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Para as famílias transnacionais de Cuba, um pouco de internet ajuda muito

Categorias: América Latina, Caribe, Cuba, Direitos Humanos, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Tecnologia, The Bridge
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Ilustração: MONK (Periodismo de Barrio). Usada sob permissão.

Reunidos em volta de um tablet em um hotspot público ao ar livre na capital de Cuba, Havana, uma família de seis pessoas se reveza na frente da tela. Cada um deles fala rapidamente, temendo que a ligação seja interrompida.

“Irmão”, diz um homem para o outro na tela, “os dois pares de sapatos que você enviou couberam em mim, mas a cueca colorida, não. Lembra que tudo tem que ser novo e branco”. O homem precisa das vestes para sua iniciação como santo [2], um devoto da religião Santería. O irmão promete que vai sair e comprar as roupas certas. “Há coisas que ainda acho difíceis por causa da língua”, diz ele.

Conversas como esta podem ser ouvidas em parques wi-fi espalhados por Cuba. Segundo o Centro de Estudos Demográficos (CEDEM) [3] da Universidade de Havana, um em cada três cubanos tem um membro da família que mora no exterior. O economista e demógrafo do CEDEM, Juan Carlos Albizu-Campos, prevê que em 2030 Cuba perderá mais de 40.000 pessoas por ano para a emigração, de uma população de 10 milhões.

E, em muitos casos, os emigrantes são o principal meio de apoio financeiro para os membros da família que permanecem no país. O Havana Consulting Group, [4] com sede em Miami, informa que, em 2017, US$ 3.575 milhões foram transferidos para Cuba somente dos Estados Unidos.

Nova dinâmica familiar: das reuniões on-line à “maternidade transnacional”

Hoje existem 635 pontos de acesso sem fio à internet em [5] toda a ilha, conectando famílias de maneiras sem precedentes.

Em um hotspot num parque em frente ao Hospital Maternidade Américas Arias, Havana, dezenas de mulheres vêm e vão, parecendo felizes ou preocupadas. Algumas conversam e riem ao telefone, enquanto outras choram inconsolavelmente.

“Acho que vou no WhatsApp agora para dizer a ele que estou grávida”, disse uma mulher à outra.

Ilustración: MONK (Periodismo de Barrio). Usada con permiso.

Ilustração: MONK (Periodismo de Barrio). Usada sob permissão.

Em 2017, o Centro de Pesquisas Psicológicas e Sociológicas realizou um estudo sobre a nova dinâmica familiar de Cuba. Segundo a pesquisadora-chefe Milagros Samón, “famílias transnacionais”, nas quais um membro da família emigrou em busca de uma melhor qualidade de vida, são muito comuns em Cuba. “Na maior parte do tempo”, diz Samón, “o membro da família que fornece dinheiro para as despesas domésticas e outras necessidades continua a ser o chefe da família e toma as principais decisões, apesar de estar no exterior. Esses hotspots de wi-fi encurtam essa distância, o que torna esses processos mais naturais”.

Em outra conversa que ouvimos em um parque público, uma estudante do ensino fundamental acaba de falar apenas com sua mãe.

 “Ela me puniu”, ela diz a sua amiga. “Eu não posso ir à festa no sábado.”

“Mas como ela vai te punir se está longe?”

“Ela controla tudo de lá.”

A menina relata como sua irmã envia à mãe suas notas, e como sua mãe passa informações para sua tia, que chega ao parque à noite para se conectar.

“Se elas descobrirem que não falei nada, elas podem pegar o X-box de mim. Elas estão sempre ameaçando tirar meu telefone e meus jogos.”

Sob um poste de luz em outro parque wi-fi, Rosa, de 56 anos, conecta-se com sua família pela internet quase todas as noites por 30 minutos. Rosa tem uma filha em Miami que visita Cuba regularmente e um filho no Texas que ela não vê desde 2012.

“Ligar para a minha família me mantém saudável”, diz Rosa. “Quando não havia wi-fi em Cuba, eu só podia falar com eles em aniversários ou no final do ano. Eu perdi tantas coisas.”

Rosa relembra a primeira vez que experimentou uma videochamada e viu seu filho em tempo real usando o IMO, um aplicativo para celulares. Eles falaram por três horas até a bateria do telefone acabar.

Rosa diz que queria absorver tudo, como se estivesse ali com o filho. “Deixe-me vê-lo. Mostre-me sua casa, o quarto das crianças, a comida que você tem na geladeira”, ela pediu a ele. Na chamada, ela riu para não chorar, porque mesmo feliz, só conseguia pensar no momento em que o filho, que deixara Cuba ilegalmente, retornaria. No início de 2018, o governo anunciou [6] que os cidadãos cubanos que saíssem ilegalmente seriam autorizados a retornar, incluindo pessoas que desertaram no exterior, como médicos e atletas.

Em uma dissertação de mestrado de 2016 intitulada “Maternidade Transnacional”, a socióloga Deborah Betancourt observa que “as chamadas ‘famílias transnacionais’. . . são entendidas como aqueles grupos familiares que, apesar da distância geográfica entre o emigrante e sua família, as relações não são fraturadas, mas reforçadas. Essas relações são baseadas em dois elementos de grande importância: meios de comunicação e remessas”.

Novas leis de acesso à internet, novos serviços

Foto: Ismario Rodríguez (Periodismo de Barrio). Usada sob permisão.

Em 2013, o Ministério das Comunicações publicou a Resolução No.197/2013, aprovando a comercialização do acesso à internet. Até então, a internet só podia ser acessada de certos hotéis a uma taxa de mais de 4 pesos cubanos conversíveis (CUC) por hora (US$4).

Em 2015, os cidadãos cubanos puderam finalmente acessar os hotspots wi-fi quando a provedora de serviços de telecomunicações cubana, Empresa de Telecomunicações de Cuba S.A. (ETECSA), anunciou [7] o lançamento de 35 pontos de acesso público. A ETECSA [8] anunciou em dezembro passado que os serviços de internet móvel seriam introduzidos ainda este ano.

O acesso à internet em Cuba custa [9] atualmente 1 CUC por hora (US$1), um preço que continua a aumentar em relação ao salário médio mensal cubano de 30 CUC (US$30).

“Eu vou ligar para você todos os dias”

À noite, em um parque de hotspot, uma mulher circula freneticamente pela área, chorando com um celular no ouvido. Ela implora à pessoa do outro lado da linha por mais informações:

“Onde você estava? Você conhece algum dos meninos que morreram? . . . O que a mídia está dizendo? . . Eu não vi o que o imbecil do Trump disse, eu só ouvi sobre isso.” A conversa é pontuada por gritos, soluços, repreensões. “Como alguém da sua idade consegue comprar um rifle? … Eu vou ligar para você todos os dias. Passa para o seu pai, por favor.”

Mais tarde, quando falamos com a mulher, soubemos que seu filho de 17 anos mora em Broward County, Flórida, onde mais cedo naquele dia, um tiroteio em massa na Marjory Stoneman Douglas High School tirou a vida de 17 estudantes [10]. O rapaz vai para uma escola secundária diferente, mas quando ela ouviu a notícia, ela entrou em pânico. Estava desesperada para ouvir a voz do filho.

Esta é uma versão editada de uma história originalmente publicada no Periodismo de Barrio [11].