Dois meses após Brumadinho, população de bairro de São Paulo ainda aguarda resposta sobre barragens da região

Moradores participaram de ato na Assembleia Legislativa (Guilherme Gandolfi/Divulgação)

Este texto é publicado em uma parceria entre o Global Voices e a Agência Mural. O texto é de autoria de Jéssica Moreira e Ira Romão.

No dia 25 de março, completou-se dois meses desde o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, na cidade de Brumadinho, Minas Gerais, de responsabilidade da mineradora Vale. A tragédia deixou 214 pessoas mortas e 91 desaparecidos. O Ministério Público de Minas Gerais aponta crimes ambientais e de homicídio doloso.

O desastre virou tema de discussão em Perus, distrito na zona noroeste de São Paulo, onde estão localizadas duas das 7.449 barragens do estado. Mesmo após 30 anos desde a instalação, a maioria da população nunca tinha ouvido falar sobre as represas.

No dia 20 de março, moradores e integrantes de movimentos sociais do bairro realizaram o encontro “Estamos Seguros?”, para discutir as condições das barragens e informar sobre as medidas de precaução adotadas pelas mineradoras e pela Defesa Civil da região.

No Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja Perus I), do qual é diretora, Franciele Busico Lima diz ser questionada diariamente sobre a situação das barragens. A educadora de 49 anos se aliou a outros integrantes de movimentos sociais do bairro para realizar reuniões e entender como informar os moradores em relação aos riscos associados a elas.

“Todo mundo ficou sabendo pela mídia. A gente não sabia. A gente sabia da existência das pedreiras e não das barragens, nem da problemática que isso envolve. Estamos querendo entender”, diz.

Integrantes do MAB (Movimento de Atingidos por Barragens) de Perus estiveram na Defesa Civil para cobrar a entrega do plano de contingência (a ser usado em caso de emergências) e foram informados de que ele estava em processo de finalização. O prazo para entrega era dia 8 de março, mas nada foi divulgado até agora.

Franciele trabalha no Cieja Perus e na escola alunos têm questionado sobre situação das barragens (Ira Romão/Agência Mural)

Procurada pela Agência Mural, a Defesa Civil afirmou que a versão preliminar foi entregue. Porém, “antes da divulgação junto à comunidade será realizada a articulação institucional e posterior adequações e alterações no Plano de Contingência”, afirmou o órgão.

Mobilização após Brumadinho

Moradores de São Paulo têm se mobilizado desde os primeiros dias após os danos causados em Brumadinho (cidade a 554 km de distância dali).

Em fevereiro, o MAB organizou uma audiência pública na Alesp (Assembleia Legislativa), reunindo mais de 200 pessoas atingidas por barragens de todo o estado, inclusive do bairro de Perus, assim como das cidades de Pedreira, Americana, Votorantim, Vale do Ribeira, Santos, Cubatão e Bertioga.

“É surpreendente a quantidade de barragens existente no estado, são mais de 7 mil – uma espécie de ‘bombas’ que a qualquer momento podem explodir”, afirma Liciane Andrioli, 38, integrante do MAB.

O evento serviu como ponto de partida da mobilização popular em torno desses empreendimentos. “A impressão que nos dá é que estamos abrindo uma caixa preta no estado de São Paulo com situações que, para a nossa surpresa, estavam invisibilizadas”, diz Liciane. “Tanto a Vale quanto a empresa certificadora alemã (TÜV-Süd, responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem em Brumadinho) apresentaram informações de que não havia problema algum, porém vivenciamos uma das maiores tragédias sociais, trabalhistas e ambientais da história do país”, aponta.

“Ninguém sabe o que acontece para dentro das empresas. Sabem apenas que querem explorar. E a questão de segurança fica à mercê, todo mundo com medo, população inteira que tem barragem na cabeça está apreensiva”, diz Cleiton Ferreira, 34, morador de Perus e coordenador da Comunidade Cultural Quilombaque.

Sem acesso aos planos de contingência, não está claro quantos moradores poderiam ser atingidos na região. Moram na subprefeitura de Perus pouco mais de 144 mil habitantes, e desde o desastre de Brumadinho a população ficou alarmada. Postagens sobre o tema em grupos como o “Amigos de Perus Oficial”, que possui cerca de 77 mil integrantes, alcançaram a marca de 300 comentários, entre publicações que variam entre a preocupação e angústia por conta da falta de informações.

O sentimento de medo também paira nas ruas, escolas, postos de saúde e outros estabelecimentos da região. A grande pergunta é: onde está o plano de emergência e por que ele nunca foi apresentado aos moradores?

Empresas

A Pedreira Juruaçu é uma das barragens da região. Ela comporta sedimentos da Empresa Embu, criada em 1988. A outra é uma barragem de água, da empresa Territorial São Paulo Mineração Ltda, criada em 2000.

A Barragem da Pedreira Juruaçu tem um reservatório com capacidade de 3,1 milhões de metros cúbicos, e ocupa uma área de 192.000 metros quadrados. Ela recebe rejeitos da produção de brita, essencialmente areia fina e argila.

A Agência Mural entrou em contato com a Embu S.A. e, segundo o engenheiro Marco Antônio Martins, o reservatório já está praticamente preenchido com o material sólido (areia e argila).

“A estrutura foi concebida, executada e opera com método construtivo a jusante, tido pela engenharia como o mais seguro para esse tipo de barragem”, afirmou o engenheiro.

Ele adicionou que a empresa já havia, desde antes de Brumadinho, tomado a decisão de buscar processos alternativos para o tratamento dos rejeitos. “A direção da Embu S.A. e o corpo técnico sentem-se seguros e confortáveis para afiançar a segurança e estabilidade da barragem da Pedreira Juruaçu”, disse.

Já a outra barragem, a da Territorial, possui 25m de altura, uma extensão aproximada de 160m, com capacidade de reservatório aproximada de 66 mil metros cúbicos. O local serviu de depósito para o material obtido das rochas na produção de areia para a construção civil.

De acordo com Patrícia Bueno Moreira, diretora jurídica da Territorial, a barragem foi também construída pelo método de alteamento à jusante. Ela enfatiza também que a represa está há mais de um ano inativa.

“Ela não recebe mais resíduos do processo de lavagem da areia. Todos os estudos necessários para a comprovação da estabilidade são feitos e nossos técnicos afirmam que a estrutura é segura”, aponta.

Em 2017, o Ministério Público de São Paulo realizou vistoria nas duas empresas. Na Territorial, por exemplo, foram apontadas inconsistências ligadas à drenagem, como a não localização da saída do dreno interno da barragem. Segundo o parecer, “a obstrução da saída da drenagem interna de uma barragem pode contribuir para processos que podem ocasionar um eventual rompimento”.

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