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Diretor de rede de TV na Argélia arquiva caso de difamação contra jornalistas independentes

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Argélia, Censorship, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Relações Internacionais, GV Advocacy

Um retrato pintado do presidente argelino de 82 anos, Abdelaziz Bouteflika, que está procurando um quinto mandato presidencial. Foto: Thierry Ehrmann, cortesia do Organ Museum.

Dois jornalistas argelinos foram libertados da prisão no dia 8 de novembro, depois de passarem mais de duas semanas atrás das grades por acusações de difamação.

A polícia prendeu Abdou Semmar, editor-chefe da Algérie Part [1] e ex-colaborador da Global Voices, juntamente com um dos jornalistas do site, Merouane Boudiab, em 23 de outubro. As prisões ocorreram depois que Anis Rahmani, diretor da empresa privada Ennahar TV [2], apresentou uma queixa de difamação contra eles. Outra queixa foi apresentada pelo governador de Argel, Abdelkader Zoukh.

Um tribunal de Argel ordenou que os dois jornalistas fossem libertados no dia 8 de novembro, aguardando novas investigações. O promotor está pedindo uma sentença de prisão de um ano e uma multa de 100 mil dinares argelinos (US $ 842 / R$ 3.174,15). Os advogados de Rahmani e Zoukh, por sua vez, estão pedindo dois milhões (US $ 16,855 / R$ 63.325,92) e 50 milhões de dinares (US $ 421.377 / R$ 1.598,910) por danos em uma ação civil contra os jornalistas.

A Algérie Part fez uma extensa cobertura sobre as alegações de corrupção contra Zoukh [3]. Eles também criticaram [4] Rahmani e seu grupo de mídia, informando que a Ennahar TV está espalhando mentiras e boatos. Entretanto, nenhum dos demandantes disse publicamente o que considera difamatório nos relatórios da Algérie Part.

Embora a Ennahar TV seja terceirizada, dizem que há fortes laços [5] com o governo atual.  As emissoras privadas da Argélia devem obter a autorização do Estado para operar. Um relatório nacional da Freedom House [6] de 2016 afirma que a regulamentação “limita drasticamente o grau em que as emissoras privadas podem fornecer programas de notícias independentes, em parte restringindo o tempo dedicado às notícias”.

A Algérie Part descreve sua linha editorial [7] como “totalmente independente” e enraizada em “valores cívicos”. O site prioriza a cobertura de notícias e eventos relacionados ao desenvolvimento, justiça, direitos humanos, protestos socioeconômicos, governança e corrupção. Eles também apoiam [8] explicitamente o direito à liberdade de expressão.

Antes das prisões, a Algérie Part e seus jornalistas foram alvo de uma campanha de ameaças online e ataques cibernéticos.

Em 17 de outubro, a organização sem fins lucrativos Internet Without Borders, com sede em Paris, pela qual Semmar trabalha como correspondente, publicou um comunicado [9] denunciando a campanha:

Internet Without Borders is extremely alarmed by the proliferation of cyberbullying campaigns against journalists, bloggers and activists investigating bad governance, especially corruption, within the state and the business community , in Algeria. This is the case of journalists of investigation website Algerie-Part [1], who are regularly targeted by defaming attacks, threats, abusive judicial proceedings, DDoS attacks, and constant harassment on the Internet.

A Internet Sem Fronteiras está muito preocupada com a proliferação de campanhas de cyberbullying contra jornalistas, blogueiros e ativistas que investigam a má governança, principalmente a corrupção, dentro do Estado e da comunidade empresarial na Argélia. É o caso dos jornalistas do site de investigação Algérie Part, que são regularmente alvo de ataques difamatórios, ameaças, processos judiciais abusivos, ataques DDoS e assédio constante na internet.

Esta não é a primeira vez que a Semmar enfrenta tais ameaças. Em 2015, um programa de TV satírico que ele estava organizando foi fechado [10] devido à pressão política.

Um terceiro jornalista, Adlène Mellah, diretor dos sites de notícias Algérie Direct [11] e Dzair Presse [12], também foi preso [13] em 22 de outubro, o que coincide com o Dia Nacional de Liberdade de Imprensa da Argélia. Sua prisão também veio depois de uma queixa apresentada [14] por Rahmani. Ele permanece na prisão e deve estar no tribunal em 11 de novembro. Mellah e seu editor-chefe Khelaf Benhadda também foram presos em junho de 2018 [15] por cobrir uma reportagem relacionada ao tráfico de cocaína.

“Nós não somos inimigos”

Em dezembro de 2016, o jornalista e blogueiro argelino Mohammad Tamalt morreu [16] após realizar uma greve de fome para protestar contra sua prisão. Na época, Tamalt cumpria uma sentença de dois anos de prisão por publicar no Facebook um poema e um vídeo que continha comentários considerados depreciativos em relação a Bouteflika ao então primeiro-ministro Abdelmalek Sellal.

Dois anos após a morte de Tamalt, a situação para a liberdade de imprensa continua precária. Jornalistas e vozes independentes que cobrem corrupção, má conduta da polícia e protestos enfrentam ameaças legais de autoridades do Estado, assim como aqueles que informam sobre o atual presidente Abdelaziz Bouteflika, que está no poder desde 1999.

No início do ano, um tribunal na cidade de Bejaia condenou o blogueiro Merzoug Touati a dez anos de prisão por conduzir e postar uma entrevista online com uma autoridade israelense como parte de sua cobertura de protestos anti-austeridade, que também ocorreu no início de 2017.

Said Chitour [17], um jornalista freelance e media fixer que colaborou com meios de comunicação internacionais — incluindo a BBC, France24 e Washington Post —, está detido há 17 meses. As autoridades acusam-no [18] de “compartilhar informações com um poder estrangeiro”, um crime que poderia resultar em uma possível sentença de prisão perpétua, segundo o artigo 65 do Código Penal, Repórteres Sem Fronteiras.

Em uma mensagem dirigida [19] a jornalistas argelinos em seu Dia Nacional de Liberdade de Imprensa, o presidente Bouteflika enfatizou a “importância do desenvolvimento de uma imprensa profissional e independente” no país. Entretanto, o governo argelino continua tratando alguns jornalistas como adversários.

“Quando denunciamos a corrupção e o favoritismo, é um ato de patriotismo. Não é que nós odiamos nosso país”, disse Semmar [20] em um vídeo um dia antes de ser preso. “Nós não somos inimigos da Argélia… somos uma espécie de estabilizador, procurando conduzir o país na direção certa”.

Embora ele tenha visto a mensagem de Bouteflika como algo “positivo”, pediu às autoridades que respeitem os direitos dos jornalistas:

journalists don’t need homage during ceremonies. They need respect of their dignity and freedom and to be allowed to work within a [favourable] judicial framework.

jornalistas não precisam de homenagem durante as cerimônias. Eles precisam respeitar sua dignidade e liberdade, e poder trabalhar dentro de um quadro jurídico [favorável].

Em abril de 2019, serão realizadas as eleições, e Bouteflika, de 82 anos, buscará um quinto mandato como presidente. Os jornalistas estão preocupados [21] que a repressão se intensifique em um esforço para sufocar reportagens críticas e comentários sobre os líderes do governo que buscam a reeleição.