaparecimento de línguas indígenas e sua estreita conexão com a perda de território.

México. A água e a palavra. México e seus muitos nomes ocultos. Nëwemp. “no lugar da água”, em mixe.
Giajmïï: “sobre a água”, em chinanteco. Nangi ndá: “a terra em meio à água”, em mazateco.
Kuríhi: “Dentro d’água“, em chichimeco. Nu koyo: “cidade úmida”, em mixteco.
México foi o nome que deram a esta cidade e depois a este Estado, o Estado mexicano: o México.

O que se esconde debaixo das águas do Nëwemp?

Eu pretendo falar sobre algumas ideias e responder a uma questão. Por que as línguas estão morrendo? Atualmente, cerca de 6.000 idiomas são falados no mundo. O Catálogo de Línguas Ameaçadas [3] da Universidade do Havaí atesta que, em média, um idioma morre a cada três meses no mundo. A UNESCO estima que em 100 anos ao menos metade dos idiomas falados atualmente no planeta estará extinto.   

Isso nunca aconteceu na história. Nunca tantas línguas morreram. Por que estão morrendo agora? Cerca de 300 anos atrás, o mundo começou a se dividir e criar fronteiras internas. O mundo ficou dividido e, sem documentos, não é mais possível viajar para outros lugares. O mundo ficou dividido em cerca de 200 estados ou países, cada um com um governo, cada um com uma bandeira a qual honram, com um jeito de pensar que se privilegia e uma cultura permitida e, para construir essa homogeneidade interna, a apenas uma língua foi atribuído valor como língua da nação.

Outros idiomas foram discriminados e combatidos.

Há 200 anos, o Estado que hoje chamamos de México foi estabelecido. Depois de 300 anos da conquista espanhola, em 1862, 65% da população falava uma língua indígena. O espanhol era minoria até então. Hoje, os falantes de línguas indígenas são 6,5%. O espanhol se tornou a língua dominante. Dois séculos atrás as línguas náhuatl, maya, mayo, tepehua, tepehuano, mixe e todas as outras línguas indígenas eram maioria.

Em 200 anos nossas línguas tornaram-se minoria.

Como isso aconteceu? Será que de repente decidimos abandonar nossas línguas? Não foi bem assim. Foi um processo impulsionado pelas políticas governamentais que tiraram o valor dessas línguas para favorecer a uma única outra: o espanhol. Para que nossas línguas desaparecessem, nossos ancestrais foram espancados, repreendidos e discriminados pelo fato de as usarem para falar.

“Sua língua não tem valor”, diziam a eles repetidamente. “Para ser um cidadão mexicano, você deve falar o idioma nacional, o espanhol. Pare de falar a sua língua”, insistiam. O estado fez um grande esforço para impor a castelhanização, com o objetivo de erradicar nossas línguas, especialmente no sistema de ensino.

Foi o México que tomou nossas línguas, a água de seu nome nos apaga e silencia. Mesmo com as mudanças de leis, elas continuam sendo discriminadas dentro do sistema educacional, de saúde e judicial.

Nossas línguas não estão morrendo, nossas línguas estão sendo assassinadas.

Eles matam nossas línguas quando não respeitam nossas terras, quando as vendem e fazem concessões. Quando perguntam se queremos que seus projetos sejam realizados em nossos territórios, mas não fazem da maneira adequada.

Matam as nossas línguas quando assassinam quem defende nossas terras, como tem acontecido sempre. Como nossas línguas vão florescer se todos que as falam são mortos, silenciados ou desaparecem? Como nosso mundo vai florescer em uma terra que nos tomaram?

Na minha comunidade, Ayutla Mixe, em Oaxaca, não temos água. Cerca de dois anos atrás, grupos armados tomaram nossa nascente natural, que historicamente nos servia, e essa injustiça continua até hoje, mesmo depois de denunciarmos e demonstrarmos que temos razão. Por meio de armas e balas eles nos privaram da fonte, por meio de armas eles pegaram e calaram a nossa fonte de água. Mesmo com as leis dizendo que a água é um direito humano, a água não chega a nossos lares e afeta, principalmente, crianças e idosos.

É a terra, a água, as árvores que nutrem a existência de nossas línguas. Sob constante ataque em nossas terras, como nossa língua será revitalizada?

Nossas línguas não morrem, elas são mortas. O estado mexicano está acabando com elas. O pensamento único, a cultura única, o único estado com água em seu nome as está destruindo.

O vídeo do discurso completo em mixe pode ser visto abaixo: