Este texto é publicado em uma parceria entre o Global Voices e a Agência Mural. O texto é de autoria de Lucas Landin, Micaela Santos e Paulo Talarico
No primeiro dia de dezembro, uma forte chuva na madrugada alagou vários bairros de Franco da Rocha, na região norte da Grande São Paulo. Ruas foram bloqueadas, comércios fecharam e os ônibus tiveram de fazer desvios para circular pela cidade.
“Ficou difícil saber como estava a situação do transporte público quando a cidade alagou”, conta a estudante Amanda Ferreira, 20. “O jeito foi aguardar as informações das pessoas que estavam presas na enchente, e as que conseguiam voltar para casa”,
A dificuldade para se informar tem um motivo. Franco da Rocha possui atualmente apenas dois veículos de comunicação e está enquadrado no chamado “quase deserto de notícias”. É o que indica o último Atlas da Notícia que mede o número de veículos de informação presente nas cidades brasileiras. O estudo tem sido feito desde 2017.
Neste ano, além de apontar que mais de 30 milhões de pessoas no Brasil não tem cobertura de imprensa local, o estudo realizado pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) mediu municípios em que há poucos meios de informação: os “quase desertos”.
“Fico sabendo das coisas que acontecem em Franco da Rocha nas redes sociais e, às vezes, pela página da prefeitura no Facebook. E como são muitas informações boca a boca, você não sabe o que de fato é mentira ou verdade”, ressalta Amanda.
“Vemos caso, por exemplo, que a principal fonte noticiosa de um lugar é o site da prefeitura ou da Câmara ou a página da prefeitura ou do prefeito em mídia social, isso não é jornalismo”, aponta Ângela Pimenta, presidente do Projor. “O risco nessas cidades são informações que não enfrentaram o protocolo jornalístico, de ouvir o contraditório, ou de serem completamente erradas, incompletas, ou enviesadas para chegar no extremo que é a desinformação”.
QUASE DESERTOS
Mais de 1 milhão de pessoas na Grande São Paulo correm risco de não ter um veículo de informação fazendo a cobertura de sua cidade. Ao menos 10 municípios contam com no máximo dois meios de comunicação (portal online, rádio ou TV) que cobrem a realidade municipal.
Três cidades não possuem nenhum veículo: Vargem Grande Paulista (50 mil habitantes), região sudoeste, Pirapora do Bom Jesus (18 mil), na região oeste e Biritiba Mirim, município de 31 mil habitantes no Alto Tietê.
É na região de Biritiba, ao lado da zona leste de São Paulo, onde estão os principais pontos que não são ‘desertos’ ainda, mas correm riscos. “Recebo bastante notícias pelo grupo da cidade no WhatsApp. Como a cidade não tem jornais, eu compro o Diário de Mogi”, comenta a aposentada Maria Aparecida Nunes, 73, que vive há ao menos 30 anos em Biritiba.
Perto dessa cidade está Ferraz de Vasconcelos, município de 188 mil habitantes, cuja situação é semelhante: há apenas dois jornais.
A alternativa deles é acompanhar pelas redes sociais. “Costumo seguir páginas de jornais da região [sediados em outras cidades] e acompanhar páginas de Ferraz, como a TV Cenário. Também sigo diretamente as páginas dos vereadores”, diz o estudante Renan Santos, 20.
“As notícias de Ferraz eu vejo apenas pelo Facebook. Costumo acompanhar bastante a página ‘Salve Ferraz'”, reforça o analista de sistemas Juan Pedro Morales, 26.
Um ponto que explica essa situação é a desigualdade, que atinge também a comunicação. A Grande São Paulo possui mais de 1.000 veículos de informação. No entanto, 76% deles estão na capital. Nas outras 38 cidades, há apenas 24% dos meios de comunicação local. Em contrapartida, essas cidades concentram 40% dos moradores.
Na comparação, São Paulo tem sete veículos para cada 100 mil moradores. Em Franco da Rocha, há um para cada 100 mil.
“A gente fica sabendo das coisas pelos comentários do povo”, completa Márcia Pereira Cardoso, 40, moradora de Franco. “Tudo o que acontece na cidade as pessoas comentam. Uso Facebook e WhatsApp, mas é ruim não ter outro meio de comunicação. Se tivesse um noticiário na rádio ou na televisão sobre a cidade seria muito bom”, diz.
“Não costumo ler jornal porque fico sabendo das informações pelo que as pessoas e os meus familiares falam para mim. Quando acontece alguma coisa, principalmente se for ruim, a notícia se espalha rápido”, reforça o eletricista Gustavo Correa da Silva, 22.
“Significa que a população está sem acesso ao direito humano básico da informação”, ressalta Ângela. Ela afirma que o levantamento busca trazer um panorama da situação do país, para que em conjunto possam ser pensadas soluções sobre como estimular a criação de projetos de jornalismo local.
Uma das conclusões é a proximidade da falta de informação com a falta de serviços públicos de qualidade nos municípios, assim como a questão da renda.
“A gente claramente vê uma correlação de presença da imprensa e IDH (Indice de Desenvolvimento Humano) mais alto. As pessoas que estão mais vulneráveis a receber a informação, são as mais vulneráveis à falta de saneamento básico, de remédios, educação de má qualidade e poluição”.