O cenário africano, no que se refere à liberdade de expressão on-line e divergência de opiniões, está sendo cerceado paulatinamente. Em termos legais e econômicos, o custo de se manifestar está aumentando rapidamente em todo o continente.
Enquanto a maioria dos governos são considerados democráticos pois realizam eleições com candidatos multipartidários e professam ideais de participação, na prática, muitos estão mais próximos da ditadura – e parecem exercer mais controle sobre o espaço digital a cada dia que passa.
Camarões [1], Tanzânia [2], Uganda [3], Etiópia [4], Nigéria [5], e Benim [6] testemunharam recentes paralisações na internet [7], imposição de impostos [8] sobre o uso de blogues e redes sociais, e a prisão de jornalistas [5]. Funcionários dos meios de comunicação e cidadãos foram presos sob acusações que variam desde a publicação de “informações falsas” [9] até a revelação de segredos de Estado [5] ao terrorismo [10].
No recente Fórum sobre a Liberdade na Internet na África (FIFA, na sigla em inglês), realizado em Acra, Gana, um grupo de palestrantes [11] de vários países africanos disseram ter medo que os governos daquele continente estivessem interessados em controlar o espaço digital para manter os cidadãos sob controle.
Muitos países têm estatutos e leis que garantem o direito à liberdade de expressão. Na Nigéria, por exemplo, a Lei de Liberdade de Informação concede aos cidadãos o direito de exigir informações de qualquer órgão do governo. A Seção da Constitutição de 1999 [12] sustenta que “toda pessoa terá direito à liberdade de expressão, incluindo a liberdade de manter, receber e transmitir idéias e informações sem interferência…”
No entanto, a Nigéria promulgou outras leis que as autoridades usam para negar esses direitos acima mencionados.
A Seção 24 da Lei dos Crimes Cibernéticos [13]da Nigéria criminaliza “todo aquele que divulgue mensagens, sabendo que são falsas, com o propósito de causar aborrecimento, inconveniência, perigo, obstrução, insulto, injúria, intimidação criminal, inimizade, ódio ou ansiedade desnecessária a outro, ou que faça com que tal mensagem seja enviada”.
É preocupante a criação de leis com termos ambíguos e subjetivos como “inconveniência” ou “insulto”. Os governos e seus agentes costumam usar isso como um modo de suprimir a liberdade de expressão.
Quem determina a definição de um insulto? Os funcionários públicos devem desenvolver a resistência necessária? Em muitas partes do mundo, os cidadãos têm o direito de criticar funcionários públicos. Por que os africanos não têm este direito como parte essencial da liberdade de expressão?
Em 2016 e 2017, os jornalistas e blogueiros nigerianos Abubakar Sidiq Usman [14] e Kemi Olunloyo [15] foram falsamente acusados de perseguições on-line (cyberstalking) em conexão com investigações jornalísticas, com base na Lei de Cibercrime.
Não sofra em silêncio – continue falando
A própria existência desses desafios legais diz aos cidadãos que suas vozes importam. Desde a proibição na Tanzânia de [9] espalhar informações on-line falsas, imprecisas e ilusórias até o imposto sobre as redes sociais em Uganda [3], [3] que visa conter “boatos”, o tumulto produzido nas plataformas digitais assusta regimes opressivos. Em alguns casos, pode até levá-los a rescindir suas ações.
A experiência dos blogueiros Zone9 da Etiópia [16] é um evidente exemplo disso.
Em 2014, nove escritores etíopes foram presos e torturados por causa de um projeto de blogue coletivo no qual escreveram sobre violações de direitos humanos feitas pelo governo anterior da Etiópia, ousando a enfretar o poder com a verdade. O Estado os classifcou como “terroristas” por sua atividade on-line e eles ficaram detidos por quase 18 meses.
Seis membros do grupo agora liberado tiveram sua primeira aparição internacional em Gana, durante a conferência da FIFA: Atnaf Berhane, Befeqadu Hailu Techane, Zelalem Kibret, Natnael Feleke Aberra e Abel Wabella estiveram presentes. Jomanex Kasaye, que trabalhou com o grupo antes das prisões (mas não foi preso) também compareceu.
Vários membros colaboraram com a Global Voices como autores e tradutores em amárico. Como membros da comunidade, a Global Voices fez campanha [17] e mobilizou a comunidade global de direitos humanos para protestar sobre o caso desde a primeira noite em que foram presos.
Após meses de reportagens [18] e campanhas do caso no Twitter, as capturas e aprisionamentosos foram condenados pelos governos, proeminentes líderes de direitos humanos e centenas de apoiadores on-line. Dos quatro cantos do mundo [19], surgiu um poderoso clamor exigindo que o governo etíope libertasse os blogueiros da Zone9.
Em seus comentários na FIFA, os blogueiros disseram que a afiliação deles na comunidade da Global Voices foi decisiva para dar-lhes visibilidade durante o período de prisão. Durante o debate, eles deram crédito à Global Voices por mantê-los vivos.
Berhan Taye, o moderador do painel, pediu ao grupo para recontar suas experiências na prisão. Enquanto falavam, as luzes do palco diminuíram. Suas vozes encheram a sala com um poder silencioso.
Abel Wabella, que dirigiu o site da Global Voices em amárico [20], perdeu a audição em um ouvido devido à tortura que sofreu depois de se recusar a assinar uma falsa confissão.
Atnaf Berhane lembrou que uma de suas sessões de tortura durou até às 2 da manhã e que continuou depois de algumas horas de sono.
Um dos agentes de segurança que prendeu Zelalem Kibret havia sido seu aluno na universidade onde lecionava.
Jomanex Kasaye relatou a agonia mental de deixar a Etiópia antes da detenção dos seus amigos – a angústia da impotência – o suspense interminável e o medo de que seus amigos não sobrevivessem.
Com modéstia, os blogueiros da Zone9 disseram: “Nós não somos pessoas fortes ou corajosas… estamos apenas felizes por inspirar os outros”.
No entanto, os blogueiros redefiniram o patriotismo com suas palavras e ações. É preciso muita coragem para amar o próprio país após ter sofrido nas mãos dele por se manifestar.
O jornalista ugandês Charles Onyango-Obbo, também presente na FIFA, compartilhou um provérbio igbo popularizado pelo escritor nigeriano Chinua Achebe, que diz:
Since the hunter has learned to shoot without missing, Eneke the bird has also learnt to fly without perching.
Desde que o caçador aprendeu a atirar sem perder, Eneke, o pássaro, também aprendeu a voar sem se empoleirar.
Em essência, ele quis dizer que, para manter os espaços digitais livres e seguros, os envolvidos nessa luta devem criar novos métodos.
Ativistas que estiverem nas linhas pela frente da liberdade de expressão na África subsaariana e em todo o mundo não podem se dar ao luxo de trabalhar isolados nem permanecer em silêncio por medo com frustração e derrota. Com a nossa força e unidade, os espaços on-line permanecerão livres para aprofundar a democracia por meio de uma dissidência vibrante.